O movimento Dogma 95, criado por Lars von Trier e Thomas Vinterberg, produziu alguns dos melhores filmes dos últimos anos. Mas a produção de von Trier não se encaixa nos rígidos conceitos do Dogma. Dançando no Escuro, por exemplo, está totalmente fora das regras, assim como Dogville e Ondas do Destino. Ele fez apenas um filme sob o Dogma: Os Idiotas. Além deste, o Dogma 95 produziu extraordinários filmes como Mifune, Festa de Família (de Vinterberg) e Italiano para Principiantes.
Eu pensei que o movimento estivesse enterradíssimo e fui fazer uma consulta. Tomei um susto ao me deparar com uma lista de 77 filmes! Isso mesmo, 77, muitos deles recentes. Esses aqui. Onde estão??? Por que não aparecem? Estariam estigmatizados pelas distribuidoras? Ou são irremediavelmente ruins?
O movimento foi fundado em 1995 em Copenhagen e via o cinema como arte coletiva. Qualquer um poderia fazer um filme, pois o Dogma visava varrer de seus produtos toda “tempestade tecnológica”, representada por efeitos especiais, trilha sonora, iluminação, etc. Considerava que o cinema tornara-se algo artificial e apresentava um ESTATUTO OBRIGATÓRIO chamado “Voto de Castidade”. E, em seu manifesto, perguntava: é disto que nos orgulhamos? É a este resultado que nos conduziram cem anos de cinema? Das ilusões para comunicar as emoções? Uma série de enganos escolhidos por cada cineasta individualmente? Para o Dogma 95, o filme não é ilusão!
Como sempre há controvérsias acerca de quais seriam os cânones do Dogma e porque sinto saudades dos estranhos filmes produzidos sob o Dogma, transcrevo abaixo o surpreendente “Voto”.
Voto de Castidade
1. As filmagens devem ser feitas em locais externos. Não podem ser usados acessórios ou cenografia (se a trama requer um acessório particular, deve-se escolher um ambiente externo onde ele se encontre).
2. O som não deve jamais ser produzido separadamente da imagem ou vice-versa. (A música não poderá, portanto, ser utilizada, a menos que ressoe no local onde se filma a cena).
3. A câmera deve ser usada na mão. São consentidos todos os movimentos – ou a imobilidade – devidos aos movimentos do corpo. (O filme não deve ser feito onde a câmera está colocada; são as tomadas que devem desenvolver-se onde o filme tem lugar).
4. O filme deve ser em cores. Não se aceita nenhuma iluminação especial. (Se há luz demais, a cena deve ser cortada, ou então, pode-se colocar uma única lâmpada sobre a câmera).
5. São proibidos os truques fotográficos e filtros.
6. O filme não deve conter nenhuma ação “superficial”. (Em nenhum caso homicídios, uso de armas ou outros).
7. São vetados os deslocamentos temporais ou geográficos. (Isto significa que o filme se desenvolve em tempo real).
8. São inaceitáveis os filmes de gênero.
9. O filme deve ser em 35 mm, standard.
10. O nome do diretor não deve figurar nos créditos.
Copenhagen, 13 de março de 1995
Em nome do Dogma 95,
Lars von Trier
Sim, era uma maluquice. Mas os primeiros produtos do Dogma eram tão bons, realistas e contavam com tão boas histórias que fico curioso a respeito dos outros filmes. Na época, lembro ter pensado que talvez o “Voto” fosse uma saída para cineastas de países pobres como o Brasil, mas não aconteceu nada. Nosso cinema sem roteiristas sonha com o Oscar, antes mesmo de ter conquistado o público brasileiro… Mas isso já é outra história.
Atualização das 8h59 (comentário de Claudia Antonini):
Milton Luiz, my dear.
Já são 338 filmes segundo o site oficial do Dogma, não 77. Fui ver se havia alguma forma de distribuição e me deparei com este número surpreendente. Porque não chega nada??? Sei lá, uma pena mesmo. Ameeeeei “Italiano para Principiantes”.
Fui, é claro, ler e vi que tem inúmeros representantes italianos (eu sei que o filme acima nada tem a que ver com isso, que é dinamarquês), cinco argentinos e até um – único e solitário – representante brasileiro:
Dogme #209: Manter Vigilante (Brazil)
Directed and produced by J. Gabriel
Rua Santa Sofia 221/102 – RJ/RJ 20540-090 – Brazil
Phone: (21)2567-2438 – Mail: [email protected]
Agora vou tentar descobrir como ter acesso.
Beijos.