Sobre o Capítulo XXIII de Daniel Deronda

Sobre o Capítulo XXIII de Daniel Deronda

Ontem, lemos um capítulo absolutamente arrebatador de “Daniel Deronda” (1876). Trata-se da cena (Cap. XXIII) em que Herr Klesmer desencoraja Gwendolen a seguir uma carreira artística. É um momento especialmente incômodo, revelando muito sobre os temas da ilusão da emancipação feminina na obra de George Eliot (não esqueçam que Eliot era uma mulher).

Gwendolen, uma jovem bonita, orgulhosa e na pindaíba, considera se tornar uma cantora ou atriz profissional para manter seu status e independência. Ela acredita que seu talento amador e beleza sejam suficientes para o sucesso. No entanto, Klesmer, um pianista e compositor rigoroso (talvez inspirado em Liszt), desmonta suas expectativas com uma crítica honesta, fria e implacável.

Ele diz que o talento de Gwendolen é medíocre e que o mundo artístico exige disciplina e sacrifício — algo que ela não possui. Ele diz que fazer sucesso entre amigos e parentes provincianos é uma coisa, outra coisa é o mundo e suas disputas. Ele sugere que a sociedade não respeita as mulheres de talento medíocre, associando-as ao sexo fácil. Ainda mais quando são bonitas.

E volta aos méritos inexistentes da bela moça: você já tem 21 anos, deveria ter começado a estudar disciplinadamente há mais de sete anos. Está tarde.

Gwendolen fica humilhada, pois percebe claramente que a imagem que tinha de si era uma fantasia. Este banho de realidade fará com que ela arranje um casamento rico ligeirinho, aposto.

Mas George Eliot é genial e deixa um subtexto social: o da frivolidade da educação feminina da época, que preparava mulheres para serem “ornamentos” da sociedade, jamais para profissões sérias. Mesmo que Gwendolen quisesse independência, as opções para mulheres sem talento excepcional eram poucas — muitas vezes, apenas o casamento ou a pobreza.

Eliot, que vivia como escritora profissional, pode estar destacando parte do que viveu. Gwendolen, sem talento, sem opões, certamente acabará presa em um casamento. Já Eliot sempre foi a outra, a amante. Só casou bem mais velha, com um jovem, quando o primeiro morreu.

Voltemos. A intervenção de Klesmer não é apenas sobre arte — é sobre a dura verdade de que nem todos podem escapar de suas circunstâncias apenas pela vontade. Gwendolen, ao contrário de heroínas como Jane Eyre, não tem um talento salvador, e sua tragédia reside nessa limitação.

P.S. — O que faz Romola Garai ornamentando o post? Ora, ela atuou como Gwendolen numa série da BBC.

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