Ontem à noite, vimos O Fim da Turnê. O filme mostra a entrevista de cinco dias do jornalista David Lipsky, da Rolling Stone, com o escritor David Foster Wallace, ocorrida em 1996 durante a turnê de lançamento do livro de Wallace, Infinite Jest (Graça Infinita). A convite do autor — convite um pouco súbito e ditado pela simpatia inicial –, Lipsky hospedou-se na casa da fazenda onde Wallace vivia recluso com seus dois cachorros, foi às aulas que ele ministrava na universidade e também na última viagem de lançamento de Graça Infinita — uma palestra para leitores mais noite de autógrafos.
Como o filme sublinha, Wallace não pode ser uma figura mais norte-americana. É um daqueles rebeldes que contestam o próprio país ao mesmo tempo que amam McDonalds, TV, Coca-Cola, etc. Ao mesmo tempo, trabalha recluso numa fazenda, sem TV e com dificuldades em se relacionar com as pessoas — tem o receio de magoá-las. Demonstra especialmente dificuldades com mulheres. (O entrevistador Lipsky, também escritor, sente inveja do talento e do sucesso de DFW, enquanto este morre de ciúmes do trato social que Lipsky tem com elas).
Curiosamente, a reportagem jamais foi publicada. Lipsky só traria sua versão daqueles dias no livro que dá origem ao filme, Although of Course You End Up Becoming Yourself: A Road Trip With David Foster Wallace, lançado em 2010, dois anos após o suicídio de DFW.
Como cinema, O Fim da Turnê pode não ser espetacular, mas seus diálogos são 100% do tempo interessantes, assim como o jogo de tensões que estabelece entre entrevistador e entrevistado. Nunca li DFW. Seus temas, que descobri faz tempo lendo resenhas e reportagens, não me seduziram, mas o filme faz tudo para que eu mude de opinião.
DFW pensava que a forma com que o homem lida com a tecnologia faz com que ele se torne refém dela. A negação em ter uma TV em casa — logo depois sabemos que Wallace era capaz de passar horas e horas abobado na frente da telinha assistindo coisas 100% bobas — é parte deste “tornar-se refém”. Ele também se refere ao sexo que agora vem pelo computadores e que dominará todos os nossos prazeres, não somente os sexuais. Claro que isso é uma redução. Nem só de reflexões sobre tecnologia é feito DFW. Seu principal tema é extremamente literário, penso. A literatura, escrita ou lida, representaria uma forma de superar a solidão e os efeitos de um individualismo radical.
A atuação de Jason Segel como David Foster Wallace e a Jesse Eisenberg como o jornalista David Lipsky são grandiosas. Segel dá eco ao bom roteiro conseguindo deixar clara a fragilidade emocional do escritor e o verdadeiro tumulto de seu cérebro. Sua figura, a de um riponga sempre entre o doce e o perturbado, é magnética. O filme de James Ponsoldt nos dá um caminho para compreender o que há de genial em DFW.
Para finalizar, sabem que Wallace era devoto de Dostoiévski? Pois é. A grande coisa que torna Dostoiévski inestimável para os leitores e escritores norte-americanos é que ele parece possuir graus de paixão, convicção e engajamento com dilemas morais profundos que nós – aqui, hoje – não podemos ou não nos permitimos. (…) …exigimos de nossa arte uma distância irônica das convicções arraigadas ou das questões aflitivas, de modo que os escritores atuais devem ou fazer piadas com elas ou tentar camuflá-las sob algum truque formal.”