Você ainda sabe escrever com caneta?

Minha letra sempre foi péssima e eu achava impossível que ela pudesse piorar. Sempre me envergonhei dela — achava que era uma representação equivocada de mim mesmo, algo que em verdade deveria sair da mão de um semi-letrado. Sua simples existência era um duro golpe em minha vaidade, a qual posso garantir que não é de grandes proporções. Pois bem, afirmo que minha letra, que nasceu e viveu permanentemente no fundo do poço, nos últimos anos passou a cavar.

Hoje, os recados que deixo em casa saem da impressora. Rabisco apenas meus livros e listas de tarefas ou recadinhos “de mim para eu mesmo”. Cheguei ao ponto de achar que mesmo minha cônjuge não merece entrar em contato com meus registros rupestres. Ainda tomo notas em reuniões, mas, como Bartleby, preferia não fazê-lo. Hoje, o simples fato de pensar em encher páginas e páginas de papel almaço com anotações ou respondendo a provas — como fazia da faculdade — me apavora. Certamente ficaria cansado. Hoje, minhas canetas duram muito e costumo perdê-las antes de seu fim.

Então, mesmo a parca habilidade que tinha foi para o saco, não me considero mais inteligível por esta forma de comunicação, a não ser faça letras enormes e bem desenhadas. Acho que tal piora está acontecendo com quase todos nós. Será que a boa caligrafia vai acabar na próxima geração, vitimada por seres cada vez mais acostumados aos computadores? Será que tudo será digitado e que todas as assinaturas se tornarão senhas?

Li uma crítica para o ensaio The Missing Ink — The Lost Art of Handwritingdo nostálgico ficcionista inglês Philip Hensher. Nela, o resenhista onde compara a involução de sua própria letra em muitos anos. Era um sujeito que gostava de canetas-tinteiro e que se orgulhava de sua caligrafia, atualmente uma merda, como ele demonstra após digitalizá-la.

E eu pergunto: quando foi que você recebeu sua última uma carta por escrito, registrada num papel que foi efetivamente trabalhado pelas mãos do seu correspondente? Eu sei que recebi uma carta de minha prima Vera Luiza há alguns anos. Uma carta isolada. Lembro de tê-la achado muito estranha. Penso que atualmente cultivar uma bela letra é como saber tricotar com virtuosismo e que logo nenhuma criança será cobrada por uma bela letra. E quando as redações no vestibular passarão a ser digitadas?

Hensher conclui seu livro com um apelo para manter a escrita viva. Ele acha que a desnecessidade de escrever diminuiu nossa humanidade. Porém, eu fico feliz e prefiro escolher temas sobre os quais escrever do que de me ufanar de minha notável inabilidade com as Bics ou as tinteiros da vida.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!