O Café Zimmermann, uma casa de Bach

O Café Zimmermann, uma casa de Bach

O Café Zimmermann, ou Zimmermannsches Kaffeehaus foi a cafeteria de Gottfried Zimmermann em Leipzig que serviu de local para as estreias de algumas das Cantatas Seculares de Bach como, por exemplo, a Cantata do Café (Schweigt stille, plaudert nicht) e obras instrumentais.

Em 1723, ano em que Bach se mudou para Leipzig, o Zimmermann era a maior e mais bem equipada Kaffeehaus de Leipzig e um centro de encontro para as pessoas cultas da cidade. Importante: embora as mulheres fossem proibidas de frequentar os cafés, elas podiam assistir aos concertos no Zimmermann. O café estava localizado na Katharinenstrasse 14, então a rua mais elegante de Leipzig. O nome da rua fora retirado da velha capela de Santa Catarina, demolida em 1544.

O Café Zimmermann (detalhe de uma gravura de Johann George Schreiber (c. 1720)

Com seus prédios barrocos, a Katharinenstrasse era um boulevard conhecido muito além das fronteiras de Leipzig no século XVIII. O edifício de quatro andares e meio do Zimmermann foi construído pelo famoso arquiteto Christian Doering por volta de 1715. O salão do Zimmermann era suficientemente grande para receber grandes conjuntos musicais barrocos — incluindo trompetes e tímpanos — e uma plateia-comensal de cerca de 150 pessoas.

A partir de 1720, o Café sediou o Collegium Musicum, fundado por Georg Philipp Telemann na época em que este era estudante de direito em 1702. Explicando melhor, o Collegium Musicum era uma sociedade musical amadora-profissional fundada em Leipzig por Georg Philipp Telemann em 1702. Posteriormente, foi dirigido por Johann Sebastian Bach entre 1729 e 1739. Os concertos dirigidos por Bach duravam cerca de duas horas e consistiam de óperas alemãs e italianas, música de câmara, cantatas seculares e obras para orquestra.

Esses concertos eram patrocinados por Zimmermann, que fornecia o espaço e possivelmente algum apoio financeiro aos músicos, mas Bach não recebia um “salário fixo” por isso. Era mais uma oportunidade de divulgar sua música secular (como as Suítes Orquestrais e os Concertos de Brandenburgo). A parte principal de seus ganhos vinha da Igreja de São Tomás e do Conselho da Cidade de Leipzig (como Kantor). Os concertos no café eram um extra, possivelmente rendendo-lhe honorários por performances específicas ou apoio de mecenas.

Zimmermann vendia taças de café, além de outras bebidas e comidas. Os concertos reavivaram o negócio do café e o restaurante de Zimmermann, tanto que ele comprou instrumentos para o Collegium Musicum às suas próprias custas. Os concertos terminaram com a morte de Zimmermann em 1741. O público era bastante qualificado e os músicos de fora que visitavam a cidade faziam questão de apresentar-se no Zimmermann.

O grupo de música clássica francesa Café Zimmermann deve o seu nome a este café.

A Cantata do Café

Schlendrian é um pai durão e está preocupadíssimo porque sua filha Lieschen entregou-se à nova mania de tomar café. Todas as promessas e ameaças para desviá-la de tão detestável hábito foram infrutíferas até que, para dissuadi-la, ofereceu-lhe um marido. Lieschen aceita a ideia com entusiasmo e o pai parte apressadamente para conseguir-lhe um. Esta é a ideia principal da Cantata do Café, obra cômica de J. S. Bach, uma mini-ópera, que foi apresentada entre 1732 e 1735 na Kaffeehaus de Zimmermann, em Leipzig. A primeira Kaffeehaus da cidade foi aberta em 1694 — o café chegara à Alemanha em 1670 — e em 1735 a burguesia podia escolher entre oito privilegiadas casas.

A Kaffeekantate, BWV 211, foi encomendada a Bach por Zimmermann e é, em parte, uma ode ao produto (sim, puro merchandising) e, de outra parte, uma punhalada no movimento existente na Alemanha para impedir seu consumo pelas mulheres. Acreditava-se que o “negro veneno” pudesse causar descontrole e esterilidade ao sexo frágil, mas Bach, em troca do pagamento de Zimmermann, ignorou estes terríveis perigos. Senão, talvez não musicasse uma ária que diz: “Ah, como é doce o seu sabor. / Delicioso como milhares de beijos, / mais doce que um moscatel. / Eu preciso de café”; e nem nos brindaria com estas delicadezas…: “Paizinho, não sejas tão mau. / Se eu não beber meu café / as minhas curvas vão secar / as minhas pernas vão murchar / ninguém comigo irá casar”.

Bach aprendera muito bem, em sua vida familiar e em seu trabalho como professor, que influenciar os jovens não era assim tão fácil. Portanto, adicionou um recitativo no qual os planos de Lieschen são revelados: o homem que quiser casar com ela terá de consentir numa cláusula: o contrato matrimonial preverá que ela possa tomar café sempre que lhe apetecer.

No final, há um breve coro de três cantores, onde o café e a evolução são admitidos como coisas inevitáveis. Esta Cantata — ao lado de outras poucas obras vocais profanas — é uma evidente exceção na obra de Bach. O compositor, que possui a injusta fama de sério, aceitou o convite de Zimmermann para compor uma propaganda de seu Café e, como quase sempre fazia, produziu uma obra-prima, uma pequena comédia que funciona tanto no palco quanto nas salas de concertos. O efeito da primeira apresentação deve ter sido consideravelmente ampliado pelo fato de que às mulheres não era permitido cantar em cafés (nem em igrejas) e o papel de Lieschen foi, provavelmente, interpretado por um cantor em falsete. Bach, com o auxílio do poeta Picander, construiu dois personagens muito humanos e verossímeis: um pai resmungão e rústico e uma filha obstinada e cheia de caprichos. O compositor parece estar à vontade ao traçar a caricatura do pai com o baixo pesado, os ritmos acentuados e a prescrição con pompa, enquanto os violinos rosnam para indicar seu temperamento irascível.

Quando ele ameaça privar Lieschen de sua saia-balão de última moda, Bach indica seu tremendo diâmetro de forma escandalosa. A ária de Lieschen em louvor ao café é convencional, tão convencional que parece que o compositor quer insinuar que ela futilmente adotara tal hábito apenas para seguir a moda, o que seria um gol contra para Zimmermann. Entretanto, seu entusiasmo por um possível marido não é simulado… A alegria expressa na melodia em ritmo de dança popular é contagiosa. Para os puristas, o divino e sacro Bach chega a ser grosseiro: afinal, quando Lieschen diz que quer um amante fogoso e robusto, os violinos e as violas silenciam, como para deixar bem clara aos ouvintes a afirmativa sem rodeios (ou para expressar pasmo). O Café Zimmermann deve ter vindo abaixo…

 

A Katharinenstraße em 1905

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