O repúdio ao ataque à Ucrânia pelo governo russo não deve ser confundido com a penalização a seus artistas e atletas
CHRISTOPH DE BARRY (AFP)
No El País
Tradução do blogueiro
As ações que condenam a guerra contra a Ucrânia também chegaram ao mundo da cultura e do esporte. Os ministros da Cultura da UE concordaram na semana passada com “a suspensão de projetos e iniciativas culturais e esportivas em andamento” envolvendo a Rússia e com o cancelamento de eventos programados. No comunicado do ministério espanhol, tanto federações quanto clubes são instados a não tomar medidas contra quem rescindir seus contratos com clubes russos ou prejudicar aqueles que decidem suspender atividades programadas com equipes convidadas da Rússia ou da Bielorrússia.
A aplicação dessas medidas é clara em relação às instituições oficiais russas, mas essa clareza desaparece quando desce à infinita variedade de situações individuais que a atividade cultural e esportiva promove. Será necessário ser particularmente escrupuloso para não incorrer na estigmatização de qualquer atleta, artista, músico ou escritor russo como porta-voz ou representante do presidente Vladimir Putin. Qualquer erro nessa área desafiaria o valor da medida e transformaria os países europeus em repressores indiscriminados daqueles que, na realidade, podem ser aliados ativos contra Putin. Os exemplos já divulgados são relevantes e começaram com a renúncia de artistas de alto nível a representar oficialmente a Rússia na Bienal de Veneza em abril. Nem a sua curadora artística, a lituana Raimundas Malasauskas, aceitou a encomenda porque “esta guerra é política e emocionalmente insuportável”. A resposta interna também foi importante. Houve até um manifesto contra a guerra assinado pelos diretores do teatro Bolshoi em Moscou e do teatro Alexandrinsky em São Petersburgo, Vladimir Urin e Valery Fokin, juntamente com artistas como o violinista Vladímir Spivakov ou o ator Oleg Basilashvili.
Não são casos únicos, mas são os que mostram a existência de uma oposição proeminente dentro do país que também precisa de ajuda como a resistência antifranquista, ao mesmo tempo em que um novo exílio na Europa já começou: aquele que escapa de Putin. Esses e outros nomes devem servir como antídotos para a associação preguiçosa entre a cultura russa e a invasão da Ucrânia lançada por um presidente autocrático . O nobre espírito que anima a medida está destinado a prejudicar Putin sem que esse boicote prejudique também a atividade de artistas, criadores e atletas fora das delegações oficiais russas.
A cultura do cancelamento é em si um esporte arriscado, mas arruinar a vida profissional e artística daqueles sem vínculos com Putin seria um grave erro. Apoios como uma bolsa para estudos adicionais fora da Rússia ou ajuda financeira para um projeto artístico não devem ser evidências suficientes para cancelar seus beneficiários sem incorrer em traços xenófobos ou dolorosamente simplistas. O cuidado requintado na aplicação dessas medidas, tanto no campo cultural quanto esportivo, terá que ser o critério central para que a condenação da agressão de Putin contra a Ucrânia não condene a cultura russa fora da Rússia à miséria.