Eu não sei quem é o autor para o português da tradução que copio abaixo. E é claro que o significado deste famoso discurso ultrapassa em muito o filme de Branagh, Henrique V, pois, afinal, o Discurso do Dia de São Crispim faz parte da peça histórica de William Shakespeare, Henrique V, Ato IV, Cena III.
Na véspera da Batalha de Azincourt (parte da Guerra dos 100 Anos), que caiu num dia de São Crispim — para ser mais exato, em 25 de outubro de 1415 –, Henrique V exorta seus homens, que estavam em número muito menor do que os franceses, a imaginar a glória e a imortalidade que teriam se fossem vitoriosos. O discurso foi repetido por Laurence Olivier para elevar o espírito britânico durante a Segunda Guerra Mundial, e por Kenneth Branagh no filme Henry V, de 1989. Nele, está a famosa expressão band of brothers. A peça foi escrita por volta de 1600, e vários escritores posteriores usaram partes dela em seus próprios textos.
Explicando melhor: o exército britânico estava em solo francês. Depois de uma campanha malsucedida, estavam procurando voltar para a Inglaterra, doentes e exaustos. Porém, foram alcançados pelos franceses. Logo antes de começar a batalha, os nobres ingleses discutiam entre si, comentando que o inimigo estava descansado, inteiro e, bem, em esmagadora superioridade numérica. Os ingleses tinham aproximadamente 7 mil homens, os franceses por volta de 20 mil. E o primo do rei suspirou, dizendo que gostaria de ter os homens que ficaram na Inglaterra fazendo nada.
A seguir, o vídeo do filme — Branagh faz alguns cortes –, o que diz Westmoreland e a resposta de Henrique V, em português e o original de Shakespeare:
O conde de Westmoreland, primo do rei, lamenta a falta de mais homens para pelo menos tentar equilibrar um pouco a enorme diferença dos efetivos de combatentes. O rei toma a palavra então:
Quem expressa esse desejo? Meu primo Westmoreland? Não, meu simpático primo; se estamos destinados a morrer, nosso país não tem necessidade de perder mais homens do que nós temos aqui; e , se devemos viver, quanto menor é o nosso número, maior será para cada um de nós a parte da honra. Pela vontade de Deus! Não desejes nenhum um homem a mais, te rogo! Por Júpiter! Não sou avaro de ouro, e pouco me importo se vivem às minhas expensas: sinto pouco que outros usem minhas roupas: essa coisas externas não encontram abrigo entre as minhas preocupações; mas se ambicionar a honra é pecado, sou a alma mais pecadora que existe.
Não, por fé, não desejeis nenhum homem mais da Inglaterra. Paz de Deus! Não quereria, pela melhor das esperanças, expor-me a perder uma honra tão grande, que um homem a mais poderia quiçá compartir comigo. Oh! Não ansieis por nenhum homem a mais! Proclama antes, através do meu exército, Westmoreland, que aquele que não for com coração à luta poderá se retirar: lhe daremos um passaporte e poremos na sua mochila uns escudos para a viagem; não queremos morrer na companhia de um homem que teme morrer como companheiro nosso.
Este dia é o da festa de São Crispim; aquele que sobreviver esse dia voltará são e salvo ao seu lar e se colocará na ponta dos pés quando se mencionará esta data, ele crescerá sobre si mesmo ante o nome de São Crispim. Aquele que sobrevier esse dia e chegar a velhice, a cada ano, na véspera desta festa, convidará os amigos e lhes dirá: “Amanhã é São Crispim”. E então, arregaçando as mangas, ao mostrar-lhes as cicatrizes, dirá: “Recebi estas feridas no dia de São Crispim.”
Os velhos esquecerão; mas, aqueles que não esquecem de tudo, se lembrarão todavia com satisfação das proezas que levaram a cabo naquele dia. E então nossos nomes serão tão familiares nas suas bocas com os nomes dos seus parentes: o rei Harry, Bedford, Exeter, Warwick e Talbot, Salisbury e Gloucester serão ressuscitados pela recordação viva e saudados com o estalar dos copos.
O bom homem ensinará esta história ao seu filho, e desde este dia até o fim do mundo a festa de São Crispim e Crispiano nunca chegará sem que venha associada a nossa recordação, à lembrança do nosso pequeno exército, do nosso bando de irmãos; porque aquele que verter hoje seu sangue comigo, por muito vil que seja, será meu irmão, esta jornada enobrecerá sua condição e os cavaleiros que permanecem agora no leito da Inglaterra irão se considerar como malditos por não estarem aqui, e sentirão sua nobreza diminuída quando escutarem falar daqueles que combateram conosco no dia de São Crispim.
(A vida do rei Henrique V, ato IV, cena III)
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O original sem cortes:
What’s he that wishes so? My cousin, Westmorland? No, my fair cousin; If we are mark’d to die, we are enough To do our country loss; and if to live, The fewer men, the greater share of honour. God’s will! I pray thee, wish not one man more.
By Jove, I am not covetous for gold, Nor care I who doth feed upon my cost; It yearns me not if men my garments wear; Such outward things dwell not in my desires. But if it be a sin to covet honour, I am the most offending soul alive. No, faith, my coz, wish not a man from England. God’s peace! I would not lose so great an honour As one man more methinks would share from me For the best hope I have. O, do not wish one more! Rather proclaim it, Westmorland, through my host, That he which hath no stomach to this fight, Let him depart; his passport shall be made, And crowns for convoy put into his purse; We would not die in that man’s company That fears his fellowship to die with us.
This day is call’d the feast of Crispian. He that outlives this day, and comes safe home, Will stand a tip-toe when this day is nam’d, And rouse him at the name of Crispian. He that shall live this day, and see old age, Will yearly on the vigil feast his neighbours, And say “To-morrow is Saint Crispian.” Then will he strip his sleeve and show his scars, And say “These wounds I had on Crispin’s day.”
Old men forget; yet all shall be forgot, But he’ll remember, with advantages, What feats he did that day. Then shall our names, Familiar in his mouth as household words— Harry the King, Bedford and Exeter, Warwick and Talbot, Salisbury and Gloucester— Be in their flowing cups freshly rememb’red.
This story shall the good man teach his son; And Crispin Crispian shall ne’er go by, From this day to the ending of the world, But we in it shall be rememberèd— We few, we happy few, we band of brothers; For he to-day that sheds his blood with me Shall be my brother; be he ne’er so vile, This day shall gentle his condition; And gentlemen in England now a-bed Shall think themselves accurs’d they were not here, And hold their manhoods cheap whiles any speaks That fought with us upon Saint Crispin’s day.
Para abordar qualquer autor, é bom antes medir seu tamanho, só que Shakespeare é tão alto que jamais este pobre comentarista poderá subir sobre seus ombros a fim de admirar com clareza sua criação. E o que digo não é exagerado. William Shakespeare, nascido e morto na mesma Stratford-upon-Avon, no mesmo dia 23 de abril, o primeiro de 1564, o segundo de 1616, ocupa a mesma posição de Johann Sebastian Bach na música, a de pedra fundamental, a de base, referência e refúgio, a de religião secular de escritores, dramaturgos, atores e interessados na cultura. Por exemplo, o ensaísta Harold Bloom, em seu livro Shakespeare: a Invenção do Humano, pergunta: O que era o homem antes de Shakespeare? E responde, com certo exagero, que era um Personagem de dimensão quase inexistente.
É difícil de acreditar que Shakespeare tenha vivido apenas 52 anos. Sua obra é imensa em extensão e em qualidade mesmo que se considere o aspecto colaborativo existente entre os autores elisabetanos. Explico: os escritores do século XVI produziam e tinham perfis muito pouco romantizados. Talvez apenas os poetas escreviam para “expressarem-se”. Os ficcionistas e dramaturgos eram operários com prazos a cumprir. A necessidade ditava o ritmo e as companhias teatrais muitas vezes recorriam a diversos autores para chegar ao texto final de uma peça. E os autores não tinham pudor para pegar emprestados trabalhos alheios.
Com isso, não desejo de modo algum diminuir Shakespeare — afinal, os manuscritos demonstram a autoria de suas peças –, mas ele mesmo dizia roubar trechos de outros e brincava que, às vezes, “boas filhas nascem em más famílias” e que cumpria corrigir a natureza… É claro que ocorria também o contrário, pois era comum uma filha bem estabelecida migrar para uma família disfuncional. Porém, se você é desses que odeia plágio, pense no que escreveu Jorge Luis Borges: Sou todos os autores que li, todas as pessoas que conheci, todas as aventuras que vivi.
Entre os plagiados por Shakespeare, há autores como Robert Greene, Marlowe e muitos outros. Mas, meus amigos, a obra é de Shakespeare. Carradas de versos de suas peças apareceram pela primeira vez… nas suas peças. Por falar em versos, como é complicado encontrar uma boa tradução de Shakespeare! Minha mulher conheceu Shakespeare em seu país, em traduções de Boris Pasternak e Samuil Marshak para o russo. Quando pegou uma edição brasileira de Sonhos de uma noite de verão, não entendeu nada. Sua primeira pergunta foi Cadê as rimas? Como não os encontrou na edição que ganhara de um (grande) amigo nosso, largou o volume. Sim, Shakespeare escreveu tudo aquilo em versos, mas o que se lê no Brasil é quase sempre prosa. As traduções em verso parecem coisa do passado. E não considero grande coisa as traduções disponíveis, apesar da liberdade autoconcedida. A escolha da estratégia poderia variar muito: traduzir em prosa ou em verso, com rima ou sem rima, em decassílabos ou dodecassílabos ou em verso livre, aproximar a linguagem do leitor contemporâneo ou procurar manter um certo distanciamento recorrendo a um vocabulário mais arcaico. Enfim.
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William Shakespeare foi poeta, dramaturgo e ator. Na verdade, como todos sabem, é tido como o maior escritor do idioma e o mais influente dramaturgo do mundo. É chamado frequentemente de poeta nacional da Inglaterra e de “O Bardo”. De suas obras, incluindo aquelas em colaboração, restaram até os dias de hoje 38 peças, 154 sonetos, dois longos poemas narrativos, e mais alguns versos esparsos. É bastante coisa. Suas peças foram traduzidas para todas as principais línguas modernas e são mais encenadas que as de qualquer outro dramaturgo. Muitos de seus textos e temas, especialmente os do teatro, permanecem vivos e são revisitados até hoje.
Shakespeare nasceu e foi criado em Stratford-upon-Avon. Aos 18 anos, casou-se com Anne Hathaway. Tiveram 3 filhos: Susanna e os gêmeos Hamnet e Judith. Entre 1585 e 1592, Shakespeare começou uma carreira bem-sucedida em Londres como ator, escritor e empresário teatral. Era um dos proprietários de uma companhia de teatro chamada Lord Chamberlain’s Men, mais tarde conhecida como King’s Men. Acredita-se que ele tenha retornado a Stratford em torno de 1613, morrendo três anos depois. Pouco se sabe da vida privada de Shakespeare, e há muitas especulações sobre sua aparência física, sexualidade, crenças religiosas, etc.
Shakespeare produziu a maior parte de sua obra entre 1590 e 1613. Suas primeiras peças eram principalmente comédias ou obras baseadas em eventos e personagens históricos, gêneros que levou ao ápice da sofisticação e do talento artístico. Depois, passou às tragédias, criando Hamlet, Rei Lear e Macbeth, consideradas algumas das obras mais importantes na língua inglesa. Na sua última fase, escreveu conjuntos de peças classificadas normalmente como tragicomédias, mas que mais parecem poesias, obras de alguém dotado de pleno e tranquilo domínio de sua arte.
Diversas edições de suas obras foram publicadas com variados graus de qualidade e precisão, durante sua vida. Em 1623, John Heminges and Henry Condell, dois atores e velhos amigos de Shakespeare, publicaram o chamado First Folio, uma coletânea de obras dramáticas que incluía todas as peças (com a exceção de duas) reconhecidas atualmente como sendo de sua autoria.
Shakespeare foi respeitado em sua própria época, porém mas sua reputação só viria a atingir níveis planetários duzentos anos depois, no século XIX. Foram os românticos vitorianos que aclamaram a genialidade de Shakespeare, idolatrando-o como herói. a tal “bardolatria” a que se referia George Bernard Shaw.
O pouco do que se sabe: os primeiros anos
William Shakespeare era filho de John Shakespeare, um bem-sucedido luveiro e sub-prefeito de Stratford, e Mary Arden, filha de um rico proprietário de terras. Embora sua data de nascimento seja desconhecida, admite-se o 23 de Abril de 1564 com base no registro de seu batizado. Shakespeare foi o terceiro filho de uma prole de oito e o mais velho a sobreviver.
Shakespeare foi educado em uma boa escola, no entanto, há indícios de que seu pai foi obrigado a retirá-lo da educação formal quando William tinha quinze ou dezesseis anos. O motivo foi financeiro. É que, na década de 1570, John foi rapidamente à falência. Tudo indica que Shakespeare precisou trabalhar cedo para ajudar a família, aprendendo, inclusive, a tarefa de esquartejar bois e abater carneiros.
Em 1582, aos 18 anos de idade, casou-se com Anne Hathaway, uma mulher de 26 anos que estava grávida dele. Anne era de uma família endinheirada e é quase certo que o casamento de Anne e Shakespeare teria sido forçado pelos Hathaway. Pouco se sabe dela. Anne apareceria escondida em vários escritos de seu famoso marido, como ao final do Soneto 145. Ele amava a mulher.
‘I hate’ from hate away she threw, And saved my life, saying ‘not you.’
Estes lábios que a mão do Amor criou,
Entreabriram-se para dizer, “Eu odeio”,
A mim que sofria de saudades dela:
Mas, ao ver meu estado desolado,
Seu coração se tomou de piedade,
Repreendendo a língua, que, sempre tão doce,
Foi gentilmente usada para me exterminar;
E ensinou-lhe, assim, a dizer, novamente:
“Eu odeio”, alterou-se, por fim, sua voz,
Que se seguiu como a noite
Segue o dia, que, como um demônio,
Do céu ao inferno é atirado.
“Eu odeio”, do ódio ela gritou,
E salvou-me a vida, dizendo – “Tu, não”.
Após o nascimento dos gêmeos, há pouquíssimos vestígios históricos a respeito de Shakespeare, até que ele é mencionado como parte da cena teatral de Londres em 1592. Os estudiosos referem-se aos anos de 1586 a 1592 como os “anos perdidos de Shakespeare”. As tentativas de explicar por onde andou William Shakespeare durante esses seis anos fizeram surgir dezenas de histórias, provavelmente mentirosas. Nicholagas Rowe, o primeiro biógrafo de Shakespeare, conta que ele fugiu de Stratford para Londres devido a uma acusação envolvendo o assassinato de um veado numa caça não permitida.
O período londrino e a morte
Não se sabe exatamente quando Shakespeare começou a escrever, mas registros de performances mostram que várias de suas peças foram representadas em Londres em 1592. A época, sob Elizabeth I, favorecia o desenvolvimento cultural e artístico. O teatro deste período, conhecido como elisabetano, foi de grande importância para os ingleses — da alta sociedade, claro. Na época, além de muito popular, o teatro também era também publicado, vendido e lido. Havia companhias que compravam os textos dos autores em voga e depois vendiam-nos para as tipografias. Estas tinham um grande público leitor, o qual fazia com que as obras se popularizassem rapidamente.
Certamente a carreira de Shakespeare começou em qualquer momento a partir de meados dos anos 1580. Ao chegar em Londres, há uma tradição que diz que Shakespeare não tinha amigos nem dinheiro. Não obstante a família de Anne, ele estaria arruinado. Segundo quase todos os biógrafos do século XVIII, ele foi arranjou um emprego numa companhia de teatro. Começou num serviço pequeno, e logo foi subindo de cargo, chegando a atuar. Ele dividiria suas atividades entre tomar conta dos cavalos dos espectadores do teatro, atuar no palco e auxiliar nos bastidores. Porém, segundo Rowe, Shakespeare entrou no teatro como ponto, encarregado de avisar os atores o momento de entrarem em cena.
Contudo, o grande Shakespeare era um mau ator e seu limitado talento o teria levado a experimentar escrever peças. Shakespeare teria voltado para Stratford algum tempo antes de sua morte; mas a aposentadoria ainda não tinha sido inventada e ele continuou a visitar Londres para ver sua filha que morava na cidade e apresentar novas peças suas a grupos teatrais.
William Shakespeare morreu em 23 de Abril de 1616, mesmo dia de seu aniversário. Há lendas a respeito. Dizem que ele, já doente, teria se embriagado com os dramaturgos e poetas Ben Jonson e Michael Drayton e seu estado se agravou.
Ele deixou a maior parte de sua herança para sua filha mais velha, Susanna. Isso intriga os biógrafos, porque Anne Hathaway sobreviveu dez anos ao dramaturgo. O escritor Anthony Burgess tem uma explicação ficcional sobre isso. Em Nada como o Sol, ele cita que Shakespeare viu seu irmão Richard com Anne. Nus e abraçados. Tudo invenção.
Os restos mortais de Shakespeare foram sepultados na igreja da Santíssima Trindade (Holy Trinity Church) em Stratford-upon-Avon. Parece que sem o crânio… Acredita-se que Shakespeare temia o costume de sua época de esvaziar as sepulturas mais antigas para abrir espaços a novas e, por isso, fez questão de colocar um claro epitáfio na sua lápide, que anunciava uma maldição para quem removesse seus ossos.
Bom amigo, por Jesus, abstém-te de profanar o corpo aqui enterrado. Bendito seja o homem que respeite estas pedras, e maldito o que remover meus ossos.
Rápidos comentários sobre as peças
Os estudiosos costumam dividir a dramaturgia de Shakespeare em quatro períodos. Até meados de 1590, ele escreveu principalmente comédias e dramas históricos, influenciado por modelos de peças romanas e italianas. O segundo período iniciou-se aproximadamente em 1595 e seria o “romântico”. De 1600 a 1608, seria o “período sombrio”, o de grandes como tragédias Hamlet, Rei Lear e Macbeth. E entre 1608 a 1613, os das tragicomédias.
Os primeiros trabalhos conhecidos de Shakespeare são os dramas históricos Ricardo III e Henry V, escritos em 1590. É complicado datar as primeiras peças de Shakespeare, mas estudiosos de seus textos sugerem que A Megera Domada, A Comédia dos Erros e Titus Andronicus pertencem também ao seu primeiro período. Suas primeiras histórias dramatizam os resultados destrutivos da corrupção do Estado. São textos influenciados por obras de outros dramaturgos elisabetanos, especialmente Thomas Kyd e Christopher Marlowe, assim como pelas tradições do teatro medieval.
Em meados da década de 1590, o amor e a comédia tomou conta de sua obra. Sonho de uma Noite de Verão é uma deliciosa mistura de romance espirituoso e fantasia. Muito Barulho por Nada, O Mercador de Veneza, Tudo está bem quando acaba bem, As Alegres Comadres de Windsor, Trabalhos de Amores Perdidos, Do jeito que você gosta (As you like it) e Noite de Reis fazem parte de uma sequência de ótimas comédias.
Depois, seus personagens tornam-se cada vez mais complexos e alternam entre o cômico e o dramático, expandindo suas identidades. O chamado período “trágico” começou com Romeu e Julieta e durou de 1600 a 1608, embora durante esse período ele tenha escrito também a cômica Medida por medida. O auge de sua obra seria Hamlet. Provavelmente, é o personagem shakespeariano mais discutido dentre todos. Hamlet pensa antes de agir, é inteligente, perceptivo e observador. Porém, ao contrário do reflexivo Hamlet, os heróis das tragédias que se seguiram, em especial Otelo e Rei Lear, são precipitados e mais agem do que pensam. Tais atitudes acabam por destruí-los assim como a quem amam. Em Otelo, o ciumento personagem-título acaba assassinando sua mulher, por quem estava apaixonado. Ela era inocente. Em Rei Lear, o velho rei comete o erro de abdicar de seus poderes. Outra obra-prima. Segundo o crítico Frank Kermode, “a peça não oferece nenhum personagem divino ou bom, e não supre da audiência qualquer tipo de alívio de sua crueldade”. Macbeth, a mais curta e compacta tragédia shakespeariana, narra a incontrolável ambição de Macbeth e sua esposa, Lady Macbeth, que matam o rei da Escócia para acabarem num mar de corrupção, culpa e sangue.
No seu último período, Shakespeare centrou-se na tragicomédia, escrevendo três importantes peças: Cimbelino, Conto de Inverno e A Tempestade. Menos sombrias do que as tragédias, estas revelam um tom mais grave de comédia, com suas personagens reconciliando-se ao final e perdoando todos os erros uns dos outros. É uma mudança de estilo para a serenidade. Na minha opinião, A Tempestade, com personagens como Próspero, Miranda e Caliban, é a maior de suas peças. Ou a que mais gosto de ler.
“Nós somos feitos da mesma matéria dos sonhos;
com nossa curta vida cercada por dois sonos”.
Sonetos
Publicado em 1609, Sonetos não tinham fins dramáticos, era apenas poesia. Não há certeza sobre quando cada um dos 154 sonetos da obra foram compostos, mas evidências sugerem que Shakespeare as escreveu durante toda sua carreira para leitores particulares. Também é incerto se foram escritos para pessoas reais. São profundas meditações sobre a natureza do amor, a paixão, a morte e o tempo.
Poemas
Em 1593 e 94, os teatros foram fechados por causa da peste. Sem trabalho, Shakespeare publicou dois poemas eróticos, hoje conhecidos como Vênus e Adônis e O Estupro de Lucrécia. Ele os dedica a Henry Wriothesley, o que fez com que houvesse várias especulações a respeito. Em Vênus e Adônis, um inocente Adônis rejeita os avanços sexuais de Vênus (mitologia); enquanto que o segundo poema descreve a virtuosa esposa Lucrécia que é violada sexualmente. Ambos os poemas, influenciados pelas Metamorfoses de Ovídio, demonstram a culpa e a confusão moral versus volúpia descontrolada. Ambos tornaram-se populares e foram diversas vezes republicados durante a vida de Shakespeare. Uma terceira narrativa poética acompanhava os Sonetos: em A Lover’s Complaint, uma jovem lamenta ter sido seduzida.
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O Globe, palco de Shakespeare em Londres
O Globe Theatre de Londres é associado ao maior dramaturgo de todos os tempos: William Shakespeare. A casa foi construída em 1599 por sua companhia de teatro. Shakespeare detinha 12,5 % das ações da mesma. Dois dos seis acionistas – Richard Burbage e seu irmão Cuthbert Burbage – possuíam 25% cada e um quarteto de 12,5% cada era formado por John Heminges, Agostinho Phillips, Thomas Pope e o famoso dramaturgo. Foi o primeiro teatro construído por atores para atores. Porém, após estrear várias peças do grande autor, o Globe foi destruído por um incêndio no dia 29 de junho de 1613, exatamente há 400 anos. O Globe foi inaugurado no outono de 1599, com Júlio César e a maioria das grandes peças de Shakespeare pós-1599 foram escritas para o teatro.
No século XVII, qualquer incêndio podia transformar-se numa grande tragédia, tanto que em 1666, um terço da cidade foi destruída pelo fogo. As ruas eram estreitas, herança da transformação urbana acelerada a partir do século XIII, quando Londres virou capital do reino. A técnica contra incêndios era muito prosaica: eram usados baldes d`água e, quando não funcionavam, era providenciada a derrubada das construções contíguas para impedir o espraiamento do fogo. Só que a decisão de derrubar casas dependia de uma autorização do prefeito da cidade, que analisava empiricamente os ventos e a umidade do ar e das casas. Risco completo.
A indecisão para se fazerem as derrubadas era compreensível diante de seus custos, tanto de demolição quanto de reconstrução. No grande incêndio de 1666, houve demasiada hesitação e, quando as demolições foram autorizadas, grande parte da cidade já estava em chamas. Então os imóveis passaram a ser simplesmente explodidos, o que criou outros focos de fogo. Também não se sabia o número de vítimas dos sinistros pelo simples fato de que os não nobres não eram registrados. Do ponto de vista do estado, sumia gente que não existia. No grande Incêndio foram destruídas, pelo fogo e pela ação humana, 13.200 casas e uma área de 1,7 km²
Antes do incêndio, nos quase 15 anos em que esteve ativo, o Globe foi um estrondoso sucesso. No século XVI, as companhias de teatro apresentavam-se em locais improvisados, geralmente em bares ou na rua. Em 1576, James Burbage construiu o The Theater, primeira casa do gênero do país. Em 1581, Shakespeare juntou-se a Burbage escrevendo peças e trabalhando como ator. Apesar da casa sempre lotada, sobrevieram problemas financeiros e a casa acabou fechada. A curiosidade é que o Globe foi construído com a madeira do desmonte do The Theater. Do mesmo modo que o Theater, o Globe vivia com a casa cheia e as peças apresentadas eram normalmente de seu famoso sócio.
Então, no dia 29 de junho de 1613, o Globe incendiou durante uma performance de Henrique VIII. Um canhão de luz pegou fogo, inflamando as vigas de madeira. De acordo com os poucos documentos existentes, ninguém ficou ferido, exceto um homem que perdeu as calças, tendo sido apagadas com cerveja por seus amigos. Era o que estava à mão. As peças teatrais, naquela época, recebiam um povo ruidoso e festivo, que vibrava com as cenas, vaiava os vilões e assobiava, desejando ou não as seduções . Não havia estatuto que impedisse o uso do álcool.
O Globe foi reconstruído no ano seguinte, porém, como todos os outros teatros de Londres, foi fechado e destruído pelos puritanos em 1642, dando lugar a outro tipo de construção. Atualmente, Londres ostenta o Globe na margem do Tâmisa, na região de Southwark. Não é o ponto exato do ex-teatro de Shakespeare. Ele se localizava há uns 230m de onde está hoje. Não ficava exatamente na margem. A reconstrução é fiel e foi feita com base nos edifícios de 1599 e 1614. O atual Globe apresenta exclusivamente peças de Shakespeare. O Grupo Galpão, de Belo Horizonte, é a única companhia brasileira que se apresentou lá. Houve uma temporada de Romeu & Julieta que está documentada em DVD.
Há em Shakespeare paixão, ambição, amor, inveja, traição, tudo isso temperado por poesia e lirismo absolutamente originais. O Globe era e é um edifício de forma octogonal, com abertura no centro. De dentro do teatro, vê-se o céu. Não existia cortina e, por causa disso, os personagens mortos – muita gente morre nas sanguinárias peças de Shakespeare – tinham que ser retirados por auxiliares. Todos os papéis eram representados pelos homens – mulheres eram proibidas de entrar em cena – , sendo os mais jovens os encarregados de fazerem papéis femininos. No período Globe, é certo que o autor estreou Hamlet, Otelo, Rei Lear e Macbeth, talvez Romeu e Julieta e Júlio César. Foi o chamado “Período Trágico”.
Falar de Shakespeare é como falar de um ser mitológico, de um produtor de tragédias, comédias, dramas históricos e sonetos geniais. Sua obra, assim como a de pouquíssimos outros artistas, é quase indiscutível. Em Shakespeare, a Invenção do Humano, do crítico literário Harold Bloom, nota-se a dificuldade de falar de um autor tão completo. Para Bloom, Shakespeare não apenas era dono de um cérebro muito privilegiado, como também criou personagens igualmente inteligentíssimos, que seriam capazes de refletirem sobre si próprios, sobre a interação com os outros para, a partir daí, crescerem dentro das histórias, modificando suas maneiras de pensar e agir. Mas a agudeza mental dos personagens são muito bem temperadas, não existem personagens meramente frios ou chatos. Os personagens têm humor, sarcasmo, poder de sedução e são muito diferentes entre si.
Bloom destaca Hamlet e Rosalinda (de As You like it), mas talvez seja Falstaff o maior de todos. Falstaff é o soldado que não quer saber da guerra. Foi o personagem mais popular na época em que Shakespeare estava vivo. Ele aparece no drama histórico Henrique IV e na comédia As Alegres Comadres de Windsor. “Não quero glória. Deem-me vida”. Hamlet é alguém que não acredita em nada, principalmente em si mesmo, não obstante estar entregue a uma permanente reflexão. Ele tem sete monólogos absolutamente céticos na enorme peça. E Rosalinda é uma mulher apaixonada que corteja homens e é irônica em relação àquilo que mais deseja: o amor.
Mas é impossível estabelecer a grandeza de Shakespeare em uma pequena crônica, que na verdade, era sobre aquela curiosa construção que restou queimada há 400 anos.
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Bar do bardo, por Nelson Moraes
Pensando aqui em montar o Bar do Bardo, todo erguido em arquitetura elisabetana, e com o cardápio e a carta de drinks, obviamente, também temáticos: teremos, de entrada, a Júlio César’s Salad e, nas guarnições, o filé Ricardo III (que você tem que pedir gritando “Meu cavalo por um bife!”) e o Hamlete (carne de hambúrguer com omelete); pra beber, a Bloody Mary à Lady MacBeth (onde a bartender, depois de acrescentar o suco de tomate, lava as mãos dizendo teatralmente “Sangue, sangue!”) e uma cerveja majestática, a Rei Beer. Além disso teremos a sobremesa mais óbvia de todos os tempos, o Mikshakespeare, e um maître especialista em responder contextualmente a eventuais reclamações de clientes:
– Você chama ISSO de porção?
– Assim é, se lhe parece…
Teremos também som ao vivo aos sábados, só com heavy metal, onde não cobraremos couvert artístico: é o circuito “Muito Barulho por Nada”, que…