As Duas Águas do Mar, de Francisco José Viegas

As Duas Águas do Mar, de Francisco José Viegas

as-duas-aguas-do-mar

Na capa do livro está escrito policial, mas isto é muito enganador. As Duas Águas do Mar não pertence de claramente a nenhum gênero literário, não se trata de forma alguma de um exemplar típico de romance policial. Sim, OK, é um whodunit, porém, antes disso, é um romance prazeroso de ser lido, descansado e hedonista, com dois policiais meio confusos que procuram de forma pachorrenta ligar dois assassinatos ocorridos a longa distância. (Pretendemos ir até o final sem spoilers, certo?). Os homens da lei, Jaime Ramos e Filipe Castanheira, são gourmets sempre dispostos a discorrer de forma original e interessante não somente sobre os crimes, mas também sobre as delícias da mesa, da vida e sobre suas paixões. Os charutos, os vinhos, as receitas e o amor fazem parte da trama tanto quanto os assassinatos, diria até que há mais molho do que sangue no livro. A vida pessoal dos detetives ocupa mais páginas do que a dos envolvidos nos crimes que investigam. Por outro lado, As duas águas do mar é uma história muito bem contada de uma desilusão amorosa ligada à mortes. Aliás, também os detetives têm vida amorosa em descompasso: Jaime Ramos namora Rosa, que reside no andar de cima e que não parece compartilhar muito de seus prazeres. Para piorar, ela o manda dormir em casa, pois ele ronca. Filipe, tem — ou teve — Isabel.

Ou seja, temos um romance policial sem correrias, perseguições, onde quase não há tiros, somente o(s) necessário(s) cadáver(es), a gastronomia, as viagens e uma tremenda indefinição. Poética, a narrativa caminha lentamente pelas 382 páginas do volume da Record. Estranha, a trama usa elementos nada usuais para justificar as mortes de Rui Pedro Martim da Luz e de Rita Calado Gomes. Minucioso, o romance leva embutidas a cena inesquecível do jantar preparado por Filipe para Isabel e as descrições de Finisterra, localidade considerada erradamente por anos o ponto mais ocidental da Espanha e, antes de Colombo, o ponto extremo do mundo conhecido. E várias coisas encontram lá seu fim.

Vale a pena ler este romance de Francisco José Viegas.

Cabo Finisterra

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Uma fotografia amarelada que não vi

Sim, amarelada e ao fundo, atrás da mesa de trabalho do detetive Jaime Ramos, na sede da polícia da cidade do Porto, em Portugal, havia uma fotografia antiga. Qualquer torcedor do Porto reconheceria o sorriso do maior jogador de futebol nascido no Peru em todos os tempos e herói do clube português: Teófilo Cubillas. Enquanto leio Longe de Manaus, lembro da melhor escalação peruana: Rubiños; Campos, Fernández, Chumpitáz e Fuentes; Roberto Challe, “El Cabezón” Mifflin e Teófilo “Nene” Cubillas; Baylón (“Cholo” Sotil), Perico León e Gallardo.

Eu era uma criança e tal escalação era algo que ouvia como se fosse um poema. Não tinha muito contato com a língua espanhola e adorava a sonoridade de nomes como Chumpitáz, Roberto Challe, Mifflin, Hugo Sotil e do musical ataque de Baylón, Perico León e Gallardo. Porém, …

Falemos sério, o Peru não existe há décadas no mapa do futebol. Um grande time peruano nos parece mais inacreditável quanto um Uruguai candidato a algo grandioso, mas quando os anos 60 viravam em direção aos 70, a sonora seleção peruana era temida. Tinha grandes jogadores. Se Mifflin jogou no grande Santos de Pelé e Gallardo no Palmeiras campeão de 1967, houve dois supercraques que ganharam o mundo: Cubillas e “Cholo” Sotil. Sotil não interessa a esta crônica, mas mesmo assim vamos dar-lhe a chance de mostrar-se no Impedimento através de seu gol no espetacular Real Madrid 0 x 5 Barcelona na temporada de 73-74. O jogo ficou famosíssimo na época, o treinador da Barça era Rinus Michels, o maestro era Cruyff, o cruzamento é do próprio Johan e o narrador é catalão…

Teófilo Cubillas era uma espécie de sósia de Muhammad Ali e é lembrado por muitos como o maior jogador que já vestiu a “camisola” do FC Porto, do Alianza e da seleção peruana. Jogava na posição dos craques, fazendo a ligação entre o meio de campo e o ataque. Costumava driblar sempre para a frente e tinha um chute potentíssimo e certeiro. Fazia muitos gols. É o oitavo maior goleador em Copas do Mundo e, tendo jogado 905 partidas em sua carreira, marcou 526 gols, fazendo uma média de 0,58 gols por jogo (0,61 em seus tempos de Porto ou 72 gols em 118 jogos e ainda, pasmem, 0,77 gols por jogo em Copa do Mundo, o que o torna o maior goleador não-atacante das Copas). Não é, portanto, jogador para ser esquecido por torcida nenhuma.

Por isso é que o detetive Jaime Ramos, do excelente romance Longe de Manaus, de autoria do português Francisco José Viegas, tem uma foto amarelada dele em seu escritório, um antigo e insistente recorte de jornal mostrando os dentes brancos do sorriso de Teófilo Cubillas. Os fóruns de “adeptos” do FC Porto lastimam que não haja NENHUM GOL feito por Cubillas para o Porto no YouTube. E não há mesmo! Os que estão disponíveis com boa imagem são os seguintes.

Na Copa de 70 contra o Brasil:

A virada contra a Bulgária na Copa de 70 (Cubillas marca o 3 a 2):

Novamente contra o Brasil na Copa América de 1975, vencida pelo Peru:

Dois gols geniais no mesmo ângulo, contra a Escócia na Copa de 78:

O câncer no futebol peruano parece ter sido instalado naquele dia 21 de junho de 1978, quando a Argentina fez-lhes 6 x 0 num jogo pra lá de esquisito. Houve suborno? Estou certo que sim. O time peruano, de futebol vistoso e ofensivo, podia tomar 6 a 0 dos argentinos, mas nunca com aquela postura de Clemer cagado na Bombonera. Cubillas estava em campo. Ele e seus companheiros pareciam ter sido acometidos pela Síndrome de Bartleby: a bola vinha para o Peru e eles faziam como o personagem de Melville: I would prefer not to. O país ainda foi à Copa de 1982. Lá fez um fiasco e nunca mais. Tanto que hoje é o último colocado nas eliminatórias.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!