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Latuff e a morte de Fernandão
Latuff é o cara
Sim, é preconceito! Mas, por favor, não quero ouvir Snoop Dogg. Soube hoje que ele é um rapper de 32.148.597 curtidas no Facebook e que demonstrou bom gosto ao postar uma obra de arte do cartunista Carlos Latuff.
Vou contar um segredo para vocês, meus sete leitores. O Latuff gosta de discutir as charges que faz para o Sul21 em nossa Redação. Ele chega aqui, a gente ri, briga um pouco e a coisa sai. Ele até já me propôs que eu assinasse uma ou duas junto com ele, mas, na boa, fiquei com vergonha. Eu não desenho uma linha, só complico. Essa aí teve a participação de toda a Redação e a genialidade do Latuff, que traduz nossas ideias confusas em imagens. Vejam essa charge que agora corre o mundo junto com o Sul21. Maior orgulho. Ah, tenho vários esboços dele na minha gaveta. Mas não vendo nem dou. São meus. A charge:
Latuff: Pepe Mujica, Osmar Terra e as diferentes abordagens sobre a maconha
Carta aberta à polícia gaúcha: um alerta sobre Latuff
Sempre na perseguição implacável aos fatos e auxiliando a briosa polícia gaúcha, nosso blog — que é o único espelho confiável do mundo — descobriu tudo a respeito de Carlos Latuff, na verdade Anatoly Fiodorovitch Latuv, ex-agente soviético da KGB, dublê de cartunista e agitador antissemita que ora atua em nosso país. No dia de ontem, ele esteve presente em nossa redação do Sul21, ao mesmo tempo em que se encontrava em Londrina e no Rio de Janeiro. Sua ubiquidade não tem caráter divino, sendo antes produto de artes demoníacas praticadas desde a época em que o Eixo da Mal era administrado desde Moscou, URSS. Nesta quarta-feira, a versão de Latuff presente em nossa redação obteve parir mais um de seus clones, no caso um clone estagiário. Com pragmatismo chinês, objetividade albanesa, métodos do Baader-Meinhof e fome palestina, o Latuff aqui presente formou um novo estagiário, de nome Nícolas, o qual começará a distribuir cartuns de forma indiscriminada e alucinada — típicas do celerado — pelo estado (rimou!) do RS.
Engana-se quem pensa que estamos brincando com a verdade. Desta vez, apresentaremos provas da finalização do curso de Nicolas. Num quase transe, produto de severa lavagem cerebral, o estagiário de Latuff psicografou, na nossa frente e em segundos, um perfeito brigadiano ao estilo dos que faz seu mestre e senhor. A imagem não deixa dúvidas: é um Latuff original, mas notem a assinatura. Ela está escrita com a letra do meliante, porém esta atribui a autoria a outrem: Nicolas. Veja a imagem abaixo e pasme.
Alertamos as autoridades gaúchas e nacionais que a proliferação de Latuffs pode ser altamente perigosa para a segurança nacional. O baderneiro deve ser imediatamente detido. Bem faz o Pig em evitá-lo.
Santa Maria trinta dias depois
Oh, filhos, filhos! Como têm coragem de partir?
O Outro Filho, Luigi Pirandello
Um dos lugares comuns com os quais mais concordo é que é absolutamente contra a natureza os filhos morrerem antes dos pais. E que nenhum pai-mãe merece uma coisa dessas. É uma situação intolerável e sempre penso em Drummond, que não queria mais viver após a morte de sua filha Maria Julieta. Ele tinha 85 anos e não suportou: morreu rapidamente, apenas 12 dias depois. Cada pai tem medo do que possa acontecer com seu filho e tem noções muito claras do inferno que sua vida será sem um deles. É isto que está sendo vivido por aqueles que ficaram. Tenho dois filhos e me forço a pensar no assunto porque esta é uma perspectiva que me preocupa e da qual se fala muito pouco: a dos que ficam.
Dia desses, estava com um amigo que é dono de um estabelecimento que pode receber aproximadamente 100 pessoas. Ele me disse que tomou a iniciativa de chamar uma consultoria a fim avaliar o local, “porque depois de Santa Maria temos que ser sérios, não quero carimbo, gaveta, nem jeitinho, quero segurança”. E acho que a sociedade, ao menos aqui no RS, vai conseguir melhorar muito as casas noturnas. Acredito nisso, mas voltemos ao viés inicial.
Não, não conheço ninguém envolvido, mas fico com enorme pena dos pais. Hoje, agora, às 8h, Santa Maria vai parar por um minuto. No sábado passado, 600 pessoas compareceram a um encontro da recém formada Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM). A associação tem como principal objetivo a reintegração social dos pais e irá acompanhar as investigações do caso. Nada mais correto. Essas pessoas precisam de ajuda a fim de trazê-las de volta a uma vida que será tudo menos normal. Há relatos de que muitos estão reclusos, coisa que, conhecendo a mim mesmo, talvez fizesse. Foram 239 mortos, 100 feridos. O grupo de pais tem certamente todo tipo de pessoa, todo tipo de biografia, todo tipo de reação. Essas pessoas devem se conhecer, devem ouvir as histórias um do outro a fim de obter apoio entre seus iguais.
Pois, como escreveu Sábato em Sobre Heróis e Tumbas (cito de memória), nós deveríamos ser como as formigas que veem seu formigueiro pisoteado e começam imediatamente a reconstrução. Por mais que nos desesperemos, não deve haver outra saída. Só que o ser humano tem a noção do que é a morte e é impossível simplesmente agir como um formiga-autômato numa hora dessas. Haja terapia, porque o buraco que o pisão criou é uma verdadeira cratera.
A normalidade não existirá mais para essas pessoas. Um pai esquecer seu filho? Não, impossível. O que acontecerá será um lento e doloroso aprendizado para viver sem a presença dele-dela. Como lidar com as datas, com a saudade, com a madrugada, com o quarto vazio, com a ida ao supermercado sem comprar a guloseima preferida do filho, com os encontros com os amigos, com o computador? Nada do que aconteceu foi banal ou descartável, essas pessoas têm de ser respeitadas, ainda mais neste período em que a ficha está caindo e a dor da realidade está vindo em ondas cada vez mais altas. Será muito dura a rotina sem o filho. Tudo parecerá inútil.
E que a sociedade, as fiscalizações, as defensorias e as prefeituras trabalhem para que uma merda dessas não ocorra em outro lugar. É o mínimo que se pode fazer para honrar aquelas crianças que morreram. A única utilidade delas hoje. Porque o resto é tristeza.
They lived and laughed und loved end left
Nasceram serriram seamaram seforam
Finnegans Wake, James Joyce (trad. Caetano Galindo)
Genial Latuff
A "ditabranda" da Folha de São Paulo
Talvez por falta de assunto ou precisando de uma polêmica, o jornal Folha de São Paulo resolveu qualificar, em editorial, a ditadura brasileira de uma “ditabranda”, neologismo que seria de uso comum para qualificá-la. Eu vivo no Rio Grande do Sul, ouço notícias, converso com pessoas informadas e via de regra mais qualificadas do que eu, leio também alguns poucos jornais (são tão ruins), leio livros, blogs e confesso que o termo — além de mentiroso — me era desconhecido. Mas a Folha resolveu ampliar o erro ao colocar uma cereja consideravelmente podre sobre seu editorial. Ao ser veemente e educadamente questionada pelos professores Fabio Konder Comparato e Maria Victoria Benevides sobre a utilização do termo “ditabranda”, de uso tão corriqueiro entre nós, o jornal saiu distribuindo saraivadas a esmo, atribuindo simpatias aqui e ali e chamando os professores de cínicos e mentirosos. Um ataque e uma injustiça intoleráveis vindas de um jornal com milhares de assinantes e que, diga-se de passagem, de um jornal que saiu-se muito bem durante a “ditadura militar”, termo mais conhecido por mim.
Acho que a ditadura brasileira nunca antes havia sido qualificada como ditabranda, mas eu já vira a sigla da Folha, FSP, ser citada como Façamos Serra Presidente. Acho que nem o candidato concordaria com os ataques realizados por seu Comitê Eleitoral.
Por tudo isso, foi marcado para o dia 07/03, às 10h, um ato público bem na frente do Comitê Eleitoral de José Serra, na Alameda Barão de Limeira, 425, em São Paulo. É necessário? Sim, é; pois não podemos reduzir o incidente a um ataque à honra e à titulação de dois importantes professores, verdadeiros falos acadêmicos extra large. O que a Folha fez foi um ataque à memória do país e daqueles que sofreram nas mãos e sob a tortura e chumbo militares. Isso sem falar na censura, que parece não ter incomodado a indomável Folha de São Paulo. Então, quem estiver em São Paulo, procure agendar-se para o dia 7. O que a Folha fez foi transformar isto aqui…
… nisto aqui:
Obs.: Agradecimentos ao Latuff, ao Idelber Avelar que escreveu dois posts sobre o assunto (1 e 2) e aos numerosos blogs e fontes citadas por ele.
Atualização das 17h05: De forma mais ampla, Rachel Nunes também escreve hoje sobre o mesmo assunto. Neste post.
Atualização dos 15 minutos do dia 05/03: O Hipopótamo Zeno, o homem que jamais estará em posição digna de suborno…, fala com proximidade, inteligência, carinho e ironia a um importante jornalista que escreve para a Folha de São Paulo e que produziu uma monumental série de livros chamados A Ditadura Envergonhada, A Ditadura Escancarada, A Ditadura Derrotada e A Ditadura Encurralada. Nada de Ditabranda, ao menos nos títulos. Ler aqui.