A "ditabranda" da Folha de São Paulo

Talvez por falta de assunto ou precisando de uma polêmica, o jornal Folha de São Paulo resolveu qualificar, em editorial, a ditadura brasileira de uma “ditabranda”, neologismo que seria de uso comum para qualificá-la. Eu vivo no Rio Grande do Sul, ouço notícias, converso com pessoas informadas e via de regra mais qualificadas do que eu, leio também alguns poucos jornais (são tão ruins), leio livros, blogs e confesso que o termo — além de mentiroso — me era desconhecido. Mas a Folha resolveu ampliar o erro ao colocar uma cereja consideravelmente podre sobre seu editorial. Ao ser veemente e educadamente questionada pelos professores Fabio Konder Comparato e Maria Victoria Benevides sobre a utilização do termo “ditabranda”, de uso tão corriqueiro entre nós, o jornal saiu distribuindo saraivadas a esmo, atribuindo simpatias aqui e ali e chamando os professores de cínicos e mentirosos. Um ataque e uma injustiça intoleráveis vindas de um jornal com milhares de assinantes e que, diga-se de passagem, de um jornal que saiu-se muito bem durante a “ditadura militar”, termo mais conhecido por mim.

Acho que a ditadura brasileira nunca antes havia sido qualificada como ditabranda, mas eu já vira a sigla da Folha, FSP, ser citada como Façamos Serra Presidente. Acho que nem o candidato concordaria com os ataques realizados por seu Comitê Eleitoral.

Por tudo isso, foi marcado para o dia 07/03, às 10h, um ato público bem na frente do Comitê Eleitoral de José Serra, na Alameda Barão de Limeira, 425, em São Paulo. É necessário? Sim, é; pois não podemos reduzir o incidente a um ataque à honra e à titulação de dois importantes professores, verdadeiros falos acadêmicos extra large. O que a Folha fez foi um ataque à memória do país e daqueles que sofreram nas mãos e sob a tortura e chumbo militares. Isso sem falar na censura, que parece não ter incomodado a indomável Folha de São Paulo. Então, quem estiver em São Paulo, procure agendar-se para o dia 7. O que a Folha fez foi transformar isto aqui…

… nisto aqui:

Obs.: Agradecimentos ao Latuff, ao Idelber Avelar que escreveu dois posts sobre o assunto (1 e 2) e aos numerosos blogs e fontes citadas por ele.

Atualização das 17h05: De forma mais ampla, Rachel Nunes também escreve hoje sobre o mesmo assunto. Neste post.

Atualização dos 15 minutos do dia 05/03: O Hipopótamo Zeno, o homem que jamais estará em posição digna de suborno…, fala com proximidade, inteligência, carinho e ironia a um importante jornalista que escreve para a Folha de São Paulo e que produziu uma monumental série de livros chamados A Ditadura Envergonhada, A Ditadura Escancarada, A Ditadura Derrotada e A Ditadura Encurralada. Nada de Ditabranda, ao menos nos títulos. Ler aqui.

25 comments / Add your comment below

  1. Quando cliquei para ler os comentários, apareceu escrito “No comments yet”. Acho que, no caso deste texto, deveria ser “No comments at all”…

  2. Por uma coincidência até previsível, o assunto foi comentado no blog da minha esposa (esse mesmo aí, em http://rf-nunes.zip.net/). Só ratifico seus termos, os meus, os nossos, e a montagem/desenho sobre a foto do Herzog. Seria cômico se não fosse trágico. Ontem mesmo, um direitopata aludiu que o povão apóia majoritariamente o Exército, coisa de 84%, acho. Aí o povo é gente, não é burro, pois quando o mesmo povo apóia Lula, aí, bem, ê povinho bunda esse etc.. Esse gosto “popular” por “soluções” militares deriva doutros problemas. Soluções de força. As pessoas simplesmente acreditam que violência é a arma para combater a violência. Pessoas acreditam em heróis, no self made man que vai lá e “resolve”. Problema de formação: não compreendem o que é o Estado, sua aplicação, o funcionamento de suas instituições, o sujeito, sua condição e papel de cidadão. É cada um por si e deus contra todos. Daí, por que não acreditar no Exército? Ou no capitão Nascimento? Ou no Lula? Ou no Getúlio? No Brizola? Não distinguem os papéis políticos e sociais. Para quem acredita no Exército, não é difícil acreditar no Lula. Por isso estão assim, ó, coladinhos nas pesquisas de aprovação… E é isso que eu acho engraçado: quando o resultado de uma pesquisa favorece o argumento reacionário, beleza. Quando é o contrário, o povo é burro. Talvez seja: mas é burro ao aprovar Lula + o Exército, não?

    1. Burro não é. Só desconhece certas coisas como tu bem disseste:

      “Problema de formação: não compreendem o que é o Estado, sua aplicação, o funcionamento de suas instituições”

      Problema de formação. Não burrice.

      1. Caro Prestes,

        Não, não acho que o povo é burro. Só respondi aqueles que o acham burro quando cultua heróis “de esquerda” (ou quase isso, pois, no Brasil…), e “inteligente”, quando cultiva valores de direita (ou pior que isso, pois, no Brasil…).

    2. Acho que o Prestes, que tem um belo blog, disse tudo.

      Mas, como vcs sabem e a Rachel Nunes — mulher do Marcos — escreveu em seu post, o meu assunto é sobre um “Ataque do Presente sobre o Restante do Tempo” (nome de um filme de Alexander Kluge).

      OK, isto é informação. E também formação.

      Abraços.

  3. essa mania do jornaleco dos Frias de ser engraçadinho com trocadalhos do carilho só poderia dar nisso. ‘ditabranda’ já é forte candidato a factóide do ano.
    peraí que vou pegar carona com o caminhão de jornais deles até o Doi-Codi e já volto(espero)…

  4. gostaria de expressar meu espanto diante da “brincadeira visual” com a foto de vladimir herzog enforcado. creio que o autor expressou mal sua postura crítica diante de um órgão de imprensa. do mesmo modo que a Folha não deveria ter brincado com a palavra ditadura, o autor da montagem não deveria ter brincado com a fotografia – que aliás foi divulgada e usada, se bem me lembro, pra mostrar que herzog “havia cometido suicídio”.

    compreendo a intenção do autor mas, como dizem, de boas intenções as ditabrandas estão cheias. um equívoco, em minha opinião de leitor.

    quanto à Folha… bem, não cairia mal um belo editorial com auto-crítica e um pedido público de desculpas e aos cidadãos em geral, etc etc etc.

    1. Discordo totalmente. A boa arte raramente envolve bons sentimentos. E detesto o dogma do politicamente correto.

      Além do mais, até as pedras da rua sabem que Latuff não desejava ofender a memória de Herzog.

    2. Discordo e concordo contigo, Sizenando.

      Discordo por que o autor expressou muito bem sua postura crítica.

      Mas concordo que é pesado brincar com esta fotografia. Não sei como me sentiria enquanto familiar ou amigo de Herzog.

      1. Prestes, eu achei a imagem de severa seriedade, ainda acrescida ainda da respeitosa inscrição “Em memória de Vladimir Herzog”. Não creio que Clarice Herzog se ofendesse.

  5. O Sr.Milton Ribeiro, não está sendo profissional e nem Brasileiro quando diz que a Ditadura militar foi uma ” DITABRANDA ” Será que ele sabe do que esta dizendo?

  6. A polêmica das pesquisas pode ser esclarecida agora. Na minha rua tem um bêbado que é altamente popular, todos bricam com ele. Mas ninguém deixa seu filho a seus cuidados nem dá dinheiro para ele guardar. O presidente tem, agora caiu muito, popularidade e as Forças Armadas tem mais de 80% de confiabiliade da população. Por isto não se pode comparar dis parâmetros diferentes.

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