No dia 28 de dezembro de 1895, dentro da primeira sala de cinema – que ainda existe –, chamada Eden, foi exibido o primeiro filme de todos os tempos, Arrivée d’un train em gare à La Ciotat (Chegada de um trem à estação da Ciotat). Em pouco menos de 60 segundos, a primeira plateia acompanhou a chegada de um trem à estação e viu alguns passageiros desembarcarem. Eles tinham tanta noção do que estava ocorrendo que várias pessoas simplesmente fugiram desesperadas para o fundo da sala com medo de serem atropeladas. Mais: as pessoas que foram filmadas não perderam tempo acenando para a câmera e nem desviaram o rosto a fim de manterem a privacidade. Ninguém sabia o que era aquilo e a imortal cena é perfeitamente natural. Em menos de sessenta segundos estava vista e encaminhada a revolução que criaria a sétima arte.
A primeira sala de cinema do mundo ainda funciona e alguns dos primeiros cinematógrafos podem ser vistos no Instituto Lumière, localizado na cidade francesa de Lyon.
Louis e Auguste eram filhos e empregados do fotógrafo e fabricante de películas Antoine Lumière, dono da Fábrica Lumière (Usine Lumière), na cidade francesa de Lyon. Antoine aposentou-se em 1892, deixando a fábrica entregue aos filhos. Seu cinematógrafo era uma máquina de filmar e projetor de cinema, invento que lhes foi sido atribuído mas que na verdade foi inventado por Léon Bouly, em 1892. Só que este perdeu a patente, de novo registrada pelos irmãos Lumière a 13 de Fevereiro de 1895. Deste modo, se a dupla de irmãos não foi a inventora de fato, foi de direito.
Como inventores do cinema, os irmãos Lumière juntam-se a Georges Méliès, que é considerado o pai do cinema de ficção e dos efeitos especiais. O perfil artístico de Méliès não encontrava correspondência em Louis e Auguste Lumière, que eram engenheiros que passaram a se dedicar à atividade cinematográfica produzindo pequenos documentários destinados à promoção e vendas do cinematógrafo. Pensavam que se tratava de uma ferramenta científica sem muito futuro comercial. Tinham uma vida pacata, casaram-se com duas irmãs e moravam todos na mesma mansão. Depois, antes e durante a 2ª Guerra Mundial, admiraram e apoiaram Benito Mussolini e o Marechal Pétain.
A palavra cinematógrafo vem do grego κίνημα – kinema (movimento) e γράφειν (descrição). Ele é uma evolução do cinetógrafo de 1888, obra do maior inventor de todos os tempos, Thomas Edison, que a considerou uma curiosidade e uma grande perda de tempo. Capaz de filmar e projetar películas, o aparelho dos Lumière foi tecnicamente superior a seus antecessores. Porém, os primeiro diretores de cinema não eram lá muito exigentes e experimentaram o novo aparelho filmando o que tinham por perto. La sortie des usines Lumière (A saída das indústrias Lumière) foi, assim, sua primeira obra. É, aliás, possível visitar o lugar exato em que ela foi filmada, um lugar ainda dedicado ao cinema: a Cinemateca de Lyon.
Uma dúzia de filmes foram produzidos em seguida pela dupla, dentre os quais L’arroseur arrosé (O regador regado), breve cena em que um rapaz se diverte às custas de um jardineiro, e o famoso e já citado L’arrivée d’un train en gare de La Ciotat (A chegada de um trem à estação de La Ciotat), que apavorou os espectadores, levando-os a crer que uma locomotiva de verdade se aproximasse deles.
Desta forma, desde o primeiro dia, o cinema documenta, distrai e assusta. Quando os irmãos Lumière enviaram operadores para os outros lugares do mundo, pedindo-lhes que lhes mandassem imagens, constataram que o cinema também poderia informar.
Assim como as palavras foram armazenadas em palimpsestos, depois em papel e livros, as imagens começaram pelas câmeras fotográficas. A primeira fotografia foi também tirada por um francês, Nicéphore Niépce, em 1826. O cinematógrafo nada mais é do que uma câmera fotográfica com a capacidade de gravar várias imagens em sequência sobre uma película, as quais, vistas no cinematógrafo, dão ideia de movimento.
Na verdade, a primeira projeção pública do invento, aquela de 28 de dezembro de 1895 no cinema Eden, ainda hoje situado em La Ciotat, no sudeste da França, foi bem simples, limitando-se ao filme que mostramos acima. A verdadeira divulgação do cinematógrafo, com publicidade e – vejam bem – já com entradas pagas, teve lugar em Paris, no Grand Café, situado no Boulevard des Capucines. O programa incluía dez filmes. A sessão foi inaugurada com a apresentação de La Sortie de l’usine Lumière à Lyon (A Saída da Fábrica Lumière em Lyon). No início da sessão, os irmãos Lumière explicaram o funcionamento do cinematógrafo. Depois o mostraram. As imagens em movimento tiveram uma enorme repercussão: L’Arrivée d’un train en gare de la Ciotat (Chegada de um Comboio à Estação da Ciotat), Le Déjeuner de Bébé (O Almoço do Bebé) e outros foram apresentados, incluindo os primeiros esboços cômicos, como o já citado L’Arroseur arrosé (O “Regador” Regado).
Ali começava o cinema, meio de expressão de alta influência em nossa cultura ao combinar várias artes mais antigas: o teatro, a encenação, a música, a fotografia e a literatura. Além disso, ele gerou as figuras de diretores, roteiristas, produtores e outras várias profissões técnicas. É todo um mundo que pode resultar em estilos artísticos muito diferentes, mas sempre muito representativos. Além disso, é um fenômeno econômico, fonte de entretenimento popular. As imagens animadas conferem aos filmes seu poder de comunicação universal. As dublagens ou as legendas, fizeram com que se tornasse mundialmente popular.
O uso da película dos Lumière na produção de filmes encontra-se em queda. Há aproximadamente dez anos, o cinema digital está em franco crescimento, tanto na tomada de imagens como na projeção. O digital permite, além disso, que os filmes circulem fora dos circuitos tradicionais de distribuição. Mas achamos que seus rebentos sempre serão chamados de cinema, como os dos irmãos Lumière.
(*) Com o auxílio do site france.fr, do blog O Cinematógrafo e do YouTube, é claro.