Muito bom livro. Lírico, cheio de ritmo e sensualidade, este romance argentino, muito bem traduzido por Sérgio Karam, constrói um cenário desolador em uma pequena vila do interior do país. Sob o olhar autoritário da mãe, a filha e narradora vive em uma casa sufocante. O pai nunca esteve verdadeiramente presente, o irmão vive com os porcos — parece ter problemas mentais. A mãe administra o destino da família com mão de ferro e crueldade. Ela não espera nada dos filhos, afastando-os por não corresponderem às suas expectativas. Além deste ambiente opressivo, há uma infestação de moscas, uma greve de coveiros e o calor sufocante e insalubre. Sim, parece que a nova e excelente literatura argentina não usa meias palavras. Ou usa? Usa sim. Pois há muita poesia e beleza na prosa de De Luca. Seu expressionismo não detalha muitas coisas e nem desenvolve grandemente personagens, antes torna a narrativa uma fonte de possíveis metáforas. A filha é uma mulher gigante — sofre de acromegalia. –, o que dá mais um passo em direção ao expressionismo.
O amor é um monstro de Deus é um romance curto e de grande impacto. O texto de De Luca nos lembra outras vozes femininas intensas, também vindas da Argentina, como a de Mariana Enríquez. Os personagens, todos mais ou menos anômalos, compõem um cenário e tanto que é amplificado por uma prosa poética e perturbadora, dando enorme substância ao que é contado. Tal como nos livros de Mariana Enríquez, ficamos hipnotizados.
Quando dois missionários mórmons chegam à cidade com suas pequenas Bíblias e lábia, a novela toma ares — ao menos para mim — um pouco cômicos. Tudo explode com a súbita demonstração de sexualidade da moça gigante, fato que não devo detalhar por causa dos inevitáveis spoilers.
Como disse, o livro serve à diversas metáforas e interpretações. A protagonista é vista como um “monstro” e isso serve para ser posta à margem por suas características físicas. A chegada dos missionários abre questões sobre espiritualidade, amor e violência. Mas, querem saber?, acho tudo isso meio bobo. Li o livro pela história e pelo texto grudento de De Luca.
Recomendo para quem busca literatura que provoca e desconcerta.

