É incrível como minha vida é regulada pelos livros. Uma série de livros mais ou menos insatisfatórios me deixaram triste. Então peguei o quarto volume da autobiografia do Knausgård e tudo melhorou. Textos bem escritos salvam, apesar de que este foi o livro mais fraco dos quatro que li da série Minha Luta.
A Noruega é um país muito diferente do Brasil, claro. Lá, um estudante de boas notas, que termina o curso secundário, pode tentar uma vaga para dar aulas para crianças em regiões remotas do país, ganhando um bom salário. Foi o que fez Knausgård. Aos 18 anos e já interessado em tornar-se escritor, ele foi mandado por um ano para Håfjord, no norte do país, onde o inverno é uma noite contínua e o verão é puro dia. Numa comunidade de pescadores com 250 habitantes e na cidade vizinha não muito maior, ele deu aulas, tomou frequentes bebedeiras, escreveu, cuidou para não manter relações sexuais com alunas — afinal, elas tinham apenas dois ou três anos a menos do que ele e eram uma grande atração –, escreveu, entrou em conflito com superiores, escreveu, tentou perder a virgindade inúmeras vezes com outras mulheres — sempre tendo que enfrentar uma vergonhosa ejaculação precoce –, escreveu, viveu e escreveu. O plano era o de ganhar dinheiro suficiente para passar o ano seguinte viajando e ter tempo livre para se dedicar à escrita em um local calmo. O plano deu certo.
Neste quarto volume, a narrativa permanece leve, franca, rápida e envolvente. Na verdade, Knausgård me faz sempre grudar no livro. Ele não se preocupa muito com a cronologia e, lá pela página 200, retorna dois anos em sua vida e permanece ali até a página 400, quando volta a Håfjord. O livro tem 495 páginas.
A história dos romances é a da vida do autor. Uma vida comum, mas narrada com tal maestria proustiana que torna-se espelho de nossa própria existência, com suas temporadas boas ou escuras. As quase quinhentas páginas são lidas como se fossem 100. Queremos saber mais de Karl Ove, porque a identificação com os seus medos, decisões erradas e contradições revelam um caráter humano. Ele parece nos mostrar o tamanho da vida, nem enorme nem desconsiderável, nem simples nem inviável.
A ideia da escuridão perpassa todo o volume — nas entrelinhas e literalmente. É uma metáfora de um momento da vida em que tudo parece decisivo, até pela imaturidade para se lidar com os problemas. E há sempre o pai, o pai. Knausgård sempre volta àquela figura violenta e opressiva que assombra sua vida. Neste volume, há a separação dos pais e primeiros sinais da devastação que a bebida faria, tão bem contada no primeiro volume, A Morte do Pai.
Minha Luta é um imenso painel — já li 2000 páginas nos 4 primeiros volumes — que mostra um homem buscando crescer e se desenvolver, livrando-se de culpas, vergonhas e da autoridade do pai, mas também é uma história sobre como a vida pode ser boa. É muito complicado não se identificar… Minha infância não teve nada em comum com a dele. Mas como temos sentimentos em comum! Quantas vezes ele fala de mim, mesmo vivendo uma realidade muito diferente!
Recomendo.