Eu sempre me aproximo com receio de obras escritas por acadêmicos. Nelas, às vezes tudo fica muito esquisito, com os rodapés crescendo quase tão altos quanto a parede. Por isso, foi uma surpresa abrir a obra do historiador Éder Silveira e ver-me logo envolvido por temas culturais fundamentais do Brasil, acompanhados de elegância, boa prosa e comentários consistentes. Antes de descerrar esta cortina de elogios, aviso que sim, há os malditos rodapés, mas o autor esforçou-se para integrá-los ao texto. Deste modo e erguendo o nariz para alguns deles, a leitura ioiô ficou reduzida.
Oswald ponta de lança e outros ensaios trata de temas culturais e políticos da primeira metade do século XX, com foco na Semana de Arte Moderna de 22 e suas margens. São textos cheios de informação — e algumas fofocas — sobre figuras como Monteiro Lobato, Anita Malfatti, Mário de Andrade, Di Cavalcanti e Oswald. Para mim, o verdadeiro interesse do livro está no fato de que o autor cuida mais da algaravia geral. Isto é, cuida menos de suas individualidades e mais de suas obras e dos diálogos entre eles e a política da época, vertidas principalmente em artigos publicados em jornais. No início do século passado, não havia tanto compadrio entre os autores brasileiros e muitas vezes uns criticavam aos outros. Também mudavam de opinião, o que é saudável. Ou seja, o ambiente intelectual não estava boiolizado como o que vemos hoje.
(Bem, antes que a patrulha da correção me alcance com seus dedos pegajosos, informo que boiola tem também o significado de indivíduo fraco ou medroso, tá? OK? Certo? Então tá, podem abraçar seus dicionários e dormir tranquilos).
E, além de não haver tanto compadrio, era uma época agitada, com o vanguardismo tentando abrir a golpes de facão as brumas parnasianas e naturalistas. O painel que os textos do livro toca é amplo — vai desde o higienização de Lobato até as lutas de Oswald contra o “desprezo pela inteligência” na direção do PCB, das tendências nacionalistas e conservadoras do modernismo brasileiro até o humor praticado pelo movimento, do encantamento e à frustração dos dois Andrades e, é claro, de muitos e muitos projetos irrealizados.
A pergunta de fundo não é nada fácil: o que é o Brasil, qual é sua identidade? É claro que a resposta não está no livro, mas a discussão é bonita.
Livro fundamental para quem se interessa por cultura no Brasil.
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Obs. final: o que me deixa encafifado é o fato de tão bom autor ser gremista, incidência que ele não declina em seu livro. Por anos, o mítico Impedimento andou procurando bons cronistas gremistas. Os resultados foram claros: eles não sabem escrever direito. Os raríssimos bons ou eram deprimidos ou não se mostravam suficientemente disciplinados para a tarefa. O único azul que escreve bem — além de dançar tango — em Porto Alegre é Sergio Faraco. Ele torce para o Cruzeiro, sim, o cruzeirinho de Erico Verissimo e Moacyr Scliar. O outro é Peninha.