Destaco dois bons filmes que recém entraram na minha lista de filmes vistos.
O documentário Loki – Arnaldo Baptista, de Paulo Henrique Fontenelle, me interessou tanto por suas antológicas imagens e filmes dos Mutantes, quanto pelo que tem de humano. Os Mutantes eram um trio acompanhado de baixo e bateria. Rita Lee cantava e fazia gracinhas — era fundamental ao grupo e a seu líder –, Sérgio Dias era um tremendo guitarrista e Arnaldo, irmão de Sérgio, era o líder musical e principal compositor. A sinceridade dos entrevistados e a tentativa de Arnaldo “organizar-se” para o filme são comoventes, com destaque para a franqueza de Roberto Menescal, que diz, com todas as letras, que concordou em produzir Loki — o grande álbum solo de Arnaldo Baptista — por achar que estava participando de um momento histórico, ou seja, que colocaria seu nome na gravação do disco do drogado maluco do maior grupo de rock brasileiro.
Senti falta de algumas explicações no documentário, mas logo após recuei, pensando que o período LSD de Arnaldo deve ter sido tão insuportável para quem estava próximo que é natural seus silêncios. Rita Lee, sua demissionária mulher na época, não é entrevistada e Sérgio Dias passa ao largo de explicar as décadas (mesmo!) que passou sem ver seu irmão. Bem, se os deprimidos já são pessoas chatas para os não-deprimidos, o que dizer de um drogado que viaja à Florença a fim de avisar a um amigo que o estava nomeando para comandante de sua nave espacial… (sério!). Imagino o grau de loucura e, quem sabe, de violência que não terá ocorrido na separação de Arnaldo e Rita.
Cê tá pensando que eu sou loki, bicho?
Sou malandro velho
Não tenho nada com isso
A gente andou
A gente queimou
Muita coisa por aí
Arnaldo é um sobrevivente de bela biografia: atirou-se do quarto andar de uma clínica, passou um bom tempo em coma, foi abandonado pela família no hospital e salvo por uma fã que o visitava diariamente e que á casada com ele até hoje. Baita história, deu um baita filme.
(Absolutamente imperdível é a apresentação dos Mutantes com Gilberto Gil no Festival da Record, com arranjo do maestro Rogério Duprat, cantando “Domingo no Parque”. O mesmo vale para Os Mutantes interpretando Panis e Circensis na TV.)
-=-=-=-=-=-=-
Em minha opinião, Stella é bastante superior a Entre os Muros da Escola a começar pelo fato de que me interessa muito mais o ontológico do que o sociológico. Entre os Muros pode ser contado em poucas palavras; Stella, nunca. O filme narra a história de uma menina cujos pais moram com ela num bar. Eles têm um apartamento no andar de cima e o bar fica embaixo. É um bar de bêbados… Muita música e baruho. Seus pais trabalham demais, brigam demais, bebem sem parar e fumam como chaminés. Um dia, a menina recebe uma bolsa para entrar num famoso colégio de Paris e ali começa a observar a existência de seus colegas. Primeiro, rejeita a escola; depois, faz amizade com uma judia argentina perfeitamente adaptada ao ambiente escolar (e é a melhor aluna da turma) e a amizade cresce. O confronto entre os dois mundos — um organizado, burguês e culto; outro caótico e violento, onde está onipresente certa pressão à pedofilia — é explorado até o fim pela diretora Sylvie Verheyde, que, sem ter de apelar para longos discursos, consegue sugerir nuances a partir de interpretações pré-adolescentes.
É um filme delicado e pesado, que não dramatiza excessivamente os problemas, mas também não os evita. E, junto com O Casamento de Raquel, forma a dupla de melhores filmes que vi no primeiro semestre de 2009.