Esquina maldita, de Paulo César Teixeira

Delicioso relato sobre uma das mais frutíferas esquinas de Porto Alegre. No encontro entre as avenidas Osvaldo Aranha e Sarmento Leite, havia quatro bares que eram frequentados por universitários e intelectuais durante as décadas de 60 e 70. Dentre eles, havia um jovem homônimo que por ali esteve em incontáveis noites entre os anos de 1975 e 1982, sempre fiel ao Alaska e a seu garçom Isake, todos abençoados pelo seu Alfredo, que comandava tudo lá do fundo. Esquina Maldita (Libretos, 2012, 215 páginas) analisa cada um dos bares, suas histórias, características e personagens. Considerando o que é hoje a vida cultural de Porto Alegre, pode-se dizer sem exageros que quase todo mundo que hoje tem entre 50 e 70 anos formou-se na Esquina, mais exatamente no Alaska. Como escreve o autor Paulo César Teixeira, havia dois grandes grupos naqueles bares: o dos que pretendiam transformar o mundo e o dos que propunham revolucionar a própria vida. Diria que havia um terceiro, o dos agentes da ditadura, que nos visitavam, revisitavam e revistavam-nos com enorme frequência. Foi uma época da qual não me arrependo.

Minha memória conta que eu ficava entre os dois grupos descritos pelo Paulo. Estava encantado pela recém descoberta liberdade sexual e mobilizado pela necessidade de mudar o país. Muitos de meus parceiros de mesa foram para a luta armada; outros não. O jornalista Carlos Leonam inventou um termo genial para caracterizar “o meu tipinho”: eu fazia parte da esquerda festiva — estudantes, artistas e intelectuais que davam palpites sobre tudo e brigavam com aqueles que tomavam parte em ações contra o regime militar, defendendo outros gêneros de mobilizações. Hoje, ânimo serenado, admito que preferia derrubar o governo em bares e festas, às vezes aos cochichos para que os possíveis ratos não ouvissem, às vezes em brindes ruidosos. Depois, com os anos, as mulheres começaram a aparecer por lá e a expressão de Leonam deveria ser de alguma forma ampliada.

Sim, tergiverso. Afinal, estou aqui é para dizer que Esquina Maldita é uma belíssima crônica de uma época que mudou a cara de Porto Alegre. Talvez isso sirva como espantalho para meus sete leitores, mas confessarei: fui entrevistado durante a pesquisa de Paulo César e estou lá em três trechos.

(Acho que aprendi a falar sobre literatura dentro do Alaska. Saía de lá quase todas as noites discutindo alguma coisa pela Osvaldo Aranha. Lembro de observar, bêbado, as palmeiras ao vento, iluminadas. Lembro de muito mais. Inclusive de discutir Faulkner com uma menina loira nos anos 70. Eu era razoavelmente efetivo porém tímido — ou enrolado. Quando chegamos à aquele ponto onde a Osvaldo Aranha entorta, próximo da Garibaldi, ela me disse para eu parar de falar de Luz em Agosto e de O Som e a Fúria. Em seguida, perguntou quando nós iríamos para “as vias de fato”. Assim era a Esquina Maldita).

Ontem foi a noite de autógrafos do livro — estive lá. Hoje, há o complemento necessário: um pós-lançamento no Bar do Marinho (Sarmento Leite, 964). O evento está recebendo o nome de Confraternização e Homenagem ao Isake, o genial e memorioso garçom do Alaska.

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