Dois excelentes CDs vindos do passado

Dois excelentes CDs vindos do passado

Minha mãe costumava dizer que não se interessava por “música perecível”. Admirava-se quando alguém ia correndo comprar um disco novo, pois a coisa mais natural, segundo ela, seria esperar uns dez ou quinze anos para avaliar o que sobrara do trabalho do músico.

Fui à Cultura com um objetivo preciso: o de comprar o CD de Mônica Salmaso com os afro-sambas de Baden e Vinícius e o disco de 1973, agora CD, de Edu Lôbo. Sobre o primeiro, tinha recebido por parte de um amigo uma intimação peremptória: “Ouve!”; sobre o segundo, a intimação era interna. São dois trabalhos espantosos e antigos; se o disco de Edu tem 41 anos, o dos afros completarão 19 anos neste 2014. O CD de Mônica está fora de catálogo, o de Edu foi encontrado facilmente.

Mônica Salmaso apresenta os afros-sambas de Baden Powell e Vinícius de Moraes ao lado do violonista Paulo Bellinati. Ou será que é Bellinati quem convida Mônica para cantá-los a seu lado? Provavelmente a última suposição é a correta; afinal, seu nome aparece com maior destaque no CD e ele é o produtor. Mas a ordem tanto faz. Mônica Salmaso é uma cantora imensa. De voz meio entubada, é uma mezzo de musicalidade, emoção e elegância mais encontráveis no jazz norte-americano. A facilidade que parece ter para cantar e seu colorido são um deleite que, na primeira audição, obrigou-me a deitar no sofá da sala para ficar ouvindo apenas. O violonista Bellinati possui aquele tipo raro de virtuosismo que está inteiramente voltado para a música. Os arranjos são seus.

O CD é rigoroso. Trata-se do clássico recital voz e violão de princípio a fim. Apesar do termo “afro-samba” nos sugerir imediatamente percussão, não há outros músicos no projeto – e eles são mesmo desnecessários. Os sambas mais líricos têm arranjos lindíssimos e os mais agitados têm o freio de mão um tanto puxado, provavelmente em nome da unidade do trabalho. Este CD deveria ser um best-seller divulgado pela grande imprensa, mas aparece mais pela propaganda que as pessoas fazem. Aqui no sul, Arthur de Faria o divulga insistentemente, assim como a todos os trabalhos de Mônica. Das 11 músicas, só teria restrições a “Canto de Xangô” que gostaria que estivesse mais próxima da gravação que meu pai ouvia em casa… Mas desconsiderem, por favor! Se você ainda não ouviu este CD, se não tem nada contra aquela música popular (ou seria impopular?) que é para ser ouvida pelos ouvidos e não pelas pernas, não sabe o que está perdendo.

Conheci Edu Lôbo quando era criança. Minha irmã era uma adolescente apaixonada por sua música e pelo próprio Edu que, com sua cara de bom menino, provocava efeitos em seu precário equilíbrio hormonal. Enquanto todas as moças culturalizadas suspiravam por Chico Buarque, ela o descartava em favor do “muito mais charmoso” Edu, um carioca do Rio de Janeiro, filho do também compositor Fernando Lôbo. Se Chico não fazia com que o sangue de minha irmã errasse de veia e se perdesse, ela ia para não voltar com Edu, nem que fosse só prá dizer adeus. O mesmo já lhe acontecera quando do episódio Beatles. Suas colegas colecionavam posters de Paul McCartney e John Lennon, mas o amor de minha querida irmã ia para o tímido George Harrison. Talvez por isto ela tivesse tão poucos posters.

Já eu o via como o principal adversário de Chico Buarque nos festivais da Record, o que não era pouca coisa. Depois disto, com uma pequena ajuda da ditadura militar, este pessoal foi levado para o exílio. Chico ficou entre a Itália e a França, Gil e Caetano foram para a swinging London e Edu foi estudar música nos Estados Unidos. Ao retornar, gravou este Edu Lôbo (1973), também conhecido como Missa Brevis.

Naquela altura, eu tinha 16 anos e ficava muito contrariado com as gravações que tínhamos no Brasil. Toda a atenção era dada aos cantores, os músicos só podiam tocar a introdução e acompanhar a estrela. Os arranjos eram previsíveis e a desafinação era tolerada. (Será que nossa música de consumo mudou muito?) Ouçam os primeiros discos do Chico para conferir o fato. Já este Edu Lôbo era totalmente diverso. Os arranjos eram sensacionais e, de forma muito peculiar, a grande música de Edu estava perturbada por Bartók e Stravinski.

É difícil destacar as melhores faixas deste trabalho. Minhas preferências são Gloria – que faz parte da Missa Breve -, Vento Bravo, Viola Fora de Moda e Zanga, zangada.

Creio ter ouvido este disco diariamente por meses em 73 até o dia em que minha proverbial generosidade resolveu emprestá-lo a um “amigo” que está com ele há mais de 30 anos… Recuperei-o só agora.

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