Transiberiana é um bom livro, mas deve ser encarado como a visão parcial de um brasileiro sobre o que ele pensava haver de ainda soviético na Rússia de 2015. Sou casado com uma bielorrussa muito inteligente, ligada e nada ufanista de seu país. Ou seja, sou casado com uma soviética. Pois bem, ela conseguiu discordar — para melhor ou pior — de quase tudo o que ele escreveu sobre o país. E ela saiu de lá fugindo da pobreza para se estabelecer com seu violino primeiramente na Amazonas Filarmônica, em Manaus, em 1999. Sabe bem o que é soviético e o que não é.
Porém, para mim, foi interessante ler o livro de um viajante brasileiro sobre aquelas paragens exóticas. Deu para aprender bastante sobre as sensações e atrações da viagem pela terceira mais longa ferrovia do mundo — as duas maiores também se utilizam de parte da Transiberiana. E também sobre as relações humanas naquela região do mundo. Sim, invejei o viajante e comi o livro rapidamente, com o maior interesse.
Mas preferia que ele tivesse ficado mais nas diferenças, na paisagem, nos acontecimentos da viagem e nos exotismos do que na parte política. As observações de Asnis sobre a política das regiões visitadas são bem simplistas e, nestes tempos de trevas bolsonaristas, tecer comparações — muitas vezes igualando nazismo e comunismo — é pecado capital.
Pois se é claro que Stálin era um psicopata que tornou a URSS uma ditadura sanguinária, há diferenças muito importantes entre nazismo e stalinismo.
Parêntese: lembro da patética Ana Maria Braga entrevistando Petkovic… Ele disse que não era tão ruim viver na Iugoslávia de Tito. Ana foi pra cima, perguntando se não era horrível não ter liberdade nem direito de voto e ouviu o sérvio dizer com calma que todo mundo tinha um emprego e ninguém passava fome. Fim do parêntese. Ou não. Além disso, a Revolução Russa trouxe importantes conquistas sociais. Para evitar novas revoltas de trabalhadores, criaram-se em todo o mundo as garantias de direitos mínimos à população como educação, alimentação e moradia. Não foi bondade do capitalismo… Lembram de como era antes, no século XIX?
Esse negócio de demonizar gratuitamente a esquerda pode ser moda no Brasil, mas nenhum historiador leva isso à sério. Deste modo, o singelo papo sobre a “falta de liberdade” constante no livro é muito guerra fria e isto meio que me tirou o tesão. Imagino a dificuldade de Asnis para confessar que as belas estações do metrô de Moscou foram construídas em 1935, 38, 43, 50, 52, 53… Ou seja, são estações construídas sob Stálin para a população da capital… Sim, a realidade é muito mais complexa do que qualquer simplismo tipo guerra fria. Mas esse meu papo de isentão é chato, né?
Bem, mesmo com restrições às interpretações do autor, o livro vale a pena. Gostei especialmente das descrições dos trens de seu funcionamento, dos contatos sociais estabelecidos durante a viagem e das partes da Mongólia e do Baical.