Nossa querida Feira do Livro – que já passou dos 50 anos – é uma grande reunião de livreiros e instituições em uma praça aberta no centro de Porto Alegre. Vende-se livros, ministram-se palestras, há uma área para a literatura infantil (com livrarias especializadas e teatro), há oficinas de literatura, há as empresas de comunicação que transferem seus estúdios para lá e há o coração da cidade, que segue pulsando não apenas de acordo com a pressa e a violência, mas também pela literatura. Nossa Feira é incomum sob vários aspectos: é gratuita, é realizada em praça aberta, é visitada por milhões de pessoas – não é exagero – e é quase impossível caminhar entre as barracas nos finais de tarde e de semana. Os amigos estão todos lá, conheço gente que vai todos os dias da Feira à Praça da Alfândega, no centro da cidade. Ela começa sempre na última sexta-feira de outubro e acaba por volta do dia 15 de novembro. Este ano vai de 31/10 a 16/11.
Há coisas ruins nela: nos últimos anos, as barracas da Feira tornaram-se uma imensa livraria convencional. Não há diversidade, todos oferecem as mesmices mais vendidas, deixando as novidades escondidas. A Feira que vende livros novos é uma megastore meio nauseante. Vou dar um exemplo: no ano passado, procurei o premiado Nove Noites de Bernardo Carvalho, publicado pela Companhia das Letras. Livro novo, né? Perguntei em mais de 20 barracas e nada. Enchi o saco. Ou seja, todos vendem as mesmas coisas e acabei na Internet. Já Paulo Coelho e nossos best-sellers gaúchos estão em todo lugar. É monótono. Talvez as únicas exceções sejam a Livraria Bamboletras e a Ventura Livros. O resto é shopping. Mas há os sebos e há os tradicionais balaios de saldos e encalhes, são eles que salvam nossa vida e garantem nossa presença na área de vendas. Há que procurar, mas vale a pena.
Nos últimos anos, passei a participar dos eventos periféricos. São carradas de seminários gratuitos com escritores. Sentamo-nos confortavelmente nos bons salões do Santander Cultural, do Clube do Comércio e do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo a fim de ouvir os autores. Ao final, podemos fazer perguntas e debater a obra, a vida, a política, o futebol, o amor, outras obras, qualquer coisa. Dependendo do autor, claro, as pessoas saem eufóricas destes encontros. Nos últimos anos, estão sendo apresentados ciclos também gratuitos de filmes baseados em livros em salas próximas (“É tudo free!”, como diria Raul Seixas) e a parte internacional da Feira melhorou muito, com os argentinos e espanhóis entrando com livros e preços bem legais. Mas, quando coloquei lá em cima meu título sobre uma determinada perspectiva, não referia-me às possibilidades culturais e sim a outras, como explico abaixo.
O título diz respeito a um caso pessoal. Alguns meses depois de minha separação, em 2001, eu ainda estava deprimidíssimo e chegou a época da Feira do Livro. Não morava mais com meus filhos e tinha um enorme tempo livre ao qual estava desacostumado — ou acostumado a utilizá-lo apenas para me desesperar ainda mais. Os amigos estavam meio sumidos pois eu sumira. Mas também sumiram porque é normal sumir nestas circunstâncias: sabe-se que o separado contrai uma rara espécie de hanseníase contagiosa. Ele(a) causa medo, algo do gênero se-aconteceu-a-ele(a)-pode-acontecer-a-mim-e-eu-não-quero. Porém, durante a Feira consegui decidi (aleluia!) que ia voltar a aparecer para as pessoas. Afinal, era a Feira! Então ficava na frente do pavilhão de autógrafos por volta das 18h. Sim, ficava ali, como uma prostituta fazendo seu ponto. O extraordinário é que TODOS OS DIAS em que lá fui, surgiram amigos — velhos, novos ou antiqüíssimos — com os quais acabei jantando ou visitando depois. Eles sempre apareceram. Estes amigos traziam com eles outros e, quando me dei conta, estava com uma popularidade tonitruante, se comparada com a imediatamente anterior. Meu telefone voltou a tocar e pude, com mais conforto, fazer de conta que a vida estava voltando ao normal.
Certas experiências acabam por se oferecer gratuitamente aos separados, quando estes não estão inteiramente paralisados pela depressão. Não, não indico a separação como remédio para ninguém, mesmo que se queira fazer um treinamento intensivo de realidade. Ao contrário, admiro muitíssimo mais os casais que se separam por um tempo e depois voltam a seus casamentos em outros termos. É uma atitude de fé no outro e a remodelação deve ser “ecológica para a alma”.
As idas à Feira custou-me menos do que qualquer psiquiatra, menos que qualquer antidepressivo… Foi um período de recuperação e inclusão de novos amigos. Um bom período. A propósito, comprei alguns livros nos balaios, claro…
Ah, e há promessas de cervejas no bar no MARGS.
Querido, vc não precisava depsiquiatra nem muito menos de antidepressivos. mas apenas de amigos. Se vc precisasse nnao conseguiria fazer ponto e se expor na feira! Pode ter certeza, vc estava saudável, mesmo que triste!
é madrugada, chove horrores lá fora, a casa dorme em silêncio e eu dou garagalhadas mais altas que os trovões imaginando a cena: tu de mini saia fazendo ponto feira. Ou como um kaspar Hauser parado sob chuva ou sol esperando alguém te arrastar dali.
Tadinho!
Ainda bem que logo apareceu a Cláudia.
Moral da história: feira é para amizade, internet para o amor?
hahaha bj, f
Ah, e os balaios? os adoráveis e irresistíveis balaios? Não mais?
passei por isso tb, mas foi na de 1999, fui quase todos os dias na feira, na verdade acabei não indo apenas no encerramento pq detesto despedidas e ia sentir saudades até das garçonetes do bar Opinião…
abraço
ps: fiquei um pouco na dúvida, afinal os amigos eu continuei encontrando e as gaçonetes nunca mais!
Sim, sim, Flávia, há. Acabo de deixar a frase em BOLD, pois ela está mesmo perdida em meio a tanta reclamação sobre a mesmice da Feira.
ih! que feio, hein? que papelão para uma leitora ideal!
Leituras fora da casinha da madrugada….
me trantornei ontem e perdi o sono. andou me aparecendo um fantasma via internet. Deve ser o halloween se aproximando! Mas tive um ataque ninja e já já decapitei a assombração! Tem cavalheiro que fica melhor sem cabeça, não achas? Vai dar Ichabod Crane no halloween!
Eu vou de bruxa! Haha
bj, desculpa! Flávia
Já deves ter lido a opinião do Feil (Diário Gauche) sobre o cartaz da Feira do Livro. Não consigo discordar daquela análise e morro de pena que tamanha confusão se dê no 1º ano do João Carneiro na Presidência da Câmara do Livro.
Balaios? Os balaios são um mito da Feira do Livro. Não há neles nada maravilhoso, apenas porcarias editoriais e subliteratura… Deixa de sonhar acordada…