O haikai clássico (ou haicai, ou haiku) tem apenas 17 sílabas, com distribuição invariável em suas três linhas: a primeira com cinco; a segunda, sete; a terceira, cinco. Portanto, isto é um haikai:
cheguei ao fórum
com sede de justiça
num baio lilás
Foi o meu primeiro haikai. O meu não é, mas o haikai deve ser um poema mínimo, completo. Colocar em 17 sílabas uma dúvida, uma opinião, uma paisagem, uma ironia ou uma piada tornou-se um jogo para Benedetti, que escrevia haikais às pencas. Neste livro que comento, há 300, um por página. Li todos de enfiada, o que me deixou meio maluco, construindo um haikai a cada pensamento que me ocorre.
haydn inventou
o quarteto que bartók
tornou perfeito
as minhas sogras
sempre me adoraram
e eu a elas
É verdade, sempre tive sorte com sogras. Aliás,
à alzira, minha
sogra, prefiro chamar
de al jazeera
E ela nunca me processou.
Os de Mario Benedetti são infinitamente melhores e garanto-lhes que é muito divertido viajar sete horas ouvindo minha mulher recitar os haikais na estrada.
qual casamento
abriga em si amor
pós sete anos?
O nosso, sem dúvida! Eu ao menos acho, quem sabe, sei lá. Bom, eu digo que sim.
em montevidéo
algumas declarações
foram trocadas
E a Claudia é franca até demais. Bom, mas vamos ao Benedetti. Ele pode ser inteligente:
es casi ley
los amores eternos
son los mas breves
Sim, sim, mudou de categoria. Sai Milton, entra Mario. Ele pode fazer piada:
no hay laberinto
tan complicado como
los intestinos
Ser como todos nós:
cada cinco años
emborracharse un poco
tiene su encanto
Vejam como ele rouba um pouco: esse aí acima tem 6-8-6, o anterior, 6-7-5. Nos meus, tentei ficar nos 5-7-5 regulamentares. Mas como é poético!
todos tenemos
nuestro intenso y privado
apocalipsis
Mais poético ainda:
por ser secretas
las charlas del amor
son en voz baja
Pode advertir:
mujer lejana
si ja no te interesso
no me vigiles
Ser óbvio:
los periodistas
cuando preguntan tienen
ya la respuesta
Pode escrever coisas belas:
quisiera verte
cuando te quedas sola
a ver qué haces
Ser antirreligioso:
si un rayo mata
al toro / su vaquita
se vuelve atea
Dizer o que senti ao final da viagem:
cuando uno viaja
a veces le indigesta
tanto paisage
E o resto vai sem meus ruídos:
la patria es linda
sobre todo cuando uno
la recupera
me gustaría
mirarme en un espejo
que me mintiera
pobre ciervito
no tiene más remedio
que ser cornudo
el desexilio
es el manso reencuentro
con lo que fuimos
desde la foto
me miram cinco rostros
que ya non miran
los sordomudos
fueron son y serán
los más discretos
las profecías
suelen desintegrarse
en el futuro
en tiempos duros
no hay refugio más sano
que la tristeza
a tu vecino
confiésale secretos
pero de otros
prohibir um livro
es el modo más fácil
de promoverlo
los pies desnudos
saben por donde pisan
y donde pasan
quieras que no
en el bidet se lavan
viejos rencores
en el pretérito
pluscuamperfecto queda
lo que no fuimos
Preciso dizer que gostei do livro? Hein?
se não fui claro
podem me avacalhar (*)
em comentário
(*) Como estou sendo discretamente perseguido por feministas, explico. Acho que avacalhar é o melhor verbo aqui e desconheço um correspondente masculino. Se existir, mudo!
Haiku não, porque dói.
Tenho uma puta implicância com o gênero. Rachel mostrou-me um ensaio de Barthes onde o mesmo, apesar de reconhecer a arte do engenho original, mais ou menos conclui que o formato é cultivado no Ocidente por propiciar o surgimento de mensagens de autoajuda no sincretismo possível pelo cultivo dos estados de alma e suas representações metaforizadas elementos da natureza. Ufa! Lembro-me duma mensagem dela a respeiro no blog, talvez meio antiga.
Dá para inserir haikais em guardanapos.
Dá para lê-los como carona enquanto o motorista encara a estrada.
Dá para consolar-se na noite solitária enquanto se ouve jazz.
Dá para imaginar pinturas japonesas com gueixas nuas.
Enfim, dá para qualquer merda.
Os haikais do Benedetti? Ah, seguem o gênero. Num tô a fim num tô com tempo não tô com saco tenho que guardar uns trocadinhos no bolso? Mando lá meus haikais. O jornal me paga por linha, não por sílabas. Banzai!
Os teus haikais? Ah, seguem o gênero. Hoje não tem Fernando Pessoa. Hoje em vim aqui para dizer…. Porra, que ruído é esse? Ah, que bom: a mosca varejeira acabou se sair pela orelha. Certamente por isso tava girando um 33 rotações na minha idéia. Já sei! Farei um haikai com isso!
P.S.:
Não diga feministas
escreva “feministas”
e espere o coice
Para Rachel Nunes:
Canonização:
a Índia toda ou
só um marido
Diálogo entre um rapaz e uma feminista:
Rapaz: – Ei, você sabe quantas feministas são necessárias para trocar uma lâmpada?
Feminista: – UMA! E isto não é engraçado!!
Também o Millôr escreve haikais deliciosos. Uma fixação de escritores hispano-americanos, e de brasileiros também, que acabou por se tornar num gênero semelhante, é a dos contos de uma frase só , como esse incrível do Monterroso:
Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá.
Que gerou uma sátira pelo Joca Reiners Terron:
“O Pesadelo de Houaiss”
Quando acordou,
O dicionário ainda estava lá.
E um outro, do Manoel de Barros:
“Amor”
Maria,
quero caber todo em você.
Já que não estou fazendo nada, tem o menor conto do mundo (com o maior título) do Millôr. Lá vai:
‘EMOCIONANTE RELATO DO ENCONTRO DE TEODORO RAMIREZ, COMANDANTE DE UM NAVIO MISTO, DE CARGA, PASSAGEIROS E PESCA, DO CARIBE, NO MOMENTO EM QUE DESCOBRIU QUE A BELA TURISTA INGLESA ERA, NA VERDADE, UMA PERIGOSA TERRORISTA CUBANA, QUE TENTAVA PENETRAR NUM PORTO DO SUL DA FLÓRIDA, PARA DINAMITAR A ALFÂNDEGA LOCAL, E PROCUROU FORÇÁ-LA A FAVORES SEXUAIS’ — Capitão, tem que me estuprar em 1/2 minuto; às 8, seu navio explode”.
Genial!
Milton,
coloque toda a avacalhação diante duma câmara da Globo e você verá o bando colossal de putas e putos – inacreditavelmente burros!!! -, mas todos politicamente corretos!
Dá nojo!!!!!!!!
Milton,
Há controvérsias sobre a contagem das sílabas. Há quem prefira – e ache mais certo – contar sílabas poéticas. Se for assim, devemos levar em conta só a tônica da última palavra dos versos (e juntar vogal fraca com vogal forte ou vice-versa nas palavras internas), o que mudaria a contagem que tu fez em vários haikais teus e do Benedetti.
Como você faz?
Eu preciso recontar
silabadamente
Milton, acho que te leio, conheço e admiro há tempo suficiente pra saber que você não é machista nem babaca – o mesmo não se pode dizer de muitos de seus apoiadores na briga com a escritora daltônica, que pra demonstrar seu apoio a você desembestaram a falar da aparência da moça, como se beleza e talento literário devessem obrigatoriamente andar juntos, e certamente só no caso de escritorAs (ou isso ou alguns deles definitivamente não têm espelho em casa) – , e lamento muito que sua inocente decisão de fazer um desnecessário, bobinho (e o pior : muito sem graça) trocadalho com o nome da escrevinhadora discromatópsica tenha dado motivo para te elegerem o porco chauvinista do ano sem nem antes se darem o trabalho de te conhecer direito. Condenado a priori, tudo o que você dissesse dali pra frente poderia – e provavelmente foi mesmo – usado contra você e em favor da mulher do alazão preto. Mas se você estiver realmente cansado de guerra e não quiser mais cutucar onça com vara curta, deixe pra lá a palavra avacalhar : vá de espinafrar, que é um vegetal low profile, sem defensores organizados em grupos radicais e, até onde sei, não é nem macho nem fêmea. Que tal ?
:o)