Por Luís Januário
— provando que alguns (muitos) portugueses vivem numa realidade paralela
De facto a esquerda é utópica. A esquerda é qualquer coisa em que é impossível acreditar. Assim como um amor que durasse para sempre. A direita é natural. A esquerda é sobrenatural. A direita é uma coisa conhecida: o curso de direito, uma bebedeira ao fim-de-semana, uma bofetada do marido, um quadro do Cargaleiro, uma homilia de domingo, o Expresso, a crónica do Marcelo, os lucros do Belmiro e a nossa inevitável pobreza, as festas da Hola, os filmes da Lusomundo, a literatura internacional e a comida do Eleven, a hipertensão e a obesidade. A esquerda é a nacionalização do petróleo, um curso de enfermagem veterinária, um bellini ao fim da tarde em Corso Como, o esplendor das línguas, a pele secreta que as mulheres do Ocidente revelaram no final do século, a música de Arvo Part e Marilin Crispell e Christina Plhuar, os romances de Bolaño, Sebal – a esquerda tem tendência a ter um êxito póstumo -, VilaMatas, Coetzee, o design de Laszlo Moholy-nagy, o testamento de vida , os legumes no wok, o vinhateiro que resiste no Mondovino.
Os itálicos são meus. O incrível é que os portugueses acharam isso aí brilhante e comprovável… Bem, acho Pärt um saco e ele queria dizer Sebald, eu acho. Agora com licença, tenho que tomar minha sopinha de agrião.
Já entendi: estás em casa acompanhando a disputa pelas Olimpíadas, só pode. Bem, se o Brasil ganhar e Zelaya voltar à presidência de Honduras tenho a propor novo bordão presidencial:
“Nunca antes na história da América Latina…”
Lembra o Cavaco Silva? Pois é, o velho liberal (logo, FDO) português, várias vezes a mandar naquele território de alfacinhas, a ir e vir, e nos cá entre Efeagagá e uma ex-esquerda sem utopias, leito a listinha (há controvérsias, há controvérsias) e comparo com a outra mais abaixo (os célebres ateus) e estou a perceber que, entre glórias ao céu e gloriosos homus economicus, vamos nós mesmo é a tomar pica no cu, pois assim é que os portugueses se vacinam!
O elitista aqui está ouvindo as Variações Goldberg com o András Schiff.
Acho que há alguns Arvo Pärts. O da Tintinnabulation é bem xaropinho mesmo. De qq modo, não parece-me música de esquerda.