O peso relativo das palavras no Judiciário

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Digamos que as palavras tenham seus pesos determinados não por sua densidade ou consistência, nem por sua massa multiplicada pela aceleração da gravidade, mas pela quantidade de leitores atentos que elas possam obter durante sua vida útil. Peço aos meus sete leitores que comparem a “perenidade dos livros” com o número de pessoas paradas e atentas em frente a um dazibao. Se, após editado, uma palavra dentro de um livro obtiver 500 leitores que passarão os olhos por ela e a compreenderão, ela terá peso menor que outra, chinesa, que terá 10.000 leitores no jornal mural chinês e que amanhã será substituída por outra. Aqui, neste texto, não me interessa a beleza ou a razão, mas o número de leitores compreensivos — adjetivo que uso na acepção que Herbert Caro utilizava em nossas manhãs musicais de sábado na King`s Discos, onde compreensivo era o intérprete ou tradutor que demonstrava empatia para procurar sempre entender o autor. Deste modo, uma palavra dita no rádio para 50.000 ouvintes também teria peso superior a de qualquer palavra escrita por um bom e ignorado escritor brasileiro.

Curioso, este assunto me ocorreu quando estava na presença de um psiquiatra forense. Tive duas sessões com ele, cada uma de quase três horas. A finalidade era a de saber se eu poderia obter a guarda de minha filha, ou seja, a de saber se eu era louco ou não. Sua opinião foi muito benigna a meu respeito e, ao final da segunda sessão, ele me comentou que achara meu processo confuso e mal montado. Montado? Ele me explicou que num processo o mais importante é a montagem e o motivo era simples. Os juízes não liam os processos, apenas davam davam um “vistaço”. Vistaço? Ah, sim, folheavam os processos, liam os títulos, algumas frases de um ou outro item e decidiam. Como? Ora, através da experiência. Os juizes então liam os processos como lemos um livro que estamos detestando, mas do qual, meio de má vontade, queremos vagamente descobrir o final? Sim, só que eles não avaliam a qualidade, apenas têm pressa.

O ambiente psiquiátrico é dos mais civilizados que conheço. Peço desculpas a meus amigos terapeutas, mas aquilo é pura diversão para alguém que nunca precisou de tratamento. A gente vai lá e tem uma boa conversa com um sujeito especializado em conviver e manipular, fazendo-nos mudar de assunto ou penetrar em coisas que nem sempre apreciaríamos, mas que ali, bem, ali vale tudo. É como uma dança. O terapeuta faz uma forcinha para um lado sugerindo uma mudança de rumo ou ritmo e nós vamos atrás; se quisermos comandar, vamos ter de enganá-lo ou convencê-lo, tarefa bem complicada, pois ele tem interesses muito definidos e normalmente dá mais importância à nossa insistência em comandar do que ao conteúdo que desejamos introduzir. Sempre saí leve das poucas consultas que fiz, pois era agradável ser “levado” numa dança em que tudo o que não precisara fazer era pensar. Deixava-me ser manipulado e gostava. Mas aquilo que ouvira era demais! Por isso, mudei de posição na cadeira e comecei a questionar. A partir do momento em que ele dissera que eu não era doido varrido e não daria muito dinheiro às pessoas de sua profissão (sim, ele O disse), eu, bem, poderia me mostrar ao natural… Então, resumindo, o processo tem de ter bons títulos, que fossem sedutores ou escandalosos o suficiente para chamar a atenção do apressadinho? Sim, claro. E letras bem grandes? Evidentemente. E os textos deveriam ser curtos e grossos? You got it.

Naquele momento, eu descobri duas coisas: (1) que perderia um outro processo e (2) que qualquer advogado de inteligência mediana saberia que não adianta escrever laudas e laudas citando Pontes de Miranda, Ortega y Gasset e milhões de artigos perdidos na teia de fios em curto circuito do “sábio legislador”, quando o melhor seria a abertura de um processo twitter, que receberia inclusive a simpatia de um incompreensivo (ainda na acepção de Caro) juiz.

Cheguei em casa e liguei para meu advogado. Perguntei-lhe quantas páginas ele escrevera (um monte!), o tamanho da fonte (10, imaginem!) e o número de títulos de itens (poucos). Stendhal dizia ironicamente que sonhava escrever como um advogado, pretendia que seus livros saíssem direto do cartório para o prelo, pois admirava a exatidão jurídica — hoje nem lida… Ali, as palavras eram exploradas em seu preciso significado, as metáforas estavam varridas, mas Stendhal, o imenso, seco, esquecido e genial Henri-Marie Beyle, faleceu em 1842, estamos quase dois séculos adiante e, apesar de os advogados tentarem manter a utilização de palavras etimologicamente corretas… hoje escrevem para não serem lidos.

Então, quando anunciam como grande coisa a informatização do Poder Judiciário, com a eliminação daquelas montanhas de processos, só posso pensar que é um caminho naturalíssimo. Há milhões de processos mal analisados atravancando as salas e agora tudo ficará registrado, e não lido, em discos rígidos. Ah, mas os juízes terão acesso mais rápido aos textos? Pode ser, porém você tem de considerar o novo suporte.

Os monitores e as janelas têm características físicas que favorecem o Reino da Desatenção que é a Internet. Tudo no computador favorece o “scanning”, a busca de palavras-chave ou trechos de interesse. Há a ansiedade da informação, há a janela em background piscando ali embaixo, tudo é difuso. Como diz este interessante site, Manifesto contra a leitura desatenta, a leitura rápida é útil, mas só leitura rápida é fútil. Eu reformularia a frase do Fred, só que a rima iria para o saco (expressão impensável juridicamente — a que saco Vossa Senhoria se refere?). A leitura não será como a do músico que lê a partitura em clusters (conjuntos, pencas) de notas conhecidas e que as toca todas. A qualidade do “vistaço” será menor ainda nos vídeos, pois a ele associa-se a pressão das janelas abertas e do fazer tudo ao mesmo tempo agora.

Então, meus caros advogados, eu sugiro que vocês deem peso a suas palavras treinando no twitter. Ou que tuítem direto com os juízes. Claro que estou brincando. Mas acho mesmo que o sucesso do twitter deve-se à diluição da atenção provocada pelo suporte onde trafegam textos que são só mais ou menos lidos. 140 caracteres é um bom número para um “vistaço”.

Obviamente, tudo isso NÃO passou pela minha limitada cabeça enquanto estava sentado na frente do psiquiatra forense, até porque, ainda que estivesse arguindo, estava com resquícios daquele clima bom de dança. Todavia, fiz-lhe as perguntas decisivas, aquelas duas óbvias, as que não iriam calar. Como então eles decidem? Ora, pelo senso comum, sem atentar a detalhes. Essa era a resposta que temia ouvir e suas consequências nefastas dariam assunto para vinte posts. Poderia abrir um curso para advogados, pois o peso, a importância de suas palavras será diretamente proporcional à aderência, fingida ou não, ao senso comum. Quem estiver mais perto de nossa tradição cultural, de nossos costumes e do Programa Raul Gil irá vencer. Meu curso prometeria aos advogados que suas palavras teriam o insustentável peso de uma palavra de juiz. E fiz-lhe a outra pergunta. Juízes fazem psicanálise? Sentem-se culpados? Eu achei que ele apenas riria e já até olhava para um canto qualquer quando ele, rindo muito, cruzou as pernas e respondeu com uma frase avassaladora. Não precisam, a maioria vai à igreja.

Eu não era louco, mas me deu um desejo incrível de morder o pé do psiquiatra, que balançava satisfeito, disponível, bem na minha frente, divertido.

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38 comments / Add your comment below

  1. Soa antipático se eu colocar aqui um “eu já sabia”? Um advogado uma vez me disse que quando tinha uma pilha de processos diante dele, escolhia os mais finos primeiro. Uma coisa meio óbvia se a gente pensar que antes de tudo eles são pessoas comuns e nem sempre grandes leitores. Sobre as fórmulas prontas, sei por causa dos advogados na família. Fora delas, tem gente que não consegue formular um parágrafo igual a este (disse isso porque seus outros 6 leitores escrevem muito mais).

    Sobre o uso do twitter no judiciário, imagino o quanto o uso das hashtag seria prático: #habeascorpus #litigio #defesadoconsumidor… Além de facilitar o vistaço, era só ir ao Twitter Search pra consultar o senso comum.

  2. Excelente, Milton.

    Você toca em pontos importantíssimos. E de modo muito contundente e irônico, como deve ser.
    O despreparo dos juízes em tudo o que não é estrita técnica jurídica sempre me assustou. Conheço algumas dezenas de juízes. Cursei Direito antes de enveredar pela História. Odiei. Mas isso é coisa minha, não acho o campo do Direito ou carreira jurídica, em si, sejam coisas ruins. Mas, enfim, conheço vários juízes e, embora muitos não sejam assim, posso acreditar que a maioria tem uma visão de mundo muitíssimo limitada (e você me diz que se baseiam nisso para decidir!!!!).
    Certa vez, em uma aula, no 7o. semestre do curso (eu já de saco cheio, só queria terminar aquilo para entregar o diploma a meus pais e ir fazer História, ou teatro, ou escrever), resolvi polemizar.
    Disse que era um absurdo o fato de que a maioria dos meus colegas não lia nada de literatura, sociologia, história, antropologia. E poderiam se tornar juízes e decidir a vida das pessoas.
    Então um colega meu disse que, na sua visão, para um juiz, bastava a doutrina jurídica e a jurisprudência.
    Hoje, ele é juiz.
    Ele, como tantos outros, passou longas horas lendo Direito. Depois de formar-se, foi fazer escola preparatória para o concurso da Magistratura, onde leu apenas Direito. Mal teve tempo de tomar uns porres e, aos 26 anos, era juiz e estava decidindo casos de “pouca importância” e de “poucas consequências” como este: Milton Ribeiro tem condições de criar sua filha?
    Você tem toda a razão, Milton. A coisa toda é assustadora.

    1. Pois é, um dos últimos contatos que tive com o “senso comum” e a “visão de mundo” de um juiz foi deprimente. O homem julgava à luz do… catolicismo.

      Minha impressão, quando saí de lá, foi a de ter entrado num manicômio. Não havia comunicação, não havia tentativa de compreensão ou empatia do gênero em que a pessoa tenta se por no lugar da outra. Saí de lá com a certeza de que era um criminoso sob a ótica do sujeito. Ele estava em faixa própria e não queria nem saber. Eu tive de harmonizar as coisas, procurando entrar na faixa dele: a justa, a correta…

      Se não faço isso, sei lá.

      1. Milton, lestes Herzog do Saul Bellow? É simplesmente espantoso a semelhança entre a batalha pela guarda da filha do personagem título, e as várias cenas de um judiciário inerte e sonambúlico, com a sua situação!

      2. Li Herzog há 30 anos. Não lembro disso. Lembro de 30 páginas iniciais absolutamente perfeitas e de descrições espantosamente belas e nostálgicas da vida europeia daqueles judeus.

        Incrível, …filha? Esqueci! Vou ter que ler de novo, o que não seria nenhum sacrifício.

  3. Teu texto afiado, Milton, e o comentário do Farinatti (percebeu que quando citamos os comentaristas, o Farinatti é o único que não pegamos pelo primeiro nome? Algum temor cinéfilo obscuro da máfia siciliana?) tocam no ponto principal da insuficiência da justiça: a falta do elemento em primeiro grau do entendimento ex-ofício da vida do sujeito que está nas mãos do juíz e do promotor. A ausência da humanidade pela substituição protocolar do esteriótipo social. Não há ninguém que em frente ao juíz não seja acometido por um espontâneo encurvamento do corpo, um resquício do entendimento que, mesmo nos mais libertos, aparece de que se está na presença do representante semi-divino da providência. Os fóruns são ambientes carregados, note como o círculo de assistentes que rondam o Juiz é acometido pela arrogãncia e legitimidade de adoração que seus chefes tem direito.

    Se fôssemos um país de gente conflituosa_ como a França, p. ex._, poderíamos planejar mudar essa realidade. Mais juízes, menor salários (é obsceno o quanto eles ganham), e uma idade inicial de 35 anos para ser investido no cargo.

    Contesto: Stendhal esquecido??

    Para o arbo: [email protected]

  4. O maníaco, o terapeuta e o advogado

    O causídico o instruíra da maneira usual, com o fica o mais quieto que for possível e deixa comigo; o maníaco, à rua, perdia-se em mil objetos de adoração, e se o terapeuta pudesse vê-lo andando pela avenida certamente carimbaria no laudo o sentido de seu parecer mui elaborado, com um simples INSANO, em letras garrafais, tinta vermelha.

    Sentado à frente do terapeuta, o maníaco acalmou-se, e o advogado considerou-o até mesmo relaxado, ciente de que as muitas letrinhas de pareceres e artigos à mesa do terapeuta tranquilizavam seu cliente, cuja fixação por palavras tantas vezes o deixavam estatelado em frente à descrição da ocupação dos andares de prédios muito altos. Vigésimo andar, Public View, agência de publicidade especializada em anúncios móveis, anúncios móveis, matutava o maníaco, imaginando cartazes itinerantes, em fuga pelo ar…

    Temos aqui, entregava o advogado ao terapeuta, três testemunhos e um parecer médico; os três, atestando o comportamento cordial, amigo e acolhedor de meu cliente, suas maneiras afáveis e estado de equilíbrio permanente no trato com parentes, vizinhos e até estranhos (e o senhor sabe como às vezes é difícil o relacionamento com estranhos), o parecer do profissional que o acompanha e atesta, em termos técnicos, mais ou menos o que declaram as outras três testemunhas.

    Nem tanto, doutor, erra o tratamento o terapeuta, pois o advogado é apenas bacharel, nem tanto; meu colega destaca o comportamento obsessivo devido a um transtorno de características neuróticas ainda não perfeitamente aferidas, e…

    …sim, mas o quadro geral que é configura é de um cidadão que não representa qualquer risco para si e para a sociedade, de forma que…

    …neste caso específico tenho que aferir, infelizmente, se ele é capaz de compreender o mérito da questão e não impedi-lo de agir no processo que inventaria os bens do falecido pai, pois os irmãos…

    …os irmãos, caro doutor, replicou o advogado ao terapeuta, querem se sobrepor àquele que foi titulado como principal beneficiário da partilha dos bens familiares, o senhor compreende bem como essas coisas são…

    …e assim continuaram, sob os olhares desatentos e sorrisos do maníaco, que descobrira, na estante do terapeuta, um volume de literatura não especializada, sob o título de A Cartuxa de Parma, e estava, nos últimos cinco minutos, a recitar, para si mesmo, o primeiro capítulo, o que deixava seu rosto um pouco contrito, o que, não deixara de notar o advogado, ia bem com o desenvolvimento dos debates sobre a questão do inventário, o que, não deixara de notar o terapeuta, facilitava a redação de seu parecer com o uso do carimbo NÃO É INSANO, em azul, sobre transcrições de vários trechos do livro de Stendhal que, de qualquer maneira, não seriam mesmo lidos pelo juiz do caso, feliz com a síntese em azul sobre o caudaloso texto em tipo Times New Roman 10.

    1. Coitado do maníaco, Marcos. Sabes que loucos gostam de Napoleão, né? Então leia o primeiro parágrafo da Cartuxa, que copiarei para ti a seguir:

      A 15 de maio de 1796, o general Bonaparte fez sua entrada em Milão, à frente daquele jovem exército que acabava de atravessar a ponte de Lodi, e de anunciar ao mundo que, após tantos séculos, César e Alexandre tinham um sucessor.

      Quando o maníaco recitasse isso, babaus.

      1. Bem, como não sou maníaco (?!) não me lembraria nunca do primeiro parágrafo do livro; conferirei, pois aqui tá cheio de engraçadinho pós-moderno capoeirista dando rasteira na gente; não esqueça, porém: o maníco em questão não é louco de pedra, só tem fixação por palavras, que instigam sua imaginação e o tornam presa fácil dos processos burocráticos médico-legais. Vê só se não parece contigo…

  5. Vamos falar da justiça estadual, então. Eu tenho muitos conhecidos que trabalham lá.

    Para começar: juizes não leem processos. Ponto. Não é que “leem por cima”. Não. Eles não leem. Sequer tocam nos processos. “Ora, mas então como podem redigir a sentença”, alguém pode perguntar. Mas quem dizem que redigem a sentença? São os funcionários e estagiários que fazem isso. Os juízes só assinam a sentença redigida por outro. Talvez leiam o que estão para assinar, mas isso vai depender do tamanho da sentença e de seu saco.

    Muitos juizes só aparecem dois dias por semana no forum: no dia das audiências (nunca ninguém se pergunta porque motivo elas são todas centralizadas num só dia da semana) e no dia em que assinam as sentenças feitas pelos funcionários e estagiários.

    Muitos juizes sequer sabem do que se trata quando estão na audiência. Só fingem que entendem, são habilíssimos nisso, em aparentar conhecimento de causa e interesse por assuntos que ignoram completamente, pois jamais tocaram nos autos.

    Ah, e os funcionários que “sentenciam” leem o processo. Mas por cima.

    E os adevas? Ah, os adevas! Como aquela petição inicial que o Milton mostrou, muito do que fazem é piada pronta. E ponto final.

    Esse sistema Judiciário é um dos piores do mundo. Um faz-se-conta que serve só para legitimar decisões, sejam elas quais forem. O importante é fazer a máquina funcionar, seguir em frente. O jurisdicionado que se foda.

    1. Victor, e essa tal de medida em que até o final deste ano, todos os juízes tem de concluir os processos de até 2005? Quem me disse foi um advogado amigo meu, que me representa numa ação que movi contra essa praga chamada Itaú. Segundo ele, os adevas estão todos parados devido à pressa compulsória do judiciário em cumprir com muito, mas muito serviço atrasado.

      Só para vocês verem o desmazelo e pouco caso desses “profissionais”. Uma vantagem de se morar em cidade do interior é que assistimos ao vivo, sem os intermediários da imprensa, os conflitos cotidianos que se repetem como um micro laboratório das grandes cidades. Ano passado, durante uma festa popular daqui, um rapaz deu 6 tiros na cabeça de um filho de um comerciante influente; na fuga, foi alvejado na perna pela PM. Uma semana depois de preso, segundo o relato de um dos agentes da cadeia local, foi posto em liberdade através de um habeas corpus acatado pelo juíz. Com base em que??? dois dias depois, já havia no sistema da secretaria de segurança um mandado de prisão para o assassino. O juíz admitiu, in off, a falha.

      E tantas outras decisões tomadas nos dados ou na leitura da borra de café. Uma mulher que penou 4 anos e meio de cadeia por portar um papelote de maconha. Um homem que degolou uma mulher, numa briga de vizinhos, de frente ao filho da vítima, e que saiu em um ano e meio de prisão.

      Ah, depois me perguntam por que não suporto esse espírito de batuque e ginga cabocla que querem_ e conseguem_ instituir como nossos atributos nacionais a serem louvados. Fico com a filosofia da infelicidade, prefiro-a em muito!

      1. marcelo da silva duarte, quatro compreensões:

        Ou é acostumado a ler tantas bobagens em muitas linhas; ou mora em algum país da escandinávia; ou é um dos funcionários da távola forense (não um juíz, pois nenhum deles abre mão de sumo-pontífice do uso do Dr. Juíz de Direito à frente do nome); ou é o menino da bolha, procurando amigos na solidão desta tarde chuvosa.

        Pois bem… e aí, qual a sua música preferida?

      2. Caro Marcelo,

        Sua reprimenda também se resume a uma generalização; gostaria de vê-lo comentar na seguinte forma:

        a)bobagem 1: quando fulano de tal afirma “x”, desconhece “y”, etc.

        b); c): … assim por diante;

        Ao final, uma exposição sucinta do funcionamento de nosso Judiciário, com seus acertos, desacertos, problemas inerentes à falta de capacitação real dos juízes, oficiais de justiça, etc e tal, loas a quem de direito e, se possível, algum projeto para melhoria do aparelho.

        Dizer, tão somente, “vocês não sabem nada” é privar-nos de seu douto saber; se saber for e douto ainda, mais, menos ou nada.

      3. OK, há generalizações. Deve haver excelentes juízes assim como corruptos. Deve haver juízes criteriosos e outros que não estão nem aí. Todas as profissões são assim, combinado?

        Tá, e o que isso muda em minha experiência? E o psiquiatra? Posso dar seu nome e telefone, desde que o Marcelo pague a conta, claro.

        -=-=-=-

        Poucas vezes vi tanta arrogância sobre um tema em tão poucas linhas. Meu nojo só não é maior do que a soberba desta sumidade.

      4. Essa falácia argumentativa de tentar invalidar um texto acusando o autor de generalizar é daquelas que mais irritam. Tacitamente, busca-se insinuar que aquele que “generaliza” é preconceituoso e incapaz de reconhecer as exceções. É um discurso demagogo, pois tenta passar por cima da inteligência do locutor e, no afã de conquistar apoiadores, faz questão de confundir “generalização” com “universalização”.

        Se dizemos “muitos políticos são corruptos ou sequer leem os projetos de lei que aprovam”, um espírito apressado pode atacar a afirmação dizendo que se trata de uma “generalização”. Usa-se essa palavra como se fosse algo mágico, que invalida totalmente a tese do interlocutor – um recurso que permite uma contestação vazia e rápida, mas que nada acrescenta ao debate.

        O fundamental é saber se as generalizações são adequadas ou não. Trata-se de um recurso de sistematização de um tema. Se o pensamento apenas se detivesse na casuística e nas idiossincrasias de cada elemento a ser abordado, qualquer tipo de análise sobre um tema logo seria inviável.

        Quanto às generalizações sobre os juízes, em primeiro lugar, é óbvio que existem as exceções (tal afirmação é tão pueril… é preciso afirmar mesmo isso a um interlocutor inteligente?). Em segundo lugar, a generalização serve para a abordagem de um descontentamento da sociedade como um todo com a atuação no Judiciário e, em particular, daqueles atentos à atuação concreta de determinados magistrados.

        Por exemplo, quanto às minhas afirmações sobre o que “muitos juízes de direito” (não todos, e talvez nem a maioria, mas um número suficiente para ser escandalosa a situação) fazem, eu poderia citar inúmeros exemplos concretos, que eu mesmo testemunhei ao longo dos anos, mencionando nomes e até mesmo circunstâncias detalhadas. Mas, obviamente, eu estaria sujeitando-me à processos judiciais, principalmente de magistrados, que negariam até a morte terem dito o que me disseram. Vejam, a generalização também é um recurso para o cidadão que, sabendo do grande número de abusos corriqueiros de significativa parte dos políticos, policiais e juízes, deseja expressar sua justa revolta sem ver cair sobre si todo o peso da máquina estatal que protege esses senhores e seu espírito corporativo.

  6. Um advogado meu amigo comentou em off:

    O pior de tudo é que tens razão. Hoje um advogado vale (no critério da Magistratura) pelo poder de síntese, meu sonho é peticionar em 5 parágrafos, sobre os quais não terei certeza alguma de que serão lidos. Infelizmente, segurança jurídica é mais uma quimera do direito. E a sociedade que se dane.

  7. Bah… muito bons todos os comentários.
    O do Charlles e o do Vitor me animaram a contar uma cena que ficou para sempre na memória. Triste memória. Foi emblemática de meu abandono do mundo jurídico.

    Eu e dois colegas fomos assistir a audiências na vara de família, como parte de uma disciplina. Naquela fase, eu já não queria mais nada com o pastel, mas meus colegas estavam muito interessados.
    Estava lá um casal a se separar. Gente pobre. Ela, empregada doméstica; ele, não lembro. Uma confusão dos diabos, não ficavam quietos por mais que o juiz mandasse, atropelavam os advogados, olhavam-se furiosos. A maior briga se dera em torno de um colchão de casal que ainda não estava totalmente pago.
    Aquilo se arrastou ate que o juiz, com uma cara de “aqui está todo mundo me olhando e ninguém sabe que meu terno é Armani”, encerrou a coisa.
    Quando saíram as partes, o “Excelente” olhou para mim e para meus colegas e disse, com um suspiro de enfado: “é isso aí a nossa vida, gurizada, vão se acostumando… a gente estuda dez anos para vir aqui dividir talheres…”

    Putaquepariu!
    Eu queria dar pau no cara, mas me contive porque iria acabar preso. Mas ele não via que aquele gente estava em um momento totalmente frágil da vida? Não entendia que um colchão, para ele, podia não ser nada, mas para aquelas pessoas era tudo: era muito dinheiro e trabalho investido? Não entendia que era muito evidente que comprar um COLCHÃO DE CASAL significava um sonho de uma vida a dois com felicidade? E que agora que isso tudo havia ruído, era muito significativo que fosse esse mesmo colchão o pomo da discródia? E que isso revelava o quanto de humano e trágico havia naquela situação em que as pessoas estavam envolvidas?
    Não, o fdp não entendia. E garanto que foi para casa naquele dia sentindo-se muito importante porque ensinara algo a jovens estudantes.
    Não foi por isso que larguei o Direito. Foi porque não tinha tesão em estudar teoria jurídica. Mas essa cena nunca saiu da minha memória.

    Lembro até hoje do nome completo do juiz e das partes envolvidas.

    1. Farinatti, mas aí vem a pergunta: não seria então que alguém com uma visão sensibilizada para os verdadeiros motivos da profissão deveria prosseguir?

      Eu mesmo respondo: num país como o Brasil, tentar ser a contravenção nobre da norma exige muita fé, uma fé cujo único resultado é a destruição do sujeito que a sustenta. Assim como você, abandonei um curso e me formei em História. No meu caso foi o jornalismo. Creio na reação crítica contra esse judiciário, essa imprensa, esses bancos e essa política; mas lutar de dentro deles, tendo a ambição de formar uma família e levar uma vida de cabeça erguida, é loucura.

      1. Charlles
        No meu caso, minha decisão foi mesmo porque não tinha o menor gosto pelas leituras de Direito. Achava muito chato. Então calculei que tinha só uma vida para viver e que não valia a pena ficar mais de 8 horas por dia lendo e pensando em coisas que não me agradavam ao menos um pouquinho.

        Porém, lembro muito bem do estágio que realizamos advogando para pessoas que recebiam até 2 salários mínimos. Para o rapazote besta que eu era foi uma grande aprendizagem sobre a sociedade.

    2. Domingo passado estava numa aula de lei orgânica e meu professor contou que um juiz da comarca X concedeu um indulto de dias das mães para um detento que tinha matado a mãe… 🙁

  8. Farinatti, eu compreendo que o juiz está lá para informar-se da situação dos envolvidos e aplicar tecnicamente a lei. OK, este é um lado.

    O outro lado é que decisões polêmicas requerem maior trabalho, vão causar “n” recursos, enfim. Eu notei que os caras normalmente decidem na direção daquilo que é mais tranquilo para si mesmos.

    A parte psicológica, a angústia, as preocupações razoáveis de cada um, o significado de cada ato… Tudo isso fica escondido sob a aplicação técnica da lei. E as decisões são as esperadas pelo público do Programa Raul Gil.

  9. Quando fiz estágio recebi por fax uma petição de um advogado de Cubatão sobre guarda de menor… tentei o acordo. Ele aceitou, dizendo que faria algumas modificações, porém me enviou a mesma petição… pensou que eu, como muitos, não iria ler… quebrou a cara … 🙂 … Eu leio até bula de remédio hehehe
    Participei de uma audiência em que o juiz deliberava dois casos ao mesmo tempo: divórcio e posse de terra. Saí com cara de quem foi a um filme ‘sem noção’.
    Na faculdade tive um professor (desembargador aposentado) que nos dizia: o juiz não tem tempo para conversa fiada… a petição tem que ser objetiva e conter os elementos técnicos…
    Me decepcionei com o curso. Pensei como o Luís que abrangeria antropologia, filosofia, literatura, sociologia, história…

    http://rocosta.wordpress.com/2009/10/26/a-justica-fracassa-a-literatura-nao/

  10. A bomba literária do dia é que Ana Maria Braga prepara o lançamento de seu primero romance. Estamos morrendo de ansiedade para saber se ela recorreu a um ghost writer que, para fazer jus à peça, escreva pessimamente mal historinhas de objetivo edificante, ou se se trata de psicografia, restando saber que espírito errante escolheu como cavalo uma anta.

  11. Milton.
    Não tens apenas 7 leitores…
    O assunto é sempre uma surpresa.
    Os comentários tão bons qt o teu texto.
    (O nº de comentários faz parte do título e do texto.)
    Gosto de tudo.
    Um abraço baiano.
    Glória

  12. O mundo jurídico seria beeeeem mais interessante se os processos fossem todos no estilo Twitter. Uma das coisas que me desagrada bastante no Direito é que textos que poderiam ocupar uma página se bem escritos ocupam dez, vinte, cheios de embromações desnecessárias e linguagem complicada.
    Claro que o ideal seria os juízes lerem atentamente todos os processos – mas enquanto houver advogado com linguagem rebuscada tentando impressionar o judiciário, talvez não valha muito a pena. 😛

  13. Após 36 comentários, lidos com a mesma atenção dedicada ao post que lhes deu origem, percebo que as críticas (generalizadas, mas não universalizadas) aos Magistrados reclamam exatamente da falta de atenção ao “um”, à singularidade do “caso”, à tradução da ‘universalidade da lei’ à contingência da história construída nos autos.
    Há ilusão absoluta ou erro calculado quando se afirma: “só vale o que está nos autos”. Tudo bem, é uma estratégia que só funcionaria se o julgador se inteirasse de tudo – como se possível fosse conhecer inteiramente.
    Há ainda o palavreado jurídico, o juridiquês utilizado ritualisticamente pelos advogados, seja com a “boa” intenção de se fazerem entender tecnicamente, seja como astúcia para engabelar, desviar, impressionar, procrastinar, interpolar, etc.
    Kafka não inventou nada.
    Da mesma forma, é imprescindível que ‘o terapeuta’ se atenha ao que diz o sujeito, não para ficar preso naquilo que é a especialidade da linguagem (ocultar) mas para desvelar o que se exprime quando o enunciante se distrái.
    Já o psiquiatra, este concerne sempre ao sintoma. Mas poucos sabem disso.
    O que é outra história…

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