Uma breve reflexão sobre os linchadores virtuais

Uma breve reflexão sobre os linchadores virtuais
Ilustração: Yuri Leonardo
Ilustração: Yuri Leonardo

Já vi grandes linchamentos na internet e vejo vários pequenos sendo ensaiados aqui e ali. Dentro da rede, creio que a melhor estratégia de defesa seja a de não se defender. Em caso de ataque, o melhor é que o agredido não somente fiquei quieto, mas impeça seus amigos de defendê-lo. O correto é o silêncio. Quando isso não acontece, a briga só aumenta e o nível torna-se rasante com o aparecimento de um verdadeiro enxame de vigilantes da moralidade pública, de guardiões de todas as virtudes e do politicamente correto.

Os linchadores de internet são um fenômeno mais ou menos recente, nascido nos blogs e disseminado nas redes sociais. O linchador tem normalmente por alvo uma pessoa que desconhece pessoalmente. Ele mal e mal conhece uma expressão do agredido, quase sempre plana, sem contexto. Há uma recusa pela complexidade e pela faceta.

Imagino que o linchador fique entre uma ocupação e outra. No intervalo, compraz-se com sua atuação na rede e com a de seus pares, enquanto o linchado sofre 24h, se lê os absurdos escritos. As ofensas vêm de um “mundo virtual”, mas ecoam e têm reflexos no real. O linchador de internet não pega em paus ou pedras, mas pode levar uma pessoa frágil ao fundo do poço, causando danos e ele e a seus próximos. Danos não apenas morais, mas profissionais.

O assustador é que o linchador tem a capacidade de disseminar mentiras (ou meias verdades) de forma absolutamente sem freios. Ele pega uma história já interpretada — isto é, distorcida –, sem desejar avaliar sobre se os fatos são verdadeiros. Apesar de saber só um tiquinho, não pestaneja e busca na internet o efeito altamente prazeroso de entrar numa discussão sem ver caras irritadas nem gritos. Dissemina ódio sem ética e respeito à intimidade alheia.

A leitura dos linchadores é algo pra espantar. Ali temos a clara noção de que a pessoa média e politicamente correta carrega toneladas de ódio contra as coisas mais incríveis, incluindo até o Monty Python!

Nesta semana, vi dois ensaios de linchamento. No primeiro, um perfeito idiota reclamou que o autor de um texto poético escrevera que as mulheres “ficam mais bonitas quando se entregam a [leitura de] uma história”. Ponto. A acusação era de que o primeiro elogio a se fazer a uma mulher que lê jamais seria o de que ela fica mais bonita. (Deveríamos dizer, ah, ela está se ilustrando ou se informando…?) Olha, se eu vejo uma desconhecida lendo, acho-a mais bonita do que em várias outras circunstâncias. Mais: acho que um escritor — como o este meu amigo — fica mais interessado em conhecer uma mulher leitora do que numa que não ame os livros. Meu amigo escritor ficou quieto, apenas curtiu os comentários dos malucos, como se os levasse em conta. A coisa cessou rapidamente.

(Fiquei pensando em alguns poemas clássicos que teriam de ser revisados…)

O segundo foi bem mais agressivo. Outro amigo escreveu que Taylor Swift era “uma cantora de bosta”. Então ele foi acusado de uma inverdade: de ter chamado a tal Taylor de bosta. Ora, ele escreveu que ela era uma cantora de bosta, ou seja, que não cantava porra nenhuma. Sei que ele diria o mesmo de um cantor que detestasse. O que ele fazia era um juízo de valor sobre a arte desta Taylor que desconheço.

Os agressores eram feministas que não merecem tal denominação, a meu ver muito maior que tais baixarias. A discussão chegou ao ponto descontrolado do meu amigo ter que ler que “tratar homens e mulheres com igualdade é machismo”, ponto onde eu devo acabar este já longo texto. Em casos de linchamento, não há espaço para discordâncias cordiais ou reflexão ou para “complexidades mesmo as mais simples”.

Há outros casos, outros temas. No passado, vi um linchamento absurdo de uma judia que se declarou não sionista. Descobri casualmente e tive dificuldade de saber quem era a vítima, sempre chamada de vaca, puta ou mulherzinha de merda. E o maior de todos, o daquele professor que sofreu com uma matilha de parvos moralistas porque um blog decadente — como todos — achava que precisava de page views.

É uma vontade de achar problema, de criar polêmica, que torna tudo irrespondível. Será que isso serve para o linchador virtual mascarar uma inação efetiva? Pois, em seu íntimo, ele deve ter certeza que está limpando o mundo de suas porcarias e fazendo sua parte na construção de um mundo melhor.

Quem roubou nosso tempo de leitura?

Quem roubou nosso tempo de leitura?
Cena de Inglourious Basterds, de Quentin Tarantino, 2009
Cena de Inglourious Basterds, de Quentin Tarantino, 2009

O tempo para leitura parece cada vez mais comprimido e isto não é uma perda apenas para a literatura.

Um súbito interesse renovado por Tolstói, causado pelo filme sobre seus últimos dias, A Última Estação, fez-me lembrar que há um ano atrás eu tinha prometido a mim mesmo reler Guerra e Paz. Fazia algum tempo que eu não enfrentava um romance de grandes proporções ou, para ser mais exato, qualquer coisa publicada antes do século XX. A releitura de Guerra e Paz iria me tranquilizar: minha resistência física e disponibilidade estavam intactas. Fui até a estante e descobri a página em que deixei o marcador —  ele estava na página 55 e eu sequer podia utilizar a desculpa de ter crianças pequenas.

O fato em si não teria me assustado — afinal, é Guerra e Paz — se não fosse a existência de outros marcadores abandonados em outros livros. Eu não estava terminando nenhum deles? Como é que eu, que adorava ficção o suficiente para estudá-la, ensiná-la e escrever a repeito, me tornara tão distraído?

Cena de Persona, de Ingmar Bergman, 1966
Cena de Persona, de Ingmar Bergman, 1966

O mundo dos meus tempos de estudante era fundamentalmente diferente do atual. Foi apenas no final da minha graduação que um amigo me mostrou uma maravilha chamada internet (Ele: “Há sites sobre qualquer assunto, tudo pode ser encontrado!”. Eu: “O que é um site?”). Nos anos 90, havia somente quatro canais de televisão. Cada família tinha um telefone, cujo uso era consecutivo. Poucos tinham jogos eletrônicos. Então, era muito mais fácil retirar-se completamente do mundo para a grande arquitetura do romance. Agora, o leitor está sob o ataque de centenas de canais de televisão, cinema 3D, há um negócio de jogos de computador tão florescente que faz com que Hollywood os imite em seus filmes, há os iPhones, o Wifi, o YouTube, há notícias 24h, uma cultura tola da celebridade — verdadeiras ou falsas (vide BBB) — , acesso instantâneo a toda e qualquer música já registrada, temos o esporte onipresente, há caixas de DVDs com tudo o que gostamos. Os momentos de lazer que já eram preciosos foram engolidos pela lista anterior e também e-mails, torpedos, WhatsApp e Facebook. Quase todos as pessoas com quem eu falo dizem amar os livros, mas que simplesmente não encontram mais tempo para lê-los. Bem, eles CERTAMENTE têm tempo, só que não conseguem gastá-lo de forma diferente.

Isto tem consequências desastrosas para nossa inteligência coletiva. Estamos sitiados pela indústria de entretenimento, a qual nos estimula apenas em determinadas direções. O sedução é sonora, visual e tátil. A concentração na palavra impressa, na profundidade de um argumento ou de uma narrativa ficcional, exige uma postura que os dependentes dos meios visuais não têm condições de atender. Seus cérebros não se fixam na leitura ou, se leem, fazem-no rapidamente para voltar logo ao plin-plin. Ora, isso é um roubo de um espaço de pensamento que deveria ser recuperado.

Alphaville, de Godard, 1965
Alphaville, de Godard, 1965

Obviamente, os meios de comunicação como a Internet nos oferecem enormes benefícios (você não estaria lendo isto de outra forma), mas nos empurram facilmente para coisas bem superficiais que roubam nosso tempo. Você viu Avatar? Você viu o que eles podem fazer agora? Podem me chamar de melodramático, mas estou começando a me sentir como protagonista de alguma distopia (ou antiutopia) do gênero de 1984 ou Fahrenheit 451, tendo meus pensamentos apagados e, pior, gostando disso.

A Cultura mudou rapidamente nesta década. A leitura está sob ameaça como nunca antes. “Escrever e ler é uma forma de liberdade pessoal”, disse Don DeLillo em uma carta a Jonathan Franzen, que o questionara muito tempo antes da chegada da Internet. “A literatura nos liberta dos pensamentos comuns, de possuir a mesma identidade das pessoas que vemos em torno de nós. Nós, escritores, fundamentalmente, não escrevemos para sermos heróis de alguma subcultura, mas principalmente para nos salvar, para sobrevivermos como indivíduos.” Exatamente a mesma afirmação, penso eu, descreve a condição dos leitores sérios.

Deem-me o meu Tolstói. Agora é guerra.

Traduzido mui veloz e livremente por mim. O original de Alan Bissett está aqui.

Imagens retiradas — à exceção da última — do maravilhoso blog O Silêncio dos Livros

de-o-silencio-dos-livros-peter-turnley-monsieur-bernard-laine-1999

Um passo-a-passo para você se livrar da turma de Giovanni Luigi Calvário pela internet e receber a Scarlett Johansson em casa

Colorado,

No dia 15 de dezembro acontecerá a eleição do Inter. Apesar do presidente já ter sido eleito em 1° turno, é muito importante que você vote para o Conselho Deliberativo, elegendo os conselheiros que irão fiscalizar o trabalho da diretoria e em 2014 decidirão se haverá ou não 2° turno. Por isso da importância de votar na Chapa 3 do Convergência Colorada.

Se você, por exemplo, mora no interior ou prefere votar pela internet, ATENÇÃO: é necessário ativar sua opção de voto pela internet até o dia 18 de novembro (domingo). Faça sua confirmação o quanto antes. Para isso, acesse: https://www.votainternacional.com.br/votacao

Caso não tenha ou não lembre da sua senha de acesso, recupere-a em seu e-mail:

http://www.internacional.com.br/socios/lembrar_senha.php

Siga os 3 passos para: 1) optar pelo voto na internet; 2) confirmar dados pessoais e,  3) receber e-mail de confirmação. Clique no 1° link da mensagem de e-mail recebida e guarde a mensagem para votar dia 15/12/2012 pelo 2° link da mesma mensagem.

Quem pode votar

Pode votar quem se associou até o dia 31 de dezembro de 2010, estiverem em dia com suas mensalidades até o dia 31 de outubro de 2012, maior de 16 anos completados até o dia da eleição (15/12/2012), nas categorias Beneméritos, Remido, Patrimonial, Paraninfo, Contribuinte e adquirentes de título patrimonial não remido do Parque Gigante, admitidos antes de 13 de novembro de 1990.

Mais informações, dúvida ou qualquer problema, ligue para o CAS – Central de Atendimento ao Sócio: (51) 3230-4600

Siga o passo-a-passo:

No site do Inter, clique na barra “Eleições 2012”:

Ou acesse direto o site http://www.votainternacional.com.br. Lá, vá na opção “Como votar”:

Leia as instruções e acesse https://www.votainternacional.com.br/votacao:

Digite seu número de matrícula (só os números, sem pontuação) e senha. Caso não lembre a senha, clique em “Lembrar senha“, para recuperá-la por e-mail:

Já logado no site, opte pelo voto na internet:

Confira e confirme seus dados pessoais:

Uma instrução avisará que foi enviada confirmação ao seu e-mail:

Acesse seu e-mail. Na mensagem do Inter, clique no 1° link para finalmente ativar seu voto. E guarde a mensagem para acessar a votação no dia 15/12 (no endereço do 2° link):

Fonte: Blog da Convergência Colorada

Depois receba a Scarlett Johansson em casa:

160 estações de rádio tocando música erudita 24h por dia, 7 dias por semana

Já que estamos no terreno da música… Vamos a um post informativo. O site com a lista e links das estações está no final do texto. Por exemplo: encontrei uma rádio polonesa que toca exclusivamente Bach, sem parar nunca. Confira a explicação, retirada da página da emissora:

Przez 24 godziny na dobę, 7 dni w tygodniu oferujemy twórczość Jana Sebastiana Bacha. Słowo “Bach” w języku niemieckim oznacza strumień, potok i takim nurtem muzycznym nadaje nasze Radio B.A.C.H. W zależności od nastroju wybierz kanał, który najlepiej “nastroi” twoje samopoczucie.

Claríssimo, não? Godziny deve ser “horas”, não? E dni , “dias”, é claro. Tygodniu seria semana? Oferujemy deve ser “oferecemos”; muzycznym seria talvez “música”, “músico” ou “compositor”; strumie obviamente não é “estrume” e sim “instrumentos” e kanał, “canal”. Entendemos tudo! Viram como sei polonês? Nem tomarei processo dessa vez! (Epa, rimou). Mas tergiverso…

Tenho certeza absoluta de que o mestre, um austero trabalhador e pai de vinte filhos, detestaria ser chamado de Jana Sebastiana — nome de comadre paraibana. (Epa, de novo). Mas sacanagem é colocarem nele um sobrenome de economista tucano.

E aqui, nesta página, está a relação de 160 estações de rádio espalhadas pelo mundo. Todas disponíveis na rede e dedicadas aos eruditos. Boa navegação!

Com especial predileção e amor por esta aqui.

Leia, mas antes multiplique por -1

Abaixo, o editorial da Folha de São Paulo do último domingo. Esclarecimento: jornalismo independente e apartidário é o deles, claro. Enviado por e-mail pelo Diário Gauche. Os comentários abaixo também são do Cristóvão.

Mais: a Folha está acusando os golpes. Sente-se ameaçada por todos os lados. Manifesta temor pela ameaça representada pelos operadores de banda larga (chamada exageradamente de Leviatã). Provavelmente esteja se referindo à entrada do grupo Vivendi (comprou a GVT), o maior grupo midiático e de entretenimento da Europa. Teme também a entrada do grupo Prisa (El País, de Madri), que faz um jornalismo menos rançoso. As teles — OI, Vivo, etc. — também se preparam para operar na web, tv a cabo e informação. O impasse é o conteúdo, que poucos têm, pelo menos para fazer frente à crise do jornalismo impresso e a erosão de credibilidade no rádio e TV.

Outro temor: a vitória de Dilma em 2010, ou seja, mais uma caquerada de anos sem a proximidade aconchegante do poder.

É duro!

Direito à informação

Práticas desleais na internet colocam em risco as bases que permitem o exercício do jornalismo independente no país

DEMOCRACIAS tradicionais aprenderam a defender-se de duas fontes de poder que ameaçam o direito à informação.

Contra a tendência de todo governo de manipular fatos a seu favor, desenvolveram-se mecanismos de controle civil -caso dos veículos de comunicação com independência, financeira e editorial, em relação ao Estado. Contra o risco de que interesses empresariais cruzados ou monopólios bloqueiem o acesso a certas informações, criaram-se dispositivos para limitar o poder de grupos econômicos na mídia.
Essas salvaguardas tradicionais se veem desafiadas pelo avanço da internet e da convergência tecnológica nas comunicações – paradoxalmente, pois esse mesmo processo abre um campo novo ao jornalismo.

Apesar da revolução tecnológica e do advento de plataformas cooperativas, a produção de conteúdo informativo de interesse público continua, majoritariamente, a cargo de organizações empresariais especializadas. O acesso sistemático a informações exclusivas, relevantes, bem apuradas e editadas sempre implica a atuação de grandes equipes de profissionais dedicados apenas a isso. Essas equipes precisam ser remuneradas -ou o elo se rompe.

Quando um serviço de internet que visa ao lucro toma, sem pagar por isso, informações produzidas por empresas jornalísticas, as edita e as difunde a seu modo, não só fere as leis que resguardam os direitos autorais. Solapa os pilares financeiros que têm sustentado o jornalismo profissional independente.

Quando um país como o Brasil admite um oligopólio irrestrito na banda larga -a via para a qual converge a transmissão de múltiplos conteúdos, como os de TVs, revistas e jornais -, alimenta um Leviatã capaz de bloquear ou dificultar a passagem de dados e atores que não lhe sejam convenientes. A tendência a discriminar concorrentes se acentua no caso brasileiro, pois os mandarins da banda larga são, eles próprios, produtores de algum conteúdo jornalístico.

Quando autoridades se eximem de aplicar a portais de notícias o limite constitucional de 30% de participação de capital estrangeiro, abonam um grave desequilíbrio nas regras de competição. Veículos nacionais, que respeitam a lei, têm de concorrer com conglomerados estrangeiros que acessam fontes colossais e baratas de capital. Tal permissividade ameaça o espírito da norma, comum nas grandes democracias do planeta, de proteger a cultura nacional.

Contra esse triplo assédio, produtores de conteúdo jornalístico e de entretenimento no Brasil começam a protestar.

Exigem a aplicação, na internet, das leis que protegem o direito autoral. Pressionam as autoridades para que, como ocorre nos EUA, regulamentem a banda larga de modo a impedir as práticas discriminatórias e ampliar a competição. Requerem ao Ministério Público ação decisiva para que empresas produtoras de jornalismo e entretenimento na internet se ajustem à exigência, expressa no artigo 222 da Carta, de que 70% do controle do capital esteja com brasileiros.

A Folha se associa ao movimento não apenas no intuito de defender as balizas empresariais do jornalismo independente, apartidário e crítico que postula e pratica. Empunha a bandeira porque está em jogo o direito do cidadão de conhecer a verdade, de não ser ludibriado por governos ou grupos econômicos que ficaram poderosos demais.

O peso relativo das palavras no Judiciário

Digamos que as palavras tenham seus pesos determinados não por sua densidade ou consistência, nem por sua massa multiplicada pela aceleração da gravidade, mas pela quantidade de leitores atentos que elas possam obter durante sua vida útil. Peço aos meus sete leitores que comparem a “perenidade dos livros” com o número de pessoas paradas e atentas em frente a um dazibao. Se, após editado, uma palavra dentro de um livro obtiver 500 leitores que passarão os olhos por ela e a compreenderão, ela terá peso menor que outra, chinesa, que terá 10.000 leitores no jornal mural chinês e que amanhã será substituída por outra. Aqui, neste texto, não me interessa a beleza ou a razão, mas o número de leitores compreensivos — adjetivo que uso na acepção que Herbert Caro utilizava em nossas manhãs musicais de sábado na King`s Discos, onde compreensivo era o intérprete ou tradutor que demonstrava empatia para procurar sempre entender o autor. Deste modo, uma palavra dita no rádio para 50.000 ouvintes também teria peso superior a de qualquer palavra escrita por um bom e ignorado escritor brasileiro.

Curioso, este assunto me ocorreu quando estava na presença de um psiquiatra forense. Tive duas sessões com ele, cada uma de quase três horas. A finalidade era a de saber se eu poderia obter a guarda de minha filha, ou seja, a de saber se eu era louco ou não. Sua opinião foi muito benigna a meu respeito e, ao final da segunda sessão, ele me comentou que achara meu processo confuso e mal montado. Montado? Ele me explicou que num processo o mais importante é a montagem e o motivo era simples. Os juízes não liam os processos, apenas davam davam um “vistaço”. Vistaço? Ah, sim, folheavam os processos, liam os títulos, algumas frases de um ou outro item e decidiam. Como? Ora, através da experiência. Os juizes então liam os processos como lemos um livro que estamos detestando, mas do qual, meio de má vontade, queremos vagamente descobrir o final? Sim, só que eles não avaliam a qualidade, apenas têm pressa.

O ambiente psiquiátrico é dos mais civilizados que conheço. Peço desculpas a meus amigos terapeutas, mas aquilo é pura diversão para alguém que nunca precisou de tratamento. A gente vai lá e tem uma boa conversa com um sujeito especializado em conviver e manipular, fazendo-nos mudar de assunto ou penetrar em coisas que nem sempre apreciaríamos, mas que ali, bem, ali vale tudo. É como uma dança. O terapeuta faz uma forcinha para um lado sugerindo uma mudança de rumo ou ritmo e nós vamos atrás; se quisermos comandar, vamos ter de enganá-lo ou convencê-lo, tarefa bem complicada, pois ele tem interesses muito definidos e normalmente dá mais importância à nossa insistência em comandar do que ao conteúdo que desejamos introduzir. Sempre saí leve das poucas consultas que fiz, pois era agradável ser “levado” numa dança em que tudo o que não precisara fazer era pensar. Deixava-me ser manipulado e gostava. Mas aquilo que ouvira era demais! Por isso, mudei de posição na cadeira e comecei a questionar. A partir do momento em que ele dissera que eu não era doido varrido e não daria muito dinheiro às pessoas de sua profissão (sim, ele O disse), eu, bem, poderia me mostrar ao natural… Então, resumindo, o processo tem de ter bons títulos, que fossem sedutores ou escandalosos o suficiente para chamar a atenção do apressadinho? Sim, claro. E letras bem grandes? Evidentemente. E os textos deveriam ser curtos e grossos? You got it.

Naquele momento, eu descobri duas coisas: (1) que perderia um outro processo e (2) que qualquer advogado de inteligência mediana saberia que não adianta escrever laudas e laudas citando Pontes de Miranda, Ortega y Gasset e milhões de artigos perdidos na teia de fios em curto circuito do “sábio legislador”, quando o melhor seria a abertura de um processo twitter, que receberia inclusive a simpatia de um incompreensivo (ainda na acepção de Caro) juiz.

Cheguei em casa e liguei para meu advogado. Perguntei-lhe quantas páginas ele escrevera (um monte!), o tamanho da fonte (10, imaginem!) e o número de títulos de itens (poucos). Stendhal dizia ironicamente que sonhava escrever como um advogado, pretendia que seus livros saíssem direto do cartório para o prelo, pois admirava a exatidão jurídica — hoje nem lida… Ali, as palavras eram exploradas em seu preciso significado, as metáforas estavam varridas, mas Stendhal, o imenso, seco, esquecido e genial Henri-Marie Beyle, faleceu em 1842, estamos quase dois séculos adiante e, apesar de os advogados tentarem manter a utilização de palavras etimologicamente corretas… hoje escrevem para não serem lidos.

Então, quando anunciam como grande coisa a informatização do Poder Judiciário, com a eliminação daquelas montanhas de processos, só posso pensar que é um caminho naturalíssimo. Há milhões de processos mal analisados atravancando as salas e agora tudo ficará registrado, e não lido, em discos rígidos. Ah, mas os juízes terão acesso mais rápido aos textos? Pode ser, porém você tem de considerar o novo suporte.

Os monitores e as janelas têm características físicas que favorecem o Reino da Desatenção que é a Internet. Tudo no computador favorece o “scanning”, a busca de palavras-chave ou trechos de interesse. Há a ansiedade da informação, há a janela em background piscando ali embaixo, tudo é difuso. Como diz este interessante site, Manifesto contra a leitura desatenta, a leitura rápida é útil, mas só leitura rápida é fútil. Eu reformularia a frase do Fred, só que a rima iria para o saco (expressão impensável juridicamente — a que saco Vossa Senhoria se refere?). A leitura não será como a do músico que lê a partitura em clusters (conjuntos, pencas) de notas conhecidas e que as toca todas. A qualidade do “vistaço” será menor ainda nos vídeos, pois a ele associa-se a pressão das janelas abertas e do fazer tudo ao mesmo tempo agora.

Então, meus caros advogados, eu sugiro que vocês deem peso a suas palavras treinando no twitter. Ou que tuítem direto com os juízes. Claro que estou brincando. Mas acho mesmo que o sucesso do twitter deve-se à diluição da atenção provocada pelo suporte onde trafegam textos que são só mais ou menos lidos. 140 caracteres é um bom número para um “vistaço”.

Obviamente, tudo isso NÃO passou pela minha limitada cabeça enquanto estava sentado na frente do psiquiatra forense, até porque, ainda que estivesse arguindo, estava com resquícios daquele clima bom de dança. Todavia, fiz-lhe as perguntas decisivas, aquelas duas óbvias, as que não iriam calar. Como então eles decidem? Ora, pelo senso comum, sem atentar a detalhes. Essa era a resposta que temia ouvir e suas consequências nefastas dariam assunto para vinte posts. Poderia abrir um curso para advogados, pois o peso, a importância de suas palavras será diretamente proporcional à aderência, fingida ou não, ao senso comum. Quem estiver mais perto de nossa tradição cultural, de nossos costumes e do Programa Raul Gil irá vencer. Meu curso prometeria aos advogados que suas palavras teriam o insustentável peso de uma palavra de juiz. E fiz-lhe a outra pergunta. Juízes fazem psicanálise? Sentem-se culpados? Eu achei que ele apenas riria e já até olhava para um canto qualquer quando ele, rindo muito, cruzou as pernas e respondeu com uma frase avassaladora. Não precisam, a maioria vai à igreja.

Eu não era louco, mas me deu um desejo incrível de morder o pé do psiquiatra, que balançava satisfeito, disponível, bem na minha frente, divertido.