Nosso blog tem a honra de abrir espaço para para a irmã de Alma Welt, Lúcia Welt. Dentro da maior civilidade, ela veio não apenas prestar esclarecimentos sobre a existência de sua irmã. como explicar as lamentáveis circunstâncias de sua morte. Ontem, houve fortes questionamentos a este respeito por parte de nosso leitor Jorge Lima, inspetor real de polícia ora envolvido informalmente num caso a meu ver ficcional, assim como, em tom irônico e compreensivo, de Luís A. Farinatti, professor do Departamento de História da UFSM, especialista em história agrária, da família e social do Brasil Império.
Prezado Milton Ribeiro
Eu sou Lucia, irmã da saudosa Alma, Poetisa maior do Pampa, e gostaria de esclarecer algumas coisas sobre o “mistério Alma Welt”, já que é o que está se tornando a sua trágica e prematura morte, aos 35 anos , no auge de seu talento e beleza.
1°- Meus avós, Joachim e Frida Welt, agricultores alemães imigrados dos Sudetos da Tchecoslováquia antes da segunda grande guerra, depois de décadas na região de Blumenau SC compraram uma estância pampiana no extremo sul do país e foram pioneiros na plantação de um vinhedo no Pampa, de que agora há muitos outros exemplos.
2°- Por razões que por enquanto não devo esclarecer, a cidade do Rosário do Sul foi usada apenas como uma referência deliberadamente falsa, pois eu não quis que identificassem a verdadeira cidade mais próxima da região de nossa estância. Assim também o citado delegado Benotti é um nome falso (por razões de segurança) de uma pessoa real, de outra cidade.
3°- Um comentador referiu-se ao nosso poço da cascata (onde Alma se afogou) como uma “cachoeira”. Nem Alma nem eu nunca nos referimos a essa cascatinha como “cachoeira”. E ela em si, não é “perigosa”. Há um riacho aqui na nossa estância que depois de uma pequenina cascata de três lances forma um “poço” (laguinho) mais fundo onde Alma se afogou colocando um laço em seu pecoço e a ponta da corda de 150cm a uma pedra de mais ou menos 40cm de diâmetro que a arrastou para o fundo quando ela a deixou cair do alto de uma pedra mais alta da margem que fica perto do centro do “poço” .
4°- Devo protestar quanto à tua afirmação de que as obras da Alma não chegam a ser obras-primas. É claro que nem tudo é e nem poderia ser, mas se mergulhares nesse mundo de textos, verás que há muitas, sim, muitas obra-primas. E o conjunto forma um todo monumental, conquanto sejam obras de caráter intimista (contradição em termos, eu sei) e confessional. Mas o encanto da obra da Alma é justamente que ela consegue transcender o mero personalismo e, mormente os sonetos, permite uma leitura no plano simbólico universal. Ela seria o que Keats chamava de “egotista sublime” (ele se referia ao seu contemporâneo Wordsworth) um tipo de poeta de que temos inúmeros exemplos, sendo o maior o grande Walt Whitman, embora também Florbela Espanca.
5°- O famoso artista plástico e tambem escritor e poeta cordelista Guilherme de Faria (66), descobriu a Alma e sua obra literária em 2001, em seu ateliê de pintora na região dos Jardins, onde ela morou e trabalhou entre 1999 e 2005. Ela chamava esse período de seu “auto -exílio paulistano” motivado pela dor da morte do nosso Vati (papai), que era um médico que não se dedicou à medicina, e era um pianista clássico amador de grande talento e hablidade, mas que só tocava para a família. Quanto ao mestre Guilherme, não fez somente gravuras, mas muitos retratos dela em pintura a óleo sobre tela (vide seu blog), bem como magníficos desenhos a pincel e nanquim que captam de maneira magnífica o belíssimo perfil de minha irmã, e outros, o seu corpo inteiro, quase sempre nu. Até hoje ele está na sua “fase Alma Welt”, pois ele a amou e a considera a sua “última e definitiva Musa” (como ele diz).
Se precisarem de mais esclarecimentos, estarei à disposição com prazer, aqui, se me permites, ou no meu blog. Digo isso porque vejo que trataram Alma com respeito, principalmente por sua obra, que realmente está acima de dúvidas e controvérsias. Estou grata.
Abraços a ti e aos que amam ou respeitam a Alma.
Lucia W
J T Leroy
Correu tudo bem com na exibição de Maldito Coração, baseado no meu livro The Heart is Deceitful Above All Things, em Paraty. A cidade é uma pérola morta rediviva banhada por um Atlântico suave e circundada pela exuberante paisagem tropical. A transposição de Asia Argento foi boa, até onde pude ver – para suportar o assédio, depois de passar o dia inteiro dando entrevistas para uns jornalistas bocós, totalmente avessos à literatura e desconhecendo qualquer coisa da América além da Estátua da Liberdade e torres gêmeas do WTC, tomei dois speeds, de forma que, a partir de certo momento, vi somente manchas e distorções na tela; quanto a ouvir, acho que ninguém ouvia nada, pois o som do cinema improvisado em um barracão era horrível.
Alojaram-me em um desses hotéis adaptados de casarões de antigas famílias de contrabandistas no que chamam de centro histórico da cidade, quando pouca há mais além desse dito centro. Durante o evento, rolam festas caretas, a música é local e insuportável, as pessoas capricham em suas máscaras cultas e as conversas são quase sempre em português, uma língua impossível de entender.
Laura telefona-me pela manhã, pergunta-me como vão as coisas. Digo que estou como o narrador de Cold Turkey, e preciso urgentemente de um ácido ou qualquer coisa mais forte. Há uma bebida local de enlouquecer, denominada cachaça, vendida em qualquer esquina, droga fortíssima; se não provoca alucinações, fornece uma embriaguez a princípio alegre, depois pesada, e, por fim, vômitos horripilantes. Conheceu alguém?, ela pergunta, eu respondo, Sim, uma poeta daqui, de sobrenome alemão, creio eu, mas não posso afirmar com toda certeza, foi logo após o final da projeção, estava abraçado com Asia Argento embora tenham dito para mim que ela não viria de maneira alguma, porque estava filmando na Hungria.
Esta não é apenas uma cidade fantasma; está cheia deles, alguns vivos, outros mortos, gente que nunca esteve aqui, que nunca verei porque eu mesmo, depois de mais umas cápsulas, sinto-me levitar, expandir, até que volto para a América, de onde nunca devia ter saído ou deveria muito antes, quando não fosse tarde demais, mas logo foi e minha vida ficou por ali, como que espremida entre uma página e outra de um livro ruim.
Poema psicografado de Alma Welt
O SOL É LINDO
by caboclo Ramiro
Os carros
estão guardados,
lavados e segurados.
As crianças, na lata do lixo.
Tudo tá bom. Tudo tá zen.
E o sol – é lindo.
Poema psicografado de Ramiro Conceição
LÁ VEM O SOL
by Pomba-gira Nunes
No tempo das carruagens
as virgens eram guardadas
em vestidos de mil laços
Quando vinha a manhã
o sol iluminava os casarões
onde as polacas escondiam
suas belas peles brancas
dessa luz tropical que fere
o desejo fica – embaixo das rodas
Poema psicografado de Marcos Nunes
eU SeGUiIRei O SoL
by Mãe Ribeiro
Embaixo das rodas e das saias
Unter die Räder und Röcke
da branca Alma
der weißen Alma
há as pedras e as vontades
es gibt Steine und Wills
que a afogarão na memória
ertränken die Erinnerung
de todos os escritos e blogues,
alle Schriften und Blogs,
que faria Guilherme.
das Wilhelm würde.
Poema psicografado de Milton Ribeiro
by C. Côte du Soleil
Patrocínio: Lacoste
Minh’alma sem grilhões
de corpo esquálido
volteia fluida
ressurgirá num átimo
e poetará serena
versos calados
prematuramente.
(E não venham me falar em metempsicose)
Já confessei aqui o meu fracasso em elucidar o Mistério Alma Welt, mesmo tendo aberto há meses um blog com essa finalidade. Ainda não cheguei a uma conclusão, tanto mais que acabo de receber através de um e.mail nitidamente falso este notável soneto em acróstico que fui imediatamente conferir com o mestre poeta e pintor Guilherme de Faria, que veemente e indignadamente negou a autoria. É curioso perceber como o veterano artista se emociona ao falar de sua grande musa, a cuja imagem e memória está dedicado em magníficas telas desde que a conheceu e amou. Entretanto, como contribuiçao ao debate, e por sua curiosidade e engenho, transcrevo aqui o citado soneto mesmo que apócrifo:
Quem sou
Gostariam de saber quem mesmo sou,
Um bardo ou poetisa delicada
Interiorizando um grande show
Literalmente ao longo da jornada.
Herdei, confesso, o estro e o resto,
E devo tudo à Alma peregrina
Resoluta, rebelde e feminina
Mesmo que acabe num protesto
E revolte alguns dúbios sentimentos
Fazendo com que me dêem as costas
Aqueles que choravam meus tormentos,
Rindo também se alegre estava,
Indicando minhas vitórias nas apostas
A que dei tanto valor quando jogava…
A Associação dos Poetas Rosarienses, segundo me disse um de seus integrantes, está consternada por desconhecer a pessoa e a obra de Alma Welt e mais ainda por ela nunca ter feito parte dos quadros da instituição.
Lúcia Welt para Jorge
mostrar detalhes 16:09 (32 minutos atrás)
Caro Jorge
Como eu expliquei, nada temos com a cidade de Rosário do Sul ,que Alma escolheu quase que aleatoriamente para despistar a verdadeira cidade mais próxima da nossa estância. Talvez tenha sido um erro dela citar uma cidade real, existente, e não criar uma, como fez o Érico ao criar a sua Santa Fé. Vejo agora as implicações, e só desejo que os rosarienses, principalmente os poetas de lá não levem a mal. Acho que na verdade eles não têm do que se ressentir pois Alma quase nada fala da cidade em si, embora conte o caso do suicídio de um padre como se fosse de lá, e depois, numa continuação do conto, sua expulsão da igreja e sua discriminação pelos habitantes depois desses fatos. Nada disso ocorreu em Rosário.
Se um membro da Associação dos Poetas Rosarienses ficou consternado (como dizes) por não conhecer a Alma Welt, isso me parece um bom sinal, não? Quer dizer que ela não foi rejeitada de saída, e que talvez ele vá procurar conhecer. Quem sabe…
Se os poetas rosarienses chegarem a lamentar que ela não seja de lá, então… será a glória.
Como podes perceber, estou empenhada há anos (com a colaboração do Guilherme de Faria, o artista paulistano que a descobriu e lançou) na divulgação póstuma da obra da grande poetisa minha irmã. E por isso estou grata por estares, caro Jorge, te envolvendo também, de maneira cética, mas simpática.
Abrs
Lucia
Para os seus eleitos “sete leitores”, caro Milton, mesmo eu sabendo bem não ser nisso que consista o “Mistério Alma Welt”, quero ressaltar que, apezar de sua branca e doce beleza, Alma tinha uma faceta gótica legítima em sua personalidade, pois oriunda da nossa herança familiar germânica. Como tenho encontrado ultimamente muitos sonetos dessa sua faceta, permita-me publicar aqui alguns recentemente encontrados por mim na Arca da Alma, e que pretendo compilar sob o título genérico de
A DANÇA MACABRA DE ALMA WELT:
O bobo na colina (de Ama Welt)
Longe dança o bobo, de contente,
E o vejo e aos outros na colina
Em silhueta no cenário do poente
A que meu ser no âmago declina.
Meu coração rejeita esse cordão
De desgraçados e teme o que ilude
Nessa dança macabra de roldão
De que fugi até agora como pude.
Sei bem quem é o tal bobo sinistro
Disfarçado de coringa esfuziante
E que na falsa dança segue adiante
Envolvente como um sutil jogral,
Mas que é o ardiloso e vil ministro
Do rei que nos quer o bem e o mal…
08/01/2007
O cavaleiro (de Alma Welt)
Quando guria eu andava pelo prado
A colher flores do campo, já contei,
Mas algo aqui eu nunca revelei
Que é como encontrei-me com meu Fado.
No meio da extensa pradaria
Vinha vindo o cavaleiro embuçado,
Até que ao deter a montaria
Pude sentir-lhe o hálito gelado:
“Alma, continua a colher flores,
Já que tens o dom da arte e da poesia,
Mas não terás sossêgo nos amores.”
“Com convivas, trinta e cinco, e uma vela,
Espera-me à mesa, eu volto um dia
Pra levar-te, prenda minha, nesta sela”.
02/01/2007
Fiquei estarrecida quando encontrei este soneto. E tive que chorar novamente. Ele evidencia como Alma sabia de sua morte próxima, no dia 20/01/2007, e das circuntâncias de seu velório sobre a mesa de nossa sala, com a vela acesa e os convivas: os trinta e cinco anos fecundos de sua vida. Aproveito para republicar aqui o soneto “Visão”, do dia 03/01/2007, que complementa esta premonição sobre o o inaudito e espantoso velório nu da Alma. (Lucia Welt)
Visão (de Alma Welt)
Ser a musa eternizada do meu pampa!
Cantar, celebrar e endoidecer
De tanto amar até saltar a tampa
Do coração e da mente, e então morrer!
Nua, estranhamente, sobre a mesa
Estendida me vejo, uma manhã:
Um desfile silencioso me corteja
De peões, peonas e algum fã.
Mas olho o meu corpo de alabastro,
Absurdo e belo ali, e não à toa
Eu noto algo nele que destoa:
Sobre a alvura do pescoço bailarino
Uma faixa vermelha como um rastro
Da corda que selou o meu destino…
03/01/2007
02/01/2007
A Usurpadora (de Alma Welt)
Após a queda, retorno ao casarão,
Que andara pelo mundo, peregrina
Em busca de algo numa esquina
Que mesmo aqui estava, neste chão.
De meu feudo a Morte me expulsara,
Não me queria aqui sem o meu Vati.
Da Infanta destronada se livrara,
Que me tornara amarga como o mate…
A Usurpadora lágrimas não quer,
Um pé lá, outro na vida, qual anfíbia,
Mas na macabra orgia é só mulher,
Devassa, sinistra e falsa amável,
A vi tocar um violino numa tíbia
Na sala do defunto inigualável…
10/06/2005
Canção sinistra (de Alma Welt)
Chegamos ao fim, não tem mais jeito,
O mundo se acabou e já o vemos,
O Mal é burgomestre ou o prefeito,
O caos se instalou e é o que temos.
Corram, corram, amigos desta aldeia
Aí vêm do tirano os quatro esbirros,
Foices já não brilham, e a cara feia,
Respingadas pelo sangue dos espirros.
Um corvo ali crocita no patíbulo
Mas a madrugada ainda teremos,
Vamos todos juntos ao prostíbulo.
Dancemos, cantemos e bebamos
A manhã por certo não veremos.
Ah! A vida foi tão breve e já nos vamos…
17/01/2007
Tempestade (de alma Welt)
Vê: o céu se adensa e escurece,
Procelárias se agitam sobre a face
Que se ergue na mais sinistra prece
Prevendo o iminente desenlace.
O mar se turva e mais se encrespa
E as ondas lançam brados de loucura
Enquanto um ribombo força a fresta
De um teto de chumbo sem pintura.
Então o caos se instala e ai de nós
Neste pequenino barco rubro
Que não passa de vã casca de noz
À deriva, a medo, e sem poesia,
Se o vórtice indigesto de um tubo
Nos devora em ânsias de agonia…
14/09/2006