Como o soldado conserta o gramofone, de Saša Stanišić

O livro de um bósnio que fala da Guerra dos Balcãs com a poesia possível. E muita poesia é possível naquele país de loucos, festas e guerras. Um livro cheio de ideias intrigantes e metáforas amalucadas que só, talvez, um bósnio pudesse criar. Cômico, pitoresco, comovente e trágico como um filme de Emir Kusturica, o romance é dividido em três partes para contar a história da infância e juventude de Aleksandar. A primeira parte narra a história de sua família em Višegrad, com especial afeto para com a figura do vovô Slavko, um nacionalista sérvio seguidor de Tito, que inspira o neto a contar histórias. Vovô Slavko morre enquanto a Iugoslávia sucumbe (1991), obrigando a família a emigrar para a Alemanha, fugindo da guerra. Filho de mãe muçulmana e pai sérvio (como o autor), não é adequado permanecer. A segunda parte é catalisada por um pacote de lembranças do avô, enviado a Aleksandar pela vovó Katarina, que permaneceu em Višegrad. Quando tudo era bom — um livro dentro do livro — é dedicado ao avô e é uma nostálgica reconstrução da vida anterior à guerra. A terceira parte conta como Aleksandar, adulto, retorna para sua Višegrad, tentando juntar os cacos do que já não existe mais e conhece o tio Miki, por demais informado sobre os crimes de guerra. Aqui, há o episódio inesquecível de um jogo de futebol entre sérvios e bósnios durante uma trégua. Contado de forma mirabolante e cômica, é o ponto alto do romance, assim como fora a história da amizade de Aleksandar com o italiano Francesco na segunda parte.

O ambiente é alegre, principalmente porque visto sob os olhos de uma criança e da nostalgia, mas o país, a cidade e Aleksandar sofrem com uma guerra onde mistura-se o ódio étnico (entre bósnios, sérvios e croatas) e o religioso (entre cristãos, muçulmanos e ortodoxos).

A ponte do Drina, rio-personagem que banha Višegrad. Dela, foram jogados
milhares de corpos. O rio da vida do vovô Slavko torna-se cemitério.

Bem, porém este é um blog cujos temas emergem conforme a vontade e o humor de seu autor. Hoje não quero falar sobre limpezas étnicas, OK? Bem, o ambiente de festa dos filmes de Kusturica deve ser mesmo o bosnian way of life

No exterior, as pessoas pensam que nós estamos sempre festejando por aqui. (…) Isso não corresponde muito bem à verdade, pois em algum momento temos que arrumar o que ficou desarrumado com os festejos.

O trecho acima vem logo antes de uma festa para a inauguração de uma privada nova, a primeira privada interna da casa.

Conheci Saša Stanišić em Porto Alegre. Tem apenas 31 anos e escreveu seu livro aos 28. Ele me foi apresentado pelo tradutor Marcelo Backes. Sim, o livro é em grande parte autobiográfico e possui algumas poucas falhas que coloco na conta da pouca idade, mas… que escritor ele poderá tornar-se, que imaginação! É original foi escrito em alemão, pois Saša (diz-se Sacha) vive na Alemanha, mas as metáforas e o ambiente regado a…

Autumn has arrived, along with the need for comfort,
delicious rich foods and of course hot plum brandy “sljivovica”.
Before 5PM it is medicine, after 5PM it’s alcohol
. )

… não pode ser mais bósnio. Vale a pena ler!

10 comments / Add your comment below

  1. BALANÇO
    by Ramiro Conceição

    Quer queira ou não – seja ateu ou cristão -, estes dias em nossa cultura são aqueles de “balanço”. Então eis aqui o meu; quem quiser que faça o seu (com a permissão da sua costumeira delicadeza, Milton…).

    Tive um ano foi excepcional!
    Meu filho Isaac nasceu em Fevereiro, enquanto eu preparava dois cursos de Engenharia para o Ifes (Instituto Federal do Espírito Santo). Assim meu primeiro semestre se deu entre a pirometalurgia e uma quantidade ao infinito de fraldas. Adorei!! Amei muito minha mulher, mas principalmente meu filho em crescimento. Amei também muito este Blog: o senhor Milton Ribeiro refinou a sua escrita que, para mim, já merece um livro com editora e tudo.

    Aconteceu o segundo semestre…
    Ministrei meu primeiro curso de mestrado stricto sensu. Foi um sucesso! Fui convidado para ministrá-lo, em 2010, na AcelorMittal Brasil – proprietária da antiga CST, Companhia Siderúrgica Tubarão, que foi vendida quando a social-democracia efetuou a mais colossal sangria estatal só equiparada ao período do império neste país -, à “engenheirada” da multinacional. Cobrarei muito bem cobrado! Se não quiserem me pagar: deixa estar (sinto-me livre)!!!
    Outra fato importantíssimo foi que conheci neste Blog, dois escritores excepcionais: o Charlles Campos e o Marcos Nunes (já aviso de antemão, para evitar qualquer punhalada, adotei simplesmente a ordem alfabética para a escrita dos nomes).

    Finalmente, a Poesia brindou-se em mim todos os meses com a sua presença. Escrevi o que me preparei muito para sê-lo. Chegou o tempo da colheita do além de mim: 2010, se me for permitido, é o tempo do “ Jardim do Castanhos” (no mínimo 150 poemas!!).
    Desta maneira, só posso desejar a todos – companheiros e companheiras de viagem neste Blog – muitas felicidades!

    PS: Na madrugada de amanhã, estarei a caminho de Pinheiros (cidade de minha mulher, Ângela, e que fica quase na fronteira entre o Espírito Santo e a Bahia. Lá estarei entre mamões, gado e seringueiras. Levarei a lamparina da Poesia comigo; se ela resolver se manifestar – brilharei!

    1. Ramiro…Ramiro! Quando tais palavras de afeto e lirismo aparecem por aqui (e vou restringir a coisa: NESTE blog, já que minha aversão pela net me limita a só frequentar este espaço), mexe com alguns de meus conceitos mais arraigados! Há pouco recebi um email do Milton, acompanhando um comentário do Arbo, em que informavam cordialmente uma pequena influência minha sobre a conversa que rolou entre eles e suas opções de leitura. Simples palavras enviadas pelo éter virtual, escritas às pressas, ou talvez não, mas no estilo mais passageiro possível; e lidas por mim da mesma forma: com a delicadeza de não ultrapassarem a devida margem de importância. Mas quando, na noite, ouvindo Sígur Rós, deitado cabeça a cabeça com meu cão no reservado_ estando esposa e filho dormindo_ me peguei devaneando que seria uma ótima coisa se, futuramente e sob a mais espontãnea das ocasiões, nós que aqui frequentamos tivessemos a chance de um encontro, pessoal, animado, cheio dos pensamentos observatórios de nossas chatices e maravilhas que só aos amigos não passam batido, e que só os amigos perdoam com ternura. Daí me lembrei a ironia da situação, pois até o Sigur Rós foi indicado por um colega virtual ( o Victor); e parte de meus novos livros na estante, dos 4 ou 5 que compro por mês, só passei a conhecê-los após a experiência deste encontro via net.

      Meu balanço este ano_ coisa que aliás não costumo me importar em fazer_, não podia ter deixado de ser maravilhoso, pelo que tenho lá deitado no berço, aquele gênio ou sábio ou o mais extraordinário dos elegantes, que é o Eric. Se existe algo similar á pureza de um paraíso procurado, onde cordeiros e lobos andem juntos, é quando estamos eu, ele, deitados no quintal, e os dois gigantes dos meus cachorros, que parecem tão ferozes para os de fora, estão ao lado do Eric_ como eles são carinhosos com o pequeno, como são infinitamente prestativos e atenciosos, e como o Eric reconhece isto. A felicidade está no cheiro deles, cada um rico em texturas, a maior parte agradavelmente hipnótica, e eu enfio meu nariz na nuca do Eric, respiro fundo, depois me enrolo com o Miles e o Duke, e sinto a delícia de suas linguas passando pelo meu rosto. E não sei o que dizer além de que afasto para longe os enganos e engodos de minha preciosa cultura literária e agradeço a Deus por isto, por esta simplicidade corporal onde cada informação é uma bíblia, como diz o Gular, cada toque pesa toneladas de luz.

      À parte emprego e rendas financeiras, para as quais só valorizo como sustento para as coisas realmente importantes, e que no fundo não importo necas com dinheiro e a tal da vida que se mostra, todo esse ano foi maravilhoso. E aí vem o tal blog do Milton Ribeiro, que conheci por puro acaso, pesquisando sobre Bolaño, e que por puro acaso reconheci o valor quando minha gana era desligar o computador e retornar ao livro que estava lendo. Esse blog serviu-me para reanimar minha fé na escrita, que já havia se atrofiada, e me fez adiantar um propósito que havia adiado para um futuro indeterminado, que é o de terminar um romance de 600 páginas com uma nova garra, uma nova energia. Você, o Milton, o rabugento do Marcos (cheio de manhas!), e os outros tantos, talvez nunca venhamos a nos encontrar no final das contas_ o que de certa forma contribui para um inédito encanto_, mas já frequentam meu dia a dia nessa vertente moderna de uma nova forma de amizade (não se preocupem ,não vou pedir dinheiro emprestado!) mais do que julgava possível obter da frieza vaidosa da net.

      Agora estou saindo para passar duas semanas em São Sebastião do Paraíso, em Minas Gerais, ficando apenas e tão somente no mundo físico neste período. Só um livro na bagagem, o Montanha Mágica, que peguei para folhear e já estou a 250 p de acabar a releitura. E vou parar por aqui por que tá muito banhado na viadagem de natal. Mas não consigo partir sem desejar para você, Ramiro (um poeta deslumbrante!), para o Milton, o Nunes, Farinatti, Rômulo, caminhante… Um FEE…ops: foco e serenidade, é o mais importante. Paz, alegria (nada da Felicidade cansativa e hipócrita), e um pouco de ódio também. Amor acima de tudo, fé, mas um pitadinha de ódio para equilibrar as coisas…

      Abraços!

      1. Pô, estou comovido com o que li acima do Ramiro e do Charlles. Muito bom ler coisas assim de vocês, grandes amigos meus, benignos e exagerados amigos na consideração que têm a meu blog.

        Boas festas e muita saúde a vcs e aos pequenos Isaac e Eric.

    1. Sempre que utilizares a palavra daltônico, refira ao fato verdadeiro, indiscutível e genético que nos leva a ter a genitália avantajada. Espalhe por aí.

      Boa viagem!

  2. Não me sinto à altura de escrever uma retrospectiva aqui, mesmo porque meu ano não foi tão luminoso. Então, limito-me a agradecer a lembrança e expressar meu sincero desejo de encontrá-los neste mesmo bat-site no ano que vem! 😉

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