Comércio crítico na Veja

Há algumas semanas — 2 ou 3, porque vi a tal revista na casa da minha irmã, na praia, durante a a virada do ano — , li uma crítica de Alcir Pécora a um livro de Mário Sabino. Normal, não? Nada normal. Analisemos mais a fundo: Alcir Pécora é um desses intelectuais acadêmicos paulistas supermetidos que devem frequentar diariamente a Mercearia São Pedro, saindo de lá sempre com ou três livros a mais em sua bibliografia. É um cara respeitado, ouvido. Nada lido, é certo, mas respeitado, como rotineiramente os acadêmicos são. Ou seja, obter uma crítica elogiosa de Pécora é receber um importante aval em alguns círculos. E o criticado, recebedor dos encômios desta verdadeira grife literária é Mário Sabino, o qual, nas horas vagas, trabalha como editor-chefe de Veja. E a crítica, pasmem, saiu na revista Veja.

Devo ser muito antiquado e tolo. E ético. Nunca, mas nunca mesmo eu colocaria uma crítica a um livro meu numa revista pela qual sou o responsável. Ainda mais que a revista paga a seus articulistas. Em outras palavras, Sabino pagou uma resenha favorável a Pécora. Ou alguém acha que Sabino e Veja publicariam uma opinião não laudatória? Não li o livro de Sabino — aliás, nem lembro o título — mas me chamou a atenção o fato de que resta à Pécora um pingo de honestidade… Notem como ele dá a grife e recebe a grana, mas é pudico, contido.

Seu principal ato falho é o de dizer que, dentro da obra literária do editor-chefe de Veja, há títulos interessantes. Ora, qualificar livros de interessantes é o mesmo que chamar a namorada feia do amigo de simpática, é o mesmo que dizer a um fã apaixonado que o filme não é ruim, é interessante. Mas há outros: Pécora fala na “inteligência da abordagem” e que Sabino “entregou destemidamente à narrativa as rédeas de seu andamento”. Se Pécora é uma autoridade e gostou do livro, saberia destacar coisas mais interessantes do que este punhado de lugares-comuns. Será que Sabino deu-se conta de que o trabalhinho ficou mal feito? Ou a vaidade só entende o que deseja entender?

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  1. Mais do que trocar favores, a revistinha paga e recebe por.
    Basta acompanhar mais atentatamente os anunciantes e as referências positivas que se seguem em edições posteriores. A última e mais falada foi a publicidade da Gripen (a tal construtora do jato que concorre com o Rafale e com o F-28).

    1. Olha só:

      A Boca da Verdade, de Mario Sabino

      Por Alcir Pécora

      Um sopro diabólico
      Os contos de A Boca da Verdade, de Mario Sabino, arrancam
      máscaras, revelam desajustes, e confirmam a inteligência do autor

      Após estrear em 2004 com o romance O Dia em que Matei Meu Pai, Mario Sabino, redator-chefe de VEJA, tem se dedicado ao conto. Foi assim em 2005, com O Antinarciso, e agora no recentemente lançado A Boca da Verdade(Record; 144 páginas; 29,90 reais). São títulos interessantes que revelam um temperamento literário bem acima do cipoal anódino que tem travado o gênero.

      Para apresentar o novo livro, pode-se recorrer à própria divisão em três partes em que estão distribuídos os contos. A primeira delas, Inexistências, reúne textos curtos em torno da morte dos pais, e em especial do pai. O tema é recorrente na literatura de Sabino e se expande para outras representações da autoridade, como o saber, a superstição e o amor familiar. São especialmente bem-sucedidos os contos nos quais a repulsa ao pai ou o desmantelamento da função de autoridade se materializam em imagens simultaneamente objetivas e afetivas, como a dentadura mal ajustada à boca ou a má hora de uma ereção.

      A segunda parte, Recortes, não traz exatamente contos, mas fragmentos alegóricos, cujos núcleos de ação funcionam como dramatização de temas filosóficos e psicanalíticos, conduzidos de modo a ressaltar seu caráter insolúvel e paradoxal. Neles se acentuam, por exemplo, a contingência da moral, a crueldade da conquista amorosa, a cadeia comunicativa entre genética e afetividade, a sedução sempre a par do horror de viver. Esse conjunto, entretanto, demandaria talvez maior abstração, e igualmente doses mais concentradas de violência, como, por exemplo, Samuel Rawet logra realizar.

      Representações dá título à terceira parte. São contos mais longos e também mais desenvolvidos em suas circunstâncias ordinárias de pessoa, tempo e lugar. O tema comum é a presença demoníaca que imanta objetos de cultivo artístico, de distinção profissional ou de devoção íntima. O efeito principal dela é o desengano de qualquer justificação edificante de seus meios ou fins. Assim, o advogado na iminência de aplicar um golpe no patrão que o lançou na carreira, o papa que dirige sem fé a instituição eclesiástica e o artista confortável em sua mediocridade recebem todos o sopro diabólico que lhes revela a face vazia de sua vocação mais íntima. A inteligência da abordagem e as questões relevantes dos contos têm por vezes, como contrapasso, certo aspecto programático, ilustrativo, que torna os contos obedientes à demonstração conceitual. Nada contra o conceito, claro. Mas para que ele obtenha eficácia literária é preciso que entregue destemidamente à narrativa as rédeas de seu andamento.

      Obs. de Milton Ribeiro: Aqui eu cometo um erro, pois o que Pécora quer é uma “entrega destemida”. Ela não haveria em Sabino. Mas é um pequeno senão que não muda muito. Tá bom para quem, como eu, fez uma anotação à lápis na margem do livro que está lendo…

  2. O Nassif já havia mostrado como a revista, tempos atrás, mudou o critério para a aferição dos mais vendidos, conseguindo, com isto, incluir um livro do Sabino na lista.

  3. Há anos que o que acontece na revista Veja não passa de uma masturbação interna, um bacanal recíproco em que os carimbinhos da mediocridade criam um mundo próprio, que não condiz com a realidade, em que o Reinaldo é um gênio afiado, o Mainard um Voltaire de lucidez única e arrasadora, a Lya o oráculo do bom senso ético, e por aí vai. Não há leitor, o mais passivo possível, que não perceba isso. Basta ver as cartas aos leitores, só são selecionadas aquelas de uma qualidade laudatória que confirmam o quanto esses bebezinhos crescidos se satisfazem com suas trocas de afagos circulares e pudicos. Ao lado deste livro do Sabino (como chama mesmo?), foi alicerçado no topo das grandes obras contemporâneas o do Reinaldo, com “pérolas” e aforismos imortais. Eles manipulam a lista de best-sellers, ou brasileiro é mesmo um trouxa, para ter vendido um exemplar sequer do Lula é Minha Mula, do Mainardi, o revolucionário de butique, depredador de bancos com seu Rolex e botinhas italianas (você poderia, Milton, para reforçar esse universo paralelo da Veja, publicar aqui a matéria laudatória ( e constrangedora), sobre o Mainardi, em que o articulista faz questão de salientar essas características acima). Não é o assunto, por isso vou só cabotear: não há revista semanal de qualidade no Brasil; a Carta está pouco acima da Veja, não crio mais ilusões sobre ela.

  4. Ah! (Se o Serbão me desculpar)

    Num dos post do Serbão sobre essa revista, fiz um comentário sobre outro redator “genial”, o Sérgio Martins, o quanto ele foi abençoado amplamente pelas ordas celestiais com uma poderosa energumidade. Passados uns dois meses, vejo na minha caixa de email um recado do Serbão, informando que o grande Martins havia feito um réplica condenando minha crítica. Recomendei ao Serbão um post sobre essa atenção inesperada a nós, simples mortais, por um gênio do qui-late do cujo, mas nada. Mais nada.

  5. Uns dois anos atrás, tive o desprazer de assistir a uma palestra do Alcir Pécora sobre sua opinião contra a teoria da literatura para os estudos literários. O mais chocante é que parecia que eu era a única que estava indignada com aquela fala. Não vou aqui falar da importância da teoria da literatura para a pesquisa, venho aqui para dizer que esse cara se passa de intelectual e fala muita asneira.

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