Além das datas religiosas, não creio haver outro feriado nacional dedicado a um personagem de ficção. O Bloomsday é um feriado comemorado no dia de hoje, na Irlanda, em homenagem ao livro Ulisses, de James Joyce. Atualmente, a amplitude do Bloomsday ultrapassa em muito à esfera de Ulisses. É, em verdade uma data em que se homenageia toda a literatura. Só os joyceanos absolutos — dentre os quais humildemente me incluo — relembram os acontecimentos vividos pelos personagens de Ulisses por dezenove ruas da cidade de Dublin e dezesseis horas no dia 16 de junho de 1904. Para os leitores restantes de todo o mundo, é a data em que se comemora toda a literatura.
Há controvérsias sobre quando o Bloomsday começou. Alguns especialistas indicam 1925, três anos após o lançamento do livro; outros dizem que foi na década de 1940, depois da morte de James Joyce. A hipótese mais aceita indica é que foi em 1954, na data do quinquagésimo aniversário do dia retratado em Ulisses.
Joyce escolheu o dia 16 de junho para ser imortalizado em sua obra porque foi nesse dia que ele teria mantido relações sexuais com sua futura companheira Nora Barnacle, na época uma jovem virgem de vinte anos. Estudiosos afirmam que, na verdade, o casal apenas “caminhou junto” pela primeira vez neste dia. O que sabemos é que, quando da primeira relação sexual, Nora teve medo de completar o coito e o masturbou “com os olhos de uma santa”, como Joyce relatou em carta.
Ao lado dos devotos de Joyce, criou-se uma curiosa seita de tementes (ou hostis) a Joyce. É como se sentissem obrigados àquilo — a tentar entendê-lo totalmente ou repeti-lo. É uma tolice bastante difundida. Ulisses é tão irrepetível quanto a Arte da Fuga de Bach e sua leitura, para o leitor comum, é tão necessária quanto a audição de A Arte para o ouvinte de iPods. Apenas fico desconfiado quando um autor nega-se a conhecer a obra. Porém, como há historiadores que preferem desconhecer largos períodos…
Mas tergiverso. Assim como falta-nos tudo para que nossa cultura recrie um Bach, assim como algumas obras deste são tão impenetráveis e intricadas que alguns dizem terem sido escritas mais para a leitura de eruditos do que para a audição, o livro de Joyce é um complicadíssimo monumento cultural do qual temos a impressão de nos afastar a cada dia. Mas não me digam que não pode ser lido. Tanto quanto ouço A Arte Da Fuga, li o livro de Joyce desde minha pobre perspectiva e diverti-me muito.
Pois o romance é perfeitamente compreensível. Há pontos de inserção para mortais. As minúcias e a complexa teia de referências são importantes, mas podem permanecer semi-entendidas sem esfacelamento de sua essência. Prova de que o ludus nem sempre está associado à compreensão cabal. (Como disse Karen Blixen, não há nenhum problema em não entender inteiramente um escrito poético).
A história do livro é simples. Trata-se da vida de pessoas comuns da amada/odiada Dublin de Joyce: o professor secundarista Stephen Dedalus; seu amigo Buck Mulligan; o vendedor Leopoldo Bloom — angustiado com a possível traição de Molly, sua mulher — ; conversas sobre Shakespeare numa biblioteca; a surra que Bloom toma de um antissemita; sua mastubação observando duas mulheres; a mijada no jardim com Stephen; e a chegada em casa, onde deita-se com Molly, a qual finaliza maravilhosamente o romance num monólogo interior prenhe de pornografia. E é isso.
Cada um dos capítulos cobrem aproximadamente uma hora do dia e guarda debochada relação com a Odisséia, de Homero. E aqui tenho de referir os milhares de torcadilhos, paródias — que parece ser a maior arma da arte moderna — , neologismos e arcaísmos.
Eu coloquei nele tantos enigmas e quebra-cabeças que ele manterá os professores ocupados durante séculos, disse Joyce.
Então, hoje é o dia de comemorar a existência do duro, engraçado, divertido, complicado, pornográfico, sexual e erudito livro de Joyce. Lembremos de Leopold Bloom, de sua mulher Molly, de Stephen Dedalus e de Buck Mulligan!
Obs.: As fotos de Marilyn Monroe lendo Ulysses e outro livro são da autoria de Eve Arnold e são de 1955.
Miltom,
naturalmente a MM está lendo o monólogo da Molly.
Além de etsar nas últimas páginas do livro, que otra ação lhe sera imputável?
Branco
EXCELENTE OBSERVAÇÃO !!!
É exato, ela lê o finalzinho, a sacana.
Muito boa!
MM ganhará de mim em mais essa. Não li e provavelmente nunca lerei.
É um investimento de bom retorno literário… Pense nisso!
Embora a efeméride em questão não mude em um milímetro a trajetória do planeta ou as lides acadêmicas, e Ulisses já seja um daqueles clássicos a que todos se referem e pouquíssimos leem, leram ou lerão, uma das características mais notáveis do livro seja não seu parodismo meio cacete com Homero (e na maioria das vezes simplesmente imperceptível), mas o intenso calor que emana das relações de seus controvertidos personagens às voltas não com o heróico da vida, mas com sua banalidade e os atos mais triviais (como ir ao banheiro, por exemplo). O tecido resulta sedutor e não margeia a pretensão à significação e seus absolutos, mas uma visão poliédrica que, em sua variedade, cobre a superfície das coisas, e de lá, eventualmente, pode parecer aprofundar-se. Mas tenho para mim que as palavras mais recobrem as coisas do que as expressam, de forma que a literatura, seja ela de melhor ou pior qualidade, possui limitações paralelas à música; se juntarmos uma a outra talvez possamos raspar uns centímetros a mais de superfície, sem esquecer, porém, que uma raiz de planta não a explica, e a visão mais acurada que podemos ter de um objeto é subatômica, que nada nos diz sobre o objeto em sua inteireza, daí porque ao tratarmos de sentimentos restam-nos os sons, as palavras, fotografias, rabiscos e cores em telas, a arte, enfim, querendo dar conta das muitas facetas do que chamam de “natureza humana”, conseguindo no máximo uns efeitos cubistas, fascinantes mas ainda incompletos, má palavra, pois nada é completo e intransformável. Ah, sei lá, mil coisas!
Na famosa sequência de fotos acima, sabe-se, hoje, que MM estava a ler no original “Über einen die Erzeugung und Umwandlung des Lichtes betreffenden heuristischen Standpunkt” (“Sobre um ponto de vista heurístico concernente à geração e transformação da luz”) de A. Einstein. A capa que aparece foi apenas um jogo de marketing.
Com o objetivo de sempre bem informar e, principalmente, formar os leitores deste Blog, a seguir alguns esclarecimentos sobre o famoso estudo fotográfico de Eve Arnold sobre MM. Notem a data, 1955. Pois bem, foi neste fatídico ano que Einstein soube do interesse de MM por seu trabalho científico. Como é conhecido, Einstein detestava o burburinho tacanho da mídia de seu tempo em torno de sua pessoa, pois abominava entornar a sua intimidade à populaça, ou digamos melhor, à ralé-média que consome bosta, mas com ares e com emissões sonoras, pelas mandíbulas, de gases estomacais de caviares (coisa que as nossas celebridades banais de todos os calibres e matizes ainda teimam em fazer em público).
Bem, voltando á merda, digo, ao assunto. Einstein, magistralmente, conseguiu marcar um encontro sigiloso em Princeton com MM… Foram horas, até onde se sabe, inesquecíveis aos dois enamorados. MM, que não era tola, fazendo bilú-bilú – que Sérgio Malandro imortalizaria no cancioneiro brasileiro como “Bilú Tetéia”-, conseguiu por meio de sua Hasselblad, a tiracolo, aquela foto da extenuada língua einsteiniana. Pois é, logo a seguir… Einstein morreu.
errata: à merda…
Todos nós?
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Realmente o que mais afasta o leitor dos livros do Joyce é a idéia préconcebida de que Joyce é difícil. Mesmo mal de que sofre Beckett. Pobres irlandeses… Se você pega um livro com a convicção de que não irá entendê-lo, então já entra em campo perdendo. Ulisses é a epopéia do homem comum, e mesmo que não tenha sido escrito para esse homem comum, também não é privilégio apenas de quem pra falar, que seja da dor nas costas da avó, se expressa no mais erudito/vernacular jargão filosófico/teórico/literário, coisa que aliás, Joyce nunca fez.
Na famosa sequência de fotos acima, sabe-se, hoje, que MM estava a ler no original “Über einen die Erzeugung und Umwandlung des Lichtes betreffenden heuristischen Standpunkt” (“Sobre um ponto de vista heurístico concernente à geração e transformação da luz”) de A. Einstein. A capa que aparece foi apenas um jogo de marketing.
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