"El Roto" no El Pais de amanhã

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Mais uma obra-prima do infalível El Roto.

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  1. Investir no combate ao tráfico ou consumo de drogas é tão eficiente quanto em cursos sobre ética e moral para homens e mulheres deixarem de cornear uns aos outros. A esfera do desejo é cósmica, enquanto a esfera da lei é subterrânea. E não se encontrarão sequer no infinito.

  2. Viver no interior sempre é uma aula de Brasil para mim.

    As cidades pequenas me mostram as realidades orgânicas do país, livre da ilusão de que os flagelos acontecem com mais premência nas capitais. Se as capitais estão falidas, é um sintoma, mas se as cidades interioranas estão falidas, é o prognóstico ultra desfavorável de uma doença terminal. As drogas por aqui formam um cotidiano que a “nata” da população acha surrealista demais para levar a sério. È o que percebo.

    As drogas é um assunto tabu entre os bem ocupados da sociedade. Fora da benção catártica dos telejornais marrons que mostram que os adolescentes chacinados vem de fronteiras distantes de São Paulo e Rio, ver o mesmo problema, potencialmente mais grave, debaixo do nariz, exige a construção de gárgulas medievais nas soleiras das portas_ manter a desgraça longe, através de tradicionais passes supersticiosos.

    Parei de dar aula num colégio de elite daqui por causa disso. Dói-me a hipocrisia, ainda mais quando ela resulta de uma piedade sobre os intocáveis que caem nela. Quando parei para contar, e vi que 30% de meus alunos do terceiro ano estavam seriamente envolvidos com drogas, resolvi fazer alguma coisa. Cometi o erro dos pequeninos com síndrome de Davi. Exibi o filme inglês “Trainspotting”, recomendado pela minha irmã que recém tinha o visto em seu colégio em Ribeirão Preto. É um filme que mostra adolescentes londrinos viciados, de forma devastadora, e usa o humor de uma maneira curiosíssima, com reprodução de delírios de abstinência sem eufemismos.

    Resultado: no outro dia, havia uma fila de pais ultrajados na porta do colégio. Alguns alegavam que seus filhos tiveram pesadelos à noite, outros que ficaram chocados pela administração liberar a exibição de filme “pornográfico” na escola. Um filme premiado mundialmente, que tinha fascinado os alunos mineiros. Diante dessa imitação de Bruxas de Salém, respondi ao diretor que era um pudor incompreensível para uma garotada de 17 anos que já há muito experimentava de tudo em muitos assuntos, que trocavam cigarros de maconha nos corredores, que já tinham fichas policiais (uma garota havia sido detida numa festa popular com pedras de crack, um outro por conservar em seu computador fotos de suas colegas nuas).

    O crack aqui é uma epidemia social. O velho Estado corrupto e assistencialista parece encorporado a um esquema de benefícios pessoais ao grande escalão, enquanto os que se arvoram de não “participarem”, de serem santos inconspurcáveis, caem na omissão: policiais, vereadores, OAB, assistentes sociais, conselhos tutelares, igrejas, MP. O Brasil africano, o continente órfão da Gondwana, o país que se esconde por debaixo de cifras internacionais de desempenhos ilusórios e mal intencionados. O vereador mais bem votado aqui tem provas cabais contra ele de compras de votos com pedras de crack.

    1. A charge, como sempre é estupenda.

      Sobre as cidades interioranas de que fala o Charlles. Vivi em uma delas até os 13 anos e passei minha adolescência voltando para lá em muitos finais de semana. No mundo de classe média que eu frequentava, nos anos 90, as coisas aconteciam assim:

      1. Beber muito acontece à maioria dos jovens. Porém, lá, havia um verdadeiro culto à bebida. Ficar bêbado a ponto de ser carregado para casa era o objetivo, o mérito, o tema das conversas, o padrão de valoração da hierarquia dentro dos grupos de garotos e garotas.

      2. O uso de drogas era maciço e reiterado. E não estou falando de maconha.

      3. Como disse certa vez um amigo meu, a vida lá era intensa. Ao extremo.

      4. Conheci cerca de 30 pessoas da minha geração que morreram antes dos 25 anos (em uma cidade de 12.000 habitantes e só contando com o círculo da classe média). A causa das mortes variava entre acidentes de automóvel e suicídio.

      Tenho que me esforçar muito para encontrar uma família das minhas relações que não tenha um filho morto ou que tenha passado por enorme risco de vida. Na verdade, não lembro de nenhuma.

      É claro que tudo depende de um grande número de fatores, mas não posso fugir da sombra da minha experiência: cada vez que ouço alguém de cidades grandes ou de porte médio, dizendo que quer mudar-se para a cidade pequena para criar seus filhos, sinto um calafrio.

  3. Marcos e Charlles.

    Eu não acredito no combate às drogas, acredito UM POUCO MAIS em descriminalização e informação. Há muita sedução na proibição. Como disse o Chico Buarque em Outros Sonhos“, “Maconha na tabacaria, drogas na drogaria”…

    Tenho experiência em dar aulas para jovens. Cansei de ver gente absolutamente sem cérebro em função do crack. Havia um aluno que não dizia mais coisa com coisa. Um dia, ele respondeu que era o crack e toda a turma riu loucamente, como se o cara fosse um heroi. Juro, me escapa à compreensão. DEixei de fazer perguntas a ele, ignorei-o. Ele fez o mesmo. Nunca respondeu à nenhuma questão de provas.

    Quando perguntei internamente no colégio o que deveria fazer, eles me disseram que aquele menino estava ali por uma questão social. Era melhor para ele estar ali… Não entendo o motivo pelo qual aquelas poucas horas fariam diferença. Às vezes, ele aparecia todo machucado.

    Uma coisa que resolve — e digo porque vi — é o esporte. O grupo e suas disputas fazem com que muitos guris cujos pais são drogados passem a desprezá-los e combatê-los. Ficam certinhos. Vi tudo isso na periferia de Porto Alegre.

    Abraços.

    1. A vida é uma droga mais poderosa que qualquer droga, para o bem, para o mal, para qualquer coisa. Qualquer pessoa que usa drogas (qualquer droga, álcool e remédios tarja preta com receita inclusive) o faz por uma série de fatores agregados à insatisfação que leva à depressão, ao desespero, à violência, à letargia, etc. A droga oferece ao drogado um panorama diferente, desapegado daqui que ele sempre pensou ser e ver. A proibição de drogas é inútil; mata aqueles que vendem, que usam e também os que não usam, conforme o cartum. Se o ser está condenado à liberdade, isso inclui as consequências de suas escolhas, feitas “conscientemente” ou não. Se um palerma pode ser levado ao consumo de drogas pelo caráter social da coisa, nada a fazer, senão que o social deixe bem claro que a coisa leva necessariamente à morte e muito em breve, através de um caminho curto que destrói o que resta do curto período de vida que o sujeito tem para viver, levando de roldão família e amigos. Somente uma vida humana menos frustrante inibe a escolha por um pouco de esquecimento ou delírio, mas não inventaram essa vida, ao contrário: inventaram o Prozac.

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