… cheguei em casa ontem muito cansado, jantei, respondi e-mails, tomei banho e fui dormir. Acordei no meio da madrugada pensando no dia anterior e nas coisas que tenho que fazer hoje. Porém, as 6h45, saí da cama para acordar minha filha que devia ir para o colégio. Quando criança e adolescente, quase sempre era despertado sob ordens: “Levanta! Vai tomar café! Tá na hora”, mas sempre fiz diferente com meus filhos.
Bem, sempre acordei-os coçando-lhes levemente as costas com as unhas ou dando-lhes beijos. O Bernardo, que já tem 19 anos, mora com sua mãe e, pô, é um adulto, me pediu num fim-de-semana desses, “Coça”. Hoje pela manhã, foi um alívio acordar a Bárbara. Eu estava precisando muito mais do que ela.
É, meu caro, a vida doa – a quem doou!… Quando isso não acontece – o problema não é da vida; mas do que fizemos dela – seja na cama, na casa, na rua, na cidade, no país, no planeta. A vida sempre doa – essa é uma lei à continuidade. Aí, até a morte é dádiva. Porém vilipendiamos a vida, consequentemente – a morte também. Por isso que vivemos a morte em vida e, realmente, um bando de insensatos – somos!
Às vezes penso em nossos gestos afetivos como uma demonstração de um tipo de loucura amena, reconstituindo uma teia mental ocupada na administração lógica e racional das coisas que, obviamente, nos entrega resultados muito áquem daqueles projetados tão laboriosamente através de argumentos irretorquíveis, mas que soçobram diante de uma aleatória manifestação do tempo ou de uma ou mais pessoas.
Como já diria o Bruno: por que devo dar um beijo se a melhor solução para o caso seria uma porrada?
Se um viajante numa noite de inverno percorresse mais uma vez seu itinerário recortaria histórias sobre histórias sobre tudo e de todas as formas, mas não esgotaria todas as possibilidades, mesmo as finitas.
Como não diria o Bruno, um beijo não resolve, mas suspende o juízo no seu éter, ameniza tanto o golpe que só o sentimos quando já podemos absorvê-lo. É como baçançar em uma impossível balança espiralada.
POESIA DA MANHÃ
by Ramiro Conceição
Efetivamente,
não terei casa,
pois a que tenho
é debaixo do cabelo
humano, demasiado
humano.
Meu jardim dos castanhos
será o que verei, vejo e vi:
uma celebração do existir!
Assim,
ao amor – bem-vindo,
estarei sempre inteiro,
mais apto à passagem
de nascer,
de viver e de morrer
à Poesia – da manhã.
Então quando do escuro
onde o senhor é o medo
da certeza de – se ser só:
terei ainda a alegria de pentear
o olhar de quem estiver ao lado
e dizer “obrigado, por te amar!”.