Abaixo, temos a versão original do movimento de abertura, Kyrie, da Pequena Missa Solene (Petite Messe Solennelle) de Rossini. Depois, após o pequenérrimo conto que este coitado escreveu, há uma versão que não é a original, mas que é cantada por um coral muito melhor. Então, entre as duas versões, há um antigo conto meu que usa a Pequena Missa de Rossini como personagem. Bom divertimento!
Todos os pecados perdoados
A Fernando Monteiro
Eu estava estudando na Itália, mas o tema de maior interesse, aquele sobre o qual me debruçava com verdadeira afeição, era Antonella, minha pequena e saltitante romana. Um dia, tivemos uma discussão acerca de algumas grosserias que, segundo ela, eu cometera, e ela rompeu nossa ligação.
Dias depois, telefonei-lhe e convidei-a para assistirmos à Pequena Missa Solene de Rossini, que estaria sendo apresentada na Parrocchia dell’Assunzione, no Tuscolano. Depois de alguma hesitação e surpresa – ela não esperava uma ligação minha, ainda mais sem referências a nosso impasse -, ela aceitou. Antonella amava a música de tal forma que eu não tinha como saber se a aceitação do convite significava um perdão ou a mera impossibilidade de recusar a missa de Rossini.
Caminhamos lado a lado, sem nos tocarmos. Tive todo o cuidado em ser verbalmente o mais gentil com ela, já que as circunstâncias não permitiam nada além. Quando a Missa começou, ela se riu. Disse em meu ouvido que achara engraçada a pobre instrumentação que Rossini utilizara. Passaram-se alguns minutos e notei que Antonella estava muito emocionada. Abracei-a e ela apoiou sua cabeça em meu peito. Enquanto lhe acariciava o rosto, sentia suas lágrimas molhando meus dedos. Soube que estava perdoado.
Rossini começou a escrever música muito jovem. Era prolífico e compunha, em média, duas óperas por ano. Então, aos 37 anos – enfadado do freqüente contato com cantores temperamentais e diretores de teatro ainda piores -, parou de trabalhar seriamente com música, tornando-a um divertimento pessoal. Riquíssimo e célebre, dedicou-se ao lazer e a um irônico e gentil convívio com todos, itens nos quais era mestre. Costumava promover freqüentes festas em sua casa. Ali, bebia-se champanhe, vinho, comia-se esplendidamente e ouvia-se música. Às vezes, Rossini apresentava ao piano peças de um certo compositor anônimo… O compositor ressurgiu surpreendentemente aos setenta e poucos anos publicando duas extraordinárias peças sacras – o Stabat Mater e a Petite Messe Solennelle (Pequena Missa Solene) -, além de peças para piano. Tais obras foram agrupadas sob o título genérico de Péchés de vieillesse.
Fomos a meu apartamento, onde nos amamos e dormimos como fazem os casais. Quando acordei, não vi Antonella. Havia somente um bilhete em italiano sobre meu criado-mudo. Meu amigo, fomos engolfados por um dos “pecados da velhice” de Rossini. O que aconteceu não tem nada a ver com nossa situação. Não me procure mais. Antonella.
Nunca mais vi minha pequena Antonella. Porém, ontem, recebi de um amigo uma gravação da missa de Rossini. Comecei a ouvi-la, mas logo interrompi a audição por pudor. Deixei todos dormirem para religar o aparelho de som. Então, enquanto minha mulher dormia, ouvi toda a gloriosa Missa, imóvel, sentado no escuro, sentindo a presença de minha adorável Antonella e de uma outra vida perdida.
Todas as amantes/pretendentes dos teus contos são mulheres cultas, que gostam dos clássicos. Nenhuma delas pediria o último CD do Daniel.
Só trabalho com quem eu gostaria de comer…
Brincadeira, esqueça!
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!