Teoria Geral do Caos (Revisitada)

Post publicado em 19 de abril de 2006

Dizem os matemáticos e físicos que, se colocarmos em uma caixa de fundo plano um grupo de bolinhas em movimento chocando-se elasticamente entre si e as paredes, sem atrito contra a superfície, o resultado será o caos. Ou seja, será impossível calcular as posições futuras que as bolas tomarão. E elas nunca pararão de bater-se umas contra as outras e as paredes. Esta é uma das comprovações da Teoria do Caos. Agora vai outra.

Acordo. Penso confusamente há quanto tempo não mantenho relações sexuais e meio que me desespero. Procuro com o braço minha mulher na cama e ela não está mais lá. Levanto. Procuro-a com os olhos e vejo que ela está no computador. Diz que está ali desde às 4h15 da madrugada, que não conseguiu dormir preocupada com as coisas da construção da casa e com outras do escritório. Olho para ela e concluo que sua libido também não deve estar grande coisa e isto diminui um pouco minha culpa. Apenas nos abraçamos. Vamos tomar café e noto que o leite acabou, pois teima em negar-se a vir sozinho do supermercado até nossa geladeira. Anoto mentalmente que tenho que comprar leite, tenho que comprar leite, que as crianças irão dormir conosco à noite e que não tem leite em casa, não tem leite em casa. Reviso os e-mails e noto que meu filho escreveu um depoimento para mim no Orkut. Não gosto do Orkut e penso que ele deve ter escrito alguma ironia. Divertindo-me, tenho dificuldades em achar as porras dos depoimentos. Encontro-os e, não sem antes de dizer baixinho uns palavrões, tomo um susto: O Father me ensinou quase tudo o que sei sobre o que me interessa. Aquelas mesmas lágrimas voltam a marejar meus olhos. Mas como elas raramente saem, melhor esquecê-las. Como é que alguém pode ser amado vivendo com um tumulto desses na cabeça? Engano quase todo mundo, até meus sete leitores são iludidos, mas sei que minha mulher e irmã sabem que minha tranqüilidade é apenas uma atuação. Olho para a TV e vejo que o filme apresentado no começo de Os Sonhadores, de Bertolucci, é mesmo Paixões que Alucinam, da Samuel Fuller. Penso em como amei este filme e no fato de seu nome original ser Shock Corridor. Mais e-mails de gremistas tirando sarro da minha cara. Saímos de casa. Ligamos para a arquiteta e ficamos sabendo que a concretagem da laje será feita quarta-feira à tarde. À tarde? Mas o ideal seria fazer pela manhã! Ligamos para a empresa que trará as bombas e ficamos sabendo que a arquiteta demorou para combinar o horário e que aquele é um “encaixe”. Claudia implode. Reclama em voz muito alta no escritório ainda vazio e, com toda a educação, liga de novo para a arquiteta. Quando desliga, implode novamente, antes de ligar para a empresa, suplicando que a concretagem seja feita pela manhã. Ouço suas súplicas enquanto ouço a voz de nosso empreteiro no celular. É, seu Milton, não é o melhor horário, eu avisei, mas já que foi marcado assim… Vamos fazer assim. É a minha vez de dizer palavrões. Volto para minha sala. Escrevo um e-mail para a Leila e telefono para o Rafael a fim de me acalmar. Saio do escritório para buscar dinheiro para minha mãe. Reflito sobre a resistência física e financeira que uma pessoa velha tem que ter para suportar tantos remédios e que sempre lembro das senhas bancárias de minha mãe por um triz. Penso que tenho que ir à academia e baixar meu colesterol, mas tais pensamentos são desviados pela constatação da falta de dois e-mails em minha caixa de entrada. Alguém não mandou o texto semanal do Cidades Crônicas e um cliente não me respondeu um e-mail épico que lhe escrevi ontem. Por que as coisas não funcionam se a gente não pressiona? Funcionariam sozinhas sem a gente? Claro que não. Se a concretagem não for feita amanhã, o banco que financia a obra não terá nada para ver e não liberará a segunda parte do dinheiro. Bosta! Vejo uma mulher com um maravilhoso par de tetas pairantes atravessando a rua na minha frente e quero imediatamente transar com ela. Volto para o escritório e procuro os e-mails. Encontro um de minha mulher para a empresa de concretagem com cópia para mim. Daiane, conseguiste (pelo amor de Deus!) mudar o horário da nossa concretagem para o período da manhã? Sei que te ligaram somente na quinta à tardinha mas é muito importante! Não precisaríamos correr nenhum risco, se houvesse empenho de todos. Temos que obrigatoriamente completar uma etapa da obra por causa do financiamento que estamos recebendo e que está vinculado à finalização de cada uma das etapas. Peço-te encarecidamente que nos auxilie a resolver esta situação. Muito obrigada pela paciência e por tentar nos ajudar. Surtou de vez. Está pior do que eu. Lembro daquela psiquiatra que me disse que é importante que os casais façam planos juntos. Então este inferno deve ser o caminho correto. Entro no Internet Banking, que está lento, é claro. Pago uma conta e meu celular toca. Minha mãe diz que está sem dinheiro e que é para eu tirar dinheiro da sua conta e levar-lhe. Respondo-lhe que já fiz isso e que ela espere tranqüila, bem calminha. Mais um e-mail, este do Marcelo Backes. O cliente segue me ignorando. Penso que, quinta-feira, é a minha vez de publicar no Bombordo. Ah, merda. Nem consigo ler o blog, como vou publicar nele? Abro o site do Terra e leio que Tom Cruise irá comer a placenta de seu filho. Para dizer ou fazer isto, algo deve andar pouco nutritivo em sua carreira. Telefone. O cliente! Não, é um amigo pergunta se vou ao jogo. Digo-lhe que sim e combinamos um encontro lá. Almoço tranqüilo com as crianças. Levo a Bárbara à equitação. Pelo caminho, um ataque pelo celular. Ligam minha mulher, o empreiteiro, a arquiteta e o sócio da arquiteta, todos combinando o horário da concretagem. É quando liga também o cliente. Marcamos reunião para o dia seguinte. Para ter um momento de paz, vejo minha filha treinar. De novo o celular, desmarcam um compromisso meu que seria na tarde de amanhã, faço rapidamente sua substituição por outro. No final da aula, ela sobe o morro com o cavalo e some por meia hora. Quando volta, estou meio puto; ela diz que sobe para poder galopar sem ninguém incomodando nem ditando regras. Acho que ela é uma gracinha e que puxou ao pai. Chego em casa decidido a não pensar. Vamos todos ao jogo. Ganhamos por 4 a 0. Como a felicidade não tem graça por escrito, não descrevo nada aqui. Volto para casa, mando as crianças dormirem e me dá vontade de escrever este post.

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