Publicado em 25 de setembro de 2003 (também com fotos que não imagino quais sejam ou onde estejam)
Ela nasceu num domingo. Dizem que as crianças de domingo são as mais felizes. Deve ser verdade. Quando a vi pela primeira vez, só enxerguei suas gengivas e o céu da boca. Parecia uma cabeça oca dotada de som muito potente. Como berrava! Só depois vi o resto. Vermelhíssima, não parecia ter nada de especial, só mesmo as cordas vocais. Logo conheceu sua mãe e, sem maiores apresentações, procurou e encontrou imediatamente o alimento que lhe interessava e mandou ver. Neste momento, minha filha ouviu seu primeiro grito, que foi de dor e admiração. Também pudera, voracidade em excesso pode machucar.
Depois os cabelos pretos e lisos caíram e, em seu lugar vieram outros loiros e crespos. Ela cresceu e revelou-se um doce. Um doce de enorme feminilidade, um doce tímido que se acostumou a ser elogiado por sua beleza e que não conhece outra forma de imposição, uma pequena pessoa que se perturba facilmente quando sente ser motivo de contrariedade ou decepção. Nestas situações, chora por qualquer coisa, se atrapalha para falar, é capaz de escrever “serumano”, esquece a tabuada ou até de como se trota em um cavalo, coisa que nasceu sabendo fazer.
Do que gosta a Bárbara? Quem é a Bárbara? A primeira coisa a ser dita é que ela é muito bonita. Não é conversa de pai bobo não, é verdade! Sei que vocês estão vendo as fotos, mas precisam mesmo é vê-la falando e se mexendo! Provas? Mesmo sem permissão dos pais, ganhou fotos em 3 dos 12 meses no calendário do colégio. Mais? O clube que frequentamos estampou por mais de um ano uma foto dela em seus bloquetos de pagamento e ela ainda foi capa da revista, tudo também sem permissão ou consulta. Se somarmos a isto o fato de ela ser simpática e sedutora, estaremos frente a uma figurinha avassaladora, certo?
Desta forma, distribuindo sorrisos e recebendo elogios, ela viveu até entrar no primeiro ano, quando sua segurança foi abalada. Talvez embriagada por seu novo séquito de admiradores, não deu importância ao fato de que tinha de aprender a ler e escrever. Para alfabetizá-la, acabei por intervir a fim de convencê-la de que nem tudo na vida viria de graça. Resolvi então exercitar meu modesto talento de pedagogo. Não sei bem como, mas deu certo. Ela tentava me persuadir de que escrevia tal palavra de determinado jeito porque era o jeito dela, aí eu dizia-lhe que assim os outros não entenderiam. Fui para as sílabas, depois para as palavras simples, etc. Quem me ajudou muito foi o Bernardo, que explicou à irmã que uma vogal sozinha fazia muito pouco som e que quase tudo o que dizíamos vinha da união de duas letras. Ele batia palmas a cada sílaba: Bo-ne-ca; e a Babi escrevia OEA. Na verdade, foi ele quem lhe ensinou as sílabas. Fico comovido ao lembrar. Hoje ela é ótima na escola, apesar de fazer um esforço mínimo.
Ela ama os animais. Cavalos, cães – possui, junto com o irmão, uma cadela labrador, a Batalha – , insetos, répteis, todos. Guarda coisas incríveis em tupperwares e depois leva tudo para a aula: baratas, aranhas, gafanhotos, lagartas, lagartixas, tartarugas, girinos. Quando vê Jurassic Park, fica boquiaberta admirando os monstros. Não brinca muito com bonecas; quando brinca de mamãe, é sempre mamãe-urso, mamãe-dinossauro, mamãe-cavalo, etc. Este ano, convenceu-nos a tirá-la do balé – onde dizia ficar meio parada esperando o final da aula – e a colocá-la em um curso de equitação. É algo que nasceu com ela, pois ninguém, em minha família, foi visto antes sobre um cavalo. Treina cheia de orgulho e sorri muito.
Uma vez, uma amiga – aquela mesma que usa o nickname luigipirandello – contou-me por e-mail uma história ocorrida com ela e seu filho. É o tipo de fato que poderia acontecer com a Bárbara, é até injusto que isto não tenha ocorrido com ela…. Vejam que pérola: Adorei conhecer a Bárbara. O meu A. faz aniversário em 21 de outubro, ou seja, os dois são librianos. Quando ele tinha 5 ou 6 anos, se apaixonou por uma aranha. Estávamos no Chile e tinha levado ele no zoológico. Na saída, tinha um cara vendendo aquelas aranhas enormes e repulsivas mas perfeitamente inofensivas. O A. disse “mãe, compra pra mim… por favor… eu cuido”. Confesso que sempre me achei muito esperta… disse a ele “tá bom, se tu pegares ela, eu compro” e já estava pronta para afagar-lhe a cabeça e dizer “tudo bem… não precisa… vamos comprar um pirulito”. Mas ele não vacilou nadinha: esticou a mão e pegou o bicho como se toda a vida tivesse esperado o momento de afagar uma aranha. “Olha… ela é loira. Vai se chamar Rosinha”. E foi assim que a Rosinha foi morar lá em casa, para alegria geral de conviventes, amigos e visitantes. Porque posso ser uma idiota, mas sou uma idiota coerente e jamais deixei de cumprir a palavra empenhada. Deve ser coisa de libriano a paixão pelos bichos, comuns ou raros… talvez o dom de conquista também: por incrível que pareça, em pouco tempo o A. convenceu todo o mundo que a Rosinha era um amor. Até a V. e o B. deixavam ela passear por suas costas.
Algumas declarações de amor da sedutora. Ela é especialista nisto.
A cena: eu dirigindo, levando-os para a casa logo após a separação, o Bernardo com lágrimas no olhos, eu quase e então entra a Bárbara:
– Pai, qual é a coisa que tu mais gosta depois de mim?
– Babi, depois de ti e DO TEU IRMÃO, a coisa que eu mais gosto… acho que é de ler.
– Pai, então vou escrever um livro enorme prá ti, tá? Vou começar hoje.
Abraços e beijos.
Outra:
– Pai. Como é que tu pode ser mais velho do que eu?
– Não entendi.
– É que eu tenho a impressão, sabe, que tu nasceste no meu coração… depois que eu nasci.
Abraços e beijos.
É um carrossel de emoções!
Minha querida filha, feliz aniversário.