Marlos Nobre e a crise na OSB: Carta Aberta a Roberto Minczuk

Compartilhe este texto:

Assim como a Nelson Freire e Cristina Ortiz, que cancelaram seus concertos com a OSB, esse eu também respeito. Marlos Nobre é um enorme compositor e dá sua visão pessoal sobre a crise na OSB. Abaixo, a íntegra de sua Carta Aberta:

Via Marcelo Delacroix

Roberto, estou angustiado ao escrever esta carta, ao ver um regente como você envolvido nesta situação constrangedora e triste.

Você, Roberto, não teve ninguém perto de você para lhe abrir os olhos ante a imensa tolice que foi toda esta situação criada na Orquestra Sinfônica Brasileira?

Eu lhe escrevo como um Maestro e compositor que conheceu um Roberto ainda nos seus 10 a 12 anos de idade, participando do Concurso de Jovens Instrumentistas que organizei em 1974 nos “Concertos para a Juventude” na Rede Globo e Radio MEC. Nele, você se destacou como jovem talento, promissor o bastante para que eu lhe desse de presente uma trompa novinha em folha (a sua, na época era impraticável). Lembro de, anos depois, no seu concerto de estréia como regente da OSB no Rio, ter sido procurado pelo seu velho e honrado pai, com lágrimas nos olhos, me dizendo que aquela trompa estava guardada em um invólucro de vidro, emoldurando a sala de estar da sua casa paterna. Foi extremamente comovente então, ver seu pai visivelmente feliz vendo sua estreia como regente titular da grande e prestigiosa Orquestra Sinfônica Brasileira. Entre outras obras você então dirigiu a Sinfonia “Eroica” de Beethoven. E a nossa OSB respondeu à altura aos seus gestos, dando na ocasião uma intepretação memorável da obra.

São estes mesmos músicos que agora sofrem com a implacável perseguição e ira absolutamente incompreensíveis de você, como diretor da OSB.

Pois bem, Roberto, assim como seu pai, um velho e honrado músico, eu aprendi que não é possível fazer música senão com o espírito leve, aberto, ligado apenas no dever maior de intérprete que é o de revelar a grande mensagem de amor, compreensão universal e respeito mútuo que emanam de toda grande obra musical. Não é possível aos músicos renderem o máximo de suas qualidades, frente à arrogância, à falta de respeito, à imposição, à desumanidade, à inépcia humana de quem está a lhes impor e não a lhes dar condições de criar a maravilhosa mensagem da Música.

Roberto, aquele menino a quem dei uma trompa hoje é motivo da maior decepção que jamais tive em minha vida. Uma decepão profunda e irreversível. Você, e somente você, é o responsável por uma situação inédita na música sinfônica do Brasil, ao submeter uma orquestra inteira a um vexame público demitindo com requintes de crueldade e desrespeito pelo passado deles, mais da metade de seus componentes através de pretextos os mais inaceitáveis possíveis. Nem o pretexto de maior qualidade musical seriam justificação para um tal elevado grau de agressividade humana, artística e pessoal de que são vitimas nossos músicos da OSB. Você não respeita idade, serviços prestados, idealismo nem humanidade. Todos estes valores essenciais nas relações humanas e artísticas vão para o ar em suas mãos, neste momento triste da história da música no Brasil.

A destruição dos ideais que sempre foram a grande força da Orquestra Sinfônica Brasileira, Roberto, você não conseguirá. Aliás, vejo com tristeza que você está conseguindo se destruir de uma maneira tão perfeita, tão definitiva, tão veemente como jamais o maior inimigo seu seria capaz, nem teria tal grau de imaginação destrutiva.

Sua autodestruição me choca pois me parece que você, Roberto, entrou em tal processo negativo sem volta nem retorno, pois sequer se dá conta que, não só no Brasil, mas em qualquer país do mundo onde você entrar no palco, para dirigir uma orquestra, terá como resposta o desprezo e a desaprovação do público e do mundo musical.

Como compositor não desejo que nenhuma obra minha seja jamais executada por este remedo de Orquestra Sinfônica (que me recuso a chamar de OSB pois esta foi destruída irresponsavelmente por você), dirigida por você.

Não autorizo nenhuma obra minha tocada senão pela verdadeira ORQUESTRA SINFÔNICA BRASILEIRA que aprendemos a amar, a reverenciar e a proteger, de desmandos de eventuais passageiros da desesperança, da agressão moral e do desrespeito.

MARLOS NOBRE – 9 de abril de 2011

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

20 comments / Add your comment below

  1. Po achei muito legal essa carta.

    Como é que estão destruindo as coisas de nosso país assim tão irresponsavelmente, né, Milton?

    Quando estudei teatro, em 2006, já vi a merda que tava ficando. Estão destruindo tudo e o que sobra estão reapropriando.

  2. Carta extraordinária!
    Por isso deixo um poeminha ao ex-maestro…

    ENCANTADO
    by Ramiro Conceição

    Às vezes,
    ao olhar-me
    no espelho,
    pergunto-me
    no espanto:

    “Naquela noite,
    em Varsóvia,
    quando cães
    fugiram do inferno,
    de qual lado
    estaria na gritaria,
    naquele gueto?”

    Por instantes, um silêncio…,
    uma pergunta, uma resposta:

    “E se Poe estiver certo, que tudo
    é um sonho dentro dum sonho?”

    “Então, do atormentado,
    inventarei o encantado!”

  3. O cara que receber uma carta dessas e não cair na real não tem como se olhar no espelho pro resto da vida.

    Será que os cafajestes conseguem desdenhar tais palavras, e passar batido?

    1. FM
      Millor (mais ou menos assim):
      O triste é saber que, enquanto os honestos e sérios vivem com proble4mas de consciência e incomodados por dúvidas sobre seu comportamento , os canalhas dormem o sono dos justos, sem nenhum pesar ou um segundo de arrependimento

  4. Sabe, Milton, no final das contas acho todo essa discussão muito boa. As orquestras brasileiras eram estruturas fechadas, voltadas para dentro, se apresentando poucas vezes por ano, e nada se discuria de seus programas e critérios. Todo os escândalos relacionados às OSP e OSB contribuem para uma varredura nos velhos ranços e para discussão de novos critérios. No fim, tipos como Minczuk e Neschling, expostos como foram e estão sendo, prestaram e prestarão bons serviços ao desenvolvimento da música no Brasil. Não?

    1. Nao, marcos. As orquestras nao sao estruturas fechadas! Mas sim o interesse do povo em geral é pouco. Mas quero esclarecer um ponto. Todo artista, esteja ele na orquestra ou como solista é provado no dia a dia e no segundo exato. Acontece um erro, nao há mais como corrigi-lo e entre os proprios musicos há a cobranca de si proprio pois eles querem sempre dar o melhor de si mesmos.. O que acontece com a OSB é triste porque um maestro resolve que a maioria dos musicos nao serve! Musicos estes que na década de 90 sairam às ruas pedir esmolas em sentido figurado pois a OSB nao lhes pagavam sala´rios. Eles ajudaram na reconstrucao da OSB na época de sua crise e agora sao jogados fora como trapos velhos. è isto que é constrangedor. E uma orquestra se renova sòzinha pelas flutuacoes dos postos. E nesta hora há SEMPRE concursos de admissao em altissimo nivel. NAO É FACIL ENTRAR EM UMA ORQUESTRA!! Mais dificil passar pelo tempo de experiencia. Nao é um trabalho que dá pra deixar prá depois. è ali e agora. O bom na discussao é que se há a oportunidade de mostrar ao grande publico, ao pvo que música profissional NAO É HOBBY
      Agradeco pela tua atencao
      Paulo

      1. Amigo Paulo,

        Disse estruturas fechadas em caráter político. Nada acerca dos músicos, embora, como em qualquer lugar do mundo, talvez exista favorecimento quanto a escolha de alguns integrantes, por laços de amizade ou políticos. Digo no sentido de que diretores, maestros, secretários e cultura, fundações e empresas dirigem os rumos de uma orquestra de acordo com alguns interesses pessoais e outros financeiros que não são de conhecimento público.

  5. Assim como muitos cariocas e brasileiros, estou muito triste com o que aconteceu com a OSB.
    Aprendi a gostar de música ouvindo essa GRANDE ORQUESTRA.
    Acho que não precisamos de outra OSB. Precisamos da mesma OSB evoluindo com a grandeza dos seus antigos músicos, que agora foram desrespeitados.
    Não entendo como uma pessoa, que também é um músico excepcional, pode se desumanizar a tal ponto e causar tanto mal.
    Parabéns aos antigos músicos da nossa grande OSB!
    Parabéns aos músicos da OSB JOVEM, pela dignidade e lealdade!
    Há esperanças.

  6. Achei meio parcial… Mas não sei se dá para não ser… Se a OSB é esse bem que querem proteger, acho que deve estar acima dos músicos. É claro que digo isso porque sou “apenas” público, mas a orquestra tem que ter a grandeza que ela merece. E que nós do Rio merecemos…

  7. Maestro versus Compositor

    O compositor usa sua imaginação,
    Gerando emoção sobre o eco invocativo.
    Ele manifesta o processo criativo,
    Transformando em arte esta simples inspiração.
    O espírito flutuante traz a canção,
    Num movimento inefável de liberdade,
    Adornado de cores e expressividade.
    As melodias ecoam suavemente,
    Como uma onda leva o barco livremente,
    Num equilíbrio de pura sonoridade.

    O compositor observa cada trecho
    De sua obra, temperando com nuanças,
    Num estilo próprio, e vai compondo mudanças,
    A ponto d’elevar su’alma em cada entrecho…
    O mágico contraponto embeleza o trecho.
    O espírito está dotado de conhecimento…
    Trespassa o processo no mais belo andamento;
    Nos belos elevários, trilos e mordentes,
    Accelerando e improvisando os incidentes,
    Nos esbarros acidentais — fecha o desfecho.

    O maestro, não. Este só deturpa a música.
    Rege de qualquer jeito, co’a maior desfeita
    Ao artista, que a esculpiu pra deixar perfeita…
    Trabalhando noite e dia co’a metafísica.
    Mesmo que a tal regência pareça ser lúdica,
    O pobre maestro não entende o processo
    Dessa volição ‘speculativa de acesso.
    “A palavra artista é bastante incompreendida,”
    — disse Stravinsky! Se a obra não é entendida…
    Certamente, a mentalidade estará “tísica”.

    Os maestros, principalmente os brasileiros…
    Pedem para os incompetentes dos spallas
    Segurarem a barra, para não darem palas
    Nas cadências sincopadas dos estrangeiros…
    Nos movimentos mais simples dos violeiros,
    Ficam atordoados; mas a pose, não perdem!
    Fingem que estão regendo na fiel subordem,
    Enganando a multidão — na mor cara dura,
    E fazem de conta que olham à partitura,
    Como se entendessem o rubato da desordem!

    Muitos não sabem se é Dó, ou Fá# sustenido!…
    Cadência? É tudo igual; maior, menor, não importa;
    P’ra que entender de tonalidade… Se a porta
    É surda, e ressoa uma voz tal qual um ganido?
    Devem admitir que, realmente, é um gemido…,
    Assombrando a imaculada sociedade!…
    Nos profundos distúrbios co’a afabilidade…
    Somente fazendo elo com alguns políticos,
    Terão como fazer um som apocalíptico… —
    Para agradar ao mor Dragão — o destemido!

    Paulo Costa (Pacco)

    http://www.pacco.compositor.zip.net

  8. Não estou a par das querelas entre músicos e regente na OSB mas posso dizer q um processo semelhante se deu na OSESP. A princípio me solidarizei com os músicos mas depois percebi q, no fundo, as audições da antiga OSESP eram apenas burocráticas, nada acrescentando às minhas expectativas. Hj temos uma orquestra considerada a melhor da AL, não antes de passar seus músicos por testes, graças à remodelação do John Neschling. Espero q a contenda entre músicos e regente se resolva (duvido, diante da dimensão q o caso tomou) mas q tenhamos todos a certeza de que é nosso direito, como cidadãos termos acesso à cultura, e cultura da melhor qualidade, e não cultura “meia boca”.

  9. Como seria bom se o srº Roberto Minczuk aprendesse caráter, ética, sabedoria, e otras qualidades mais com esse grande mestre. Taí o maestro que todos sonhamos!!!!

  10. CHAROLA

    Os “maestros” em São Paulo,
    ‘Stão regendo na charola!…
    Mas não sabem tocar Aulo…
    Nem tampouco uma Viola!

    Se a batuta é um obstáculo…
    Metem o “pau” na curriola!…
    Isso vira um mor espetáculo…
    Quando tombam na gaiola!

    A surdez é tão fremente… —
    Que enrubesce a cavatina!…
    “Rola” um som tão deprimente,

    — Por debaixo da cortina…
    Mas, os tais proeminentes —
    Vão “reger” na mor surdina!

    Paulo Costa (Pacco)

    http://www.pacco.compositor.zip.net

  11. Conheci o Marlos ainda jovem nos festivais de inverno de Minas Gerais quando fiu aluno da Grandessísima flautista Odete Ernest e do Toninho Carrasqueira.
    Faço de suas as minhas palavras, se há problemas na OSB que se “lavem” essas “roupas sujas” em casa e dentro da ética.
    Se os músicos devem passar por uma avaliação, porque não o maestro?
    Será que só os músicos terão ter que ser avaliados e o maestro não?
    Moro em Alagoas onde sou flautista da orquestra da Universidade.

  12. O povo brasileiro tem memória fraca e se esquece facilmente de seus heróis.
    Dentro de um país que preza a vulgaridade da música e a banalização do corpo, Roberto Minczuk é sim um grande herói pátrio. O que ele fez, foi nada mais nada menos, que tentar manter a qualidade da orquestra. Ao meu ver, músicos competentes e bem preparados, não deveriam temer o fio da navalha, certo?
    Caro MARLOS NOBRE, eu não concordo com nenhuma vírgula desta sua carta, até mesmo por quê um mentor, como o senhor se julga tanto, aconselha seus iniciados e durante os momentos difíceis, mesmo se contrapondo a eles, lançam palavras de conforto e durante uma bate papo pessoal espõem sua opinião e não foi isso que eu li. Um estardalhaço em cima de outro só trás a tona aqueles que estavam mortos e procuram ressucitar-SE.
    Suas palavras de julgamento sentenciam sua pena. Afinal, defini-se por ditador todo aquele que tem uma opinião contrária e se lança rispidamente diante de uma multidão para tentar impô-la. Portanto, se o Maestro Minczuk é um ditador o senhor também o é. Que haja mais sabedoria provida destes seus cabelos brancos.

  13. O povo brasileiro tem memória fraca e se esquece facilmente de seus heróis.
    Dentro de um país que preza a vulgaridade da música e a banalização do corpo, Roberto Minczuk é sim um grande herói pátrio. O que ele fez, foi nada mais nada menos, que tentar manter a qualidade da orquestra. A meu ver, músicos competentes e bem preparados, não deveriam temer o fio da navalha, certo?
    Caro MARLOS NOBRE, eu não concordo com nenhuma vírgula desta sua carta, até mesmo por que um mentor, como o senhor se julga tanto, aconselha seus iniciados e durante os momentos difíceis, mesmo se contrapondo a eles, lançam palavras de conforto e durante uma bate papo pessoal expõem sua opinião e não foi isso que eu li. Um estardalhaço em cima de outro só trás a tona aqueles que estavam mortos e procuram ressucitar-SE.
    Suas palavras de julgamento sentenciam sua pena. Afinal, define-se por ditador todo aquele que tem uma opinião contrária e se lança rispidamente diante de uma multidão para tentar impô-la. Portanto, se o Maestro Minczuk é um ditador o senhor também o é. Que haja mais sabedoria provida destes seus cabelos brancos.

Deixe um comentário