Em primeiro lugar, favor não confundir este David Gilmour canadense, escritor e crítico de cinema, com aquele outro, inglês, que foi guitarrista do Pink Floyd.
O Clube do Filme (Intrínseca, 239 páginas) trata de um caso real e famoso: David Gilmour estava com pouco dinheiro, com as contas pagas pela mulher e morando com o filho de 15 anos, o qual colecionava péssimas notas e tédio na escola. Quem é pai — e nem precisamos estar meio deprimidos, como é o caso aqui — , sabe o efeito que um filho de saco cheio tem sobre nós. A gente simplesmente quer fazer tudo para acabar com aquilo. Gilmour achou que seu filho Jesse não precisaria conviver com o fracasso escolar e, diante da óbvia infelicidade e desespero do filho, propôs-se a ensiná-lo através de filmes, assistindo semanalmente a três deles, escolhidos e comentados pelo pai. Durante o “curso”, o garoto receberia mesada e um teto todo dele, mas deveria manter-se longe das drogas. A intenção de Gilmour era das melhores: desejava garantir uma adolescência suportável a seu filho, longe dos fracassos e da consequente baixa auto-estima.
Poderia ser um grande livro, um curioso “romance ou caso de formação”, mas Gilmour atrapalha bastante. Ele já começa por nos dar de graça o maior dos spoilers: “olha, o final será açucarado, tudo terminará bem”. Se ele já diz de saída que tudo acabará bem, a gente logo imagina que o “como” seja muito artificioso e original, mas não. A história de Jesse com suas namoradas é bastante rasa e ocupa grande parte do livro. Também o fato de Gilmour usar a primeira pessoa do singular e privilegiar os diálogos é problemático. Muitas das conversas entre os dois têm tom de interrogatório por escrito — tudo com a finalidade de que o leitor se informe. É artificial. Ah, como faz falta um bom narrador onisciente! É óbvio que o livro seria melhor se fosse um romance autobiográfico narrado na terceira pessoa. Há muito “eu” na narrativa.
Não obstante os problemas, a análise dos filmes por parte do pai e sua repercussão no filho são emocionantes. Há observações cinematográficas preciosas. Mas por que passei subitamente a elogiar o livro? Ora, porque a história é boa e interessante. Então, para terminar esta pequena e despretensiosa resenha, diria que vale a pena ler O Clube do Filme, mas não espere genialidade. É como se um autor médio tivesse recebido a dádiva de um grande tema, infelizmente muito superior a si. Ou como se fosse uma grande canção estivesse sendo interpretada por alguém que mal consegue alcançar as notas. É isso.
Curioso: o que eu achei pior no livro foram justamente as análises de filme. Claro que Gilmour tem uma vasta cultura sobre cinema. Mas, como crítico, ele é um viciado seguidor da escola norte-americana (embora seja canadense). Analisa os filmes de maneira rasa, concentrando-se na história e nos aspectos teatrais dela, e esquece a parte técnica, que, do ponto de vista da teoria do cinema, é muito importante. Por isso é que faz críticas incabíveis a clássicos como O Encouraçado Potemkin (pode ser falha minha, mas ele CRITICA um filme deste gênero). Fala um pouco sobre os filmes europeus, mas vê-se que eles não estão na ordem do dia, embora, para o mundo todo, obras de Visconti e Zurlini, são muito mais importantes.
A cena de Amor à Queima-Roupa, entre Dennis Hopper e Christopher Walken é de fato impagável. Mas a melhor de todos os tempos? Bom, cada um com a sua opinião…
Estou quase terminando a leitura da obra. Estou achando genial a maneira como o escritor coloca o entrosamento dele com o filho. Eu até me identifico com ele, em vários aspectos. e me lembro sempre de uma das minhas filhas, identificando-a com o Jesse. Discordo da opinião do crítico Milton Ribeiro e do Léo Bueno, quando eles afirmam que o escritor usou muito “eu”, muita análise de filme ( o que me agrada bastante, pois sou cinéfila) e que os comentários do autor atrapalha o entendimento do leitor. David Gilmour é um grande escritor e, melhor do que isto, é o pai mais corajoso que eu conheço. “O Clube do Filme” daria um belo filme.