Como ganhar o dia sem fazer nada

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Oi, Milton,

Não, não é a Páscoa. É que ontem, aqui em Lisboa, fui assistir ao Tom Koopman com sua orquestra e coral, tocando e cantando a Paixão Segundo São João de Bach. Foi uma maravilha, e lembrei-me muito de ti, muito mesmo, e lamentei que não pudesses assistir isso. O Koopman é uma simpatia, rege energicamente, com mãos e boca, e praticamente canta junto. 1h50 em pé, feroz e motivador, regendo e tocando cravo. A orquestra toda é uma maravilha, também. Enfim. Consigo apreciar essas coisas graças a ti.

Abraço.
H.

Eu não sou tão burro e sei que há imenso exagero no textinho, mas isso não me impede de sair para almoçar nas nuvens.

17 comments / Add your comment below

  1. Que engraçado, Milton, eu ia te escrever em breve que eu também assisti a Paixão Segundo São João há alguns dias atrás na Alemanha, e que eu também me lembrei de você. Você conhece a Orquestra Barroca de Freiburg? Eles são excelentes, e a performance foi demais. Apenas oito cantores no coro (dois por tipo de voz), e eles próprios se revezavam para as árias. A orquestra foi composta por um instrumento de cada tipo, exceto dois violinos e duas violas da gamba (e também dois oboés e duas flautas pois isto está indicado na partitura), e com direito a cravo, harmônio e até mesmo um alaúde ajudando a linha do baixo. Eu imagino que Bach, ao escreveu esta Paixão, imaginava um grupo um pouco maior de instrumentos e vozes, mas a sensação foi de estar presente na première desta obra (eu imagino que deve ter sido um grupo minúsculo que a apresentou em Leipzig), mas com muito mais precisão do que a apresentação original, já que nós sabemos, por relatos, que as performances de obras mais complicadas nos séculos passados eram bem mal feitas (instrumentistas não tão bons, pouco tempo de ensaio, etc… basta a gente pensar que hoje TODO estudante de violino toca os caprichos de Paganini e que todo estudante de piano toca Liszt e Chopin e que na época em que estas composições foram escritas, elas eram quase intocáveis. Outros exemplos são a Nona e os últimos quartetos de Beethoven).

    Um abração!

    1. Se eu conheço a orquestra de Freiburg??? Pô, mas é bóbvio. Os caras são o máximo. Se eu ganhasse na megasena, ia convidá-los para tocar no Clio só pros meus amigos…

    2. Além da incrível Es ist vollbracht e de uma penca de árias notáveis, o que mais me surpreende na São João é o coral inicial. Ele parece que começa no meio. É como um súbito mergulho. Coisa de gênio.

      1. Eu também acho o coral inicial uma das passagens mais fantásticas que Bach já escreveu! E o mais interessante é que, em uma das muitas versões e revisões que ele fez desta Paixão, ele RETIROU este movimento da partitura!! Ainda bem que, depois, ele reviu mais uma vez e colocou-o no seu devido lugar.

        E eu estou louco atrás de um CD da orquestra de Freiburg tocando esta Paixão. Se eu encontrar, eu encomendo dois e te mando um. Um abração!

    3. Gilberto,

      teu comentário me trouxe de imediato à memória o ótimo (e divertido) ensaio “Should music be played wrong ?”, de Charles Rosen, sobre o problema da execução de nova música, geralmente situada bem além da compreensão de seus contemporâneos.

      1. Eu não conheço o texto, Maurer, mas vou tentar encontrá-lo. Sobre a falta de compreensão, o que eu penso é que é justamente a longa exposição do público às novas linguagens e tendências que tornam uma obra musical “compreensível” para o mesmo, então, neste sentido, toda obra inovadora encontrará este problema. Hoje, mesmo um ouvinte leigo irá achar os últimos quartetos de Beethoven belos, e na época mesmo os mais eruditos torceram o nariz. O simbolismo musical é, ao meu ver, algo móvel. Nós já não realmente compreendemos a música Medieval e Renascentista (o sistema de modos soa confuso e a base do nosso simbolismo musical, a tonalidade, é encontrada somente como algo latente no ar, nunca definida), mas por outro lado a música romântica é extremamente direta aos nossos ouvidos. Um dia, a música atonal e dodecafônica poderá também chegar neste patamar de compreensão (hoje já encontramos mais e mais trilhas sonoras atonais em filmes, por exemplo). Um abraço!

        1. Puxa, fiquei curioso sobre esse artigo do Rosen. Numa busca rápida no google não achei disponível em nenhum lugar. Se alguém puder disponibilizá-lo, seria muito legal.

          abraços

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