Pontos de Vista de um Palhaço, de Heinrich Böll

Como disse recentemente, li pela primeira vez este Pontos de vista de um palhaço (Editora Estação Liberdade, 308 páginas) ao final dos anos anos 70 numa edição em espanhol — Opiniones de un payaso — e tinha ficado apaixonado pelo livro. Quando vi casualmente em uma vitrine a tradução brasileira, da qual ignorava a existência, me veio uma grande saudade daquela época e do livro de Heinrich Böll (1917-1985). Há 30 anos atrás, tinha chegado ao romance através da mais adolescente das lógicas: ora, se o cara ganhou o Nobel (Böll recebeu o prêmio em 1972) tem que ser bom. E, por sorte, era.

Pontos de vista de um palhaço conta a história de Hans Schnier, de 25 anos, um palhaço profissional em precoce decadência. Abandonado pela namorada, a católica Marie, seu grande amor, e com uma lesão no joelho que o fará parar de trabalhar por uns seis meses, Schnier é um ateu com forte propensão à monogamia… Então, vendo o trabalho afastar-se lentamente — antes da lesão já estava recebendo críticas cada vez mais hostis — e sem Marie, começa a beber e a perder a inspiração. O joelho machucado o faz voltar para sua casa em Bonn a fim de reconstruir sua vida sob alguma nova forma. Porém, antes precisa de algum dinheiro.

A belíssima e triste história é narrada na primeira pessoa através da voz sarcástica e ressentida do palhaço Schnier. Ele telefona, fala com muita gente, mas quem não foge é afugentado com seu mau humor e o deboche. Os amigos ligados à ex-mulher vão sumindo ou o ignoram; seu pai, um homem de posses que é o único a fazer-lhe uma visita em seu apartamento, é quase enxotado após uma discussão esplendidamente descrita do ponto de vista humano e literário. De forma lenta e sistemática, Schnier simplesmente inviabiliza a ajuda que financeira que receberia. E assim vai Schnier.

Böll é um autor e uma consciência à antiga. Trata-se de um católico extremamente crítico à igreja. Sua agressividade e anticlericalismo não pode ser comparada a um ataque de um ateu. É alguém que vem do seio da igreja e este seu romance, assim como outros que escreveu, é perfeito.

Indico fortemente.

P.S. para Juliana Szabluk e Vanya Sant`Anna, em razão de uma discussão no Facebook: No livro de Böll, os mesmos personagens que caçavam judeus e armavam crianças, tornaram-se pessoas de respeito. Logo após a guerra, já estavam a postos, cheios de religião, ética e prontas para erguerem a nova Alemanha limpinha e democrática. Eram os mesmos sob outro contexto. A forma sutil como o autor liga catolicismo e nazismo é uma lição para artistas que se utilizam de simbologias deselegantes, demasiado escarradas ou truculentas. Nos anos 70, Pontos de vista de um palhaço gerou imensa repercussão na imprensa, tendo a igreja católica alemã em seu cerne. Prova de que a hipocrisia é um grande tema.

11 comments / Add your comment below

  1. O que me deixa puto é que toda vez que vou à livraria não vejo esse livro, lançado há mais de dois meses, no mínimo. Olha que vou a 5 livrarias diferentes. O Rio de Janeiro continua lindo, mas o Rio de Janeiro continua sendo…

  2. Milton,
    eis o meu palhaço…

    SÉTIMO
    by Ramiro Conceição

    Não cantarei às sete
    fontes, às sete cores,
    nem sequer aos sete anéis.
    Nada direi dos sete
    amores ou dos sete
    selos do louco João
    ou dos sete pecados
    cometidos, num só dia,
    por Sete, filho de Adão.

    Do sábado? Nem falar,
    após sete cervejas!
    Não vou narrar os sete
    tiros na encruzilhada:
    seis mortos e 1 em coma.
    A coisa aqui tá branca,
    não tá pra brincadeira,
    tá pra bicho de sete
    cabeças muito doido.

    Não contarei dos sete
    tombos do demônio, nas
    sete esferas celestes,
    até o abismo, o sétimo,
    esse inferno terrestre
    onde se quebra os dentes
    e não se escapa nem com
    botas de sete léguas,
    fé ou versos de sete pés.

  3. [recebi há pouco, vi o dia 18 de junho e não pude deixar de me lembrar de ti! dá uma olhada…]

    A partir do dia 28 de maio será realizado o seminário Livros que Abalaram o Mundo, com 16 títulos que serão analisados e debatidos por estudiosos e especialistas das áreas de história, letras, psicologia e filosofia. O evento será dividido em dois módulos e os encontros serão sempre aos sábados pela manhã, das 9h às 12h, no Teatro Renascença (Av. Erico Verissimo, 307), com a seguinte programação:

    28 de maio:
    Dom Quixote (Miguel de Cervantes) – Luís Augusto Fischer
    Novo Testamento – J. H. Dacanal
    Mediador: Fernando Brum

    4 de junho:
    A consciência de Zeno (Italo Svevo) – Antônio Sanseverino
    Emílio (Jean-Jacques Rousseau) – Voltaire Schilling
    Mediador: Pedro Gonzaga

    11 de junho:
    O Manifesto comunista (Marx e Engels) – João Carlos Brum Torres
    Freedom (Jonathan Franzen) – Flávio Moura
    Mediador: Felipe Pimentel

    18 de junho:
    Lolita (Vladimir Nabokov) – Martín Kohan
    O Túnel (Ernesto Sábato) – Martin Paz
    Mediador: Ruben Daniel Méndez Castiglioni

    INSCRIÇÕES:
    Coordenação do Livro e Literatura (Av. Erico Verissimo, 307 – subsolo da biblioteca).
    De segunda a sexta-feira, das 9h às 12h e das 14h às 18h.
    Livraria Palmarinca (Rua Jerônimo Coelho, 281 – 1º andar).
    De segunda a sexta-feira, das 9h às 18h30 e aos sábados 10h30 às 14h.

    Os valores por módulo são de R$ 50 para o público geral e R$ 25 para estudantes, professores, maiores de 60 anos e funcionários da PMPA.
    Inscrições:
    Para fins de obtenção do certificado será observada a freqüência mínima de 75% do número total de 12 horas.

    INFORMAÇÕES:
    32898072/8071
    http://www.coordenacaodolivro.blogspot.com

    1. Isso é incrível, Arbo! Deu muita vontade de ir. Mas um tanto grandiloquente o título, “Livros que abalaram o mundo”. Por mero acaso li todos os acima mencionados, menos o Freedom _ fiz um pedido na pré-venda. O Novo Testamento e Dom quixote sim, mas os demais títulos (tá bom, tem o manifesto também), apesar de excelentes, não possuem essa envergadura histórica. Alguém poderia ir a um centro espírito invocar o finado Milton Ribeiro para ele reativar o blog com um post sobre o assunto_ mas não no fim de semana, para termos a participação do Nunes.

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