O Coração de Olenka, Queridinha ou Minha Querida, de Anton Tchékhov, vira peça teatral

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Há duas ou três semanas atrás não pude ir à Montevidéu. Minha mulher tinha um compromisso lá e meu gasto se resumiria às passagens. Tinha combinado minha ausência com a chefe, só que no ínterim ela pediu demissão e, quando notei que criaria um belo problema se mantivesse a viagem, preferi ficar em Porto Alegre sem avisar ninguém. Foram-se parte de minhas milhas, mas a verdade é que gosto tanto do lugar onde trabalho que nem me importei tanto. O único problema foi criado por uma narrativa de minha mulher. Em Montevidéu, ela assistiu a uma peça que eu realmente queria ter visto. Oh, pecado, pecado, vou mais à teatros de Montevidéu do que de Porto Alegre e os motivos são, via de regra, literários. Vejamos.

Depois de me contar a coisa, ela escreveu no Facebook:

… vi o monólogo Mi Querida, de Tchékhov, no teatro Circular (super-interessante a experiência, cabiam uns 60 expectadores e estes tomavam chá e comiam biscoitos servidos pela personagem enquanto ela contava sua vida)…

Eu sei que ela não fez isso para acabar comigo, mas… Porra, logo me dei conta de que se tratava do conto Queridinha, Minha Querida ou O Coração de Olenka. Mais, notei que era uma grande ideia levar o texto ao palco e que uma atriz que servisse biscoitos salgadinhos e chás ao público seria perfeito, pois Olenka apenas preocupa-se com os outros, em amar e servir e adotar as opiniões de alguém. E fui ficando cada vez mais entusiasmado achando que não fora apenas um grande ideia mas algo Genial passar para o teatro o notável conto de Tchékhov que tantos títulos recebeu nas traduções brasileiras. É uma coisinha simples, daquelas que a gente, quando descobre que alguém realizou, logo pensa: “Mas isso estava caindo de maduro!”.

Não vou contar a tristíssima história do contista, novelista e dramaturgo russo, nem vou dar spoilers que prejudiquem a leitura de quem não conhece este conto perfeito, mas o detalhe das bolachas e do chá servido aos assistentes é arrasadoramente significativa. Tanto que fui buscar em jornais uruguaios os detalhes.

O que li em três ou quatro lugares foi mais ou menos isto: a atriz Isabel Schipani traz o monólogo Mi Querida, obra da dramaturga argentina Griselda Gambaro. Mi Querida é baseada em uma história de Anton Tchékhov. Uma mulher idosa olha para trás em sua vida, uma dessas vidas simples que os grandes personagens da Rússia mantém permanentemente entre a ansiedade e o humor (boa observação). Mi Querida é um convite para partilhar um chá na casa de Olga (Olenka), a mulher que quer contar como não pode viver sem amar a alguém e muito menos pode aceitar a solidão. “Sem amor eu não existo”, diz Olenka. O texto fala calma e delicadamente do sofrimento de quem vive a necessidade de sempre se apegar a alguém ou a algo, e de como sua visão do mundo é alterada ao longo da existência em função do amor. No conto, tudo é descrito na forma de um retrato condensado do cotidiano desta criatura. Gambaro demonstra que a essência do homem é sempre a mesma. Griselda Gambaro — muito prazer! — ,aliás, é uma das figuras centrais da escrita dramática platina e sua peça é um espelho para muitos. Para o que queremos e não queremos ser. Tudo numa reunião à hora do chá.

OK, dito isso, vou ali no cantinho me matar.

Queria deixar o conto disponível para meus sete leitores, mas só encontrei isso aqui, que está QUASE completo.

Anton Tchékhov e sua esposa Olga Knipper

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5 comments / Add your comment below

  1. Impressionante o efeito que Tchécov tem sobre nós. Só citá-lo já faz com que você escreva ainda melhor (um tom oitocentista e reservado em seu texto). Até essas minhas singelas três linhas tem algo de magnânimo.

  2. Tudo o que posso te dizer é que “mi querido!”, era para estares lá comigo. Eu vejo o teu “Monologo Amoroso” um pouco assim, com a filha tomando um chá com a platéia e contando a história da mãe da qual a voz poderia ser ouvida só em off. Humor e melancolia sei que tens de sobra, porque não acabas o texto?

  3. Já vi uma montagem do conto aqui no Rio, há alguns anos atrás (sou péssimo em antiguidades, mas diria 5 anos, com muitas sombras de dúvida), com o nome simples de “Queridinha”. Não perco nada do autor no teatro ou em livro, desde as peças até adaptações de seus contos no teatro até biografias e correspondências, além das maledicências de seus críticos sobre seus aspectos morais menos edificantes.

    Não teve chá com bolinhos.

    Chá: uma montagem de Kirilov, na forma de monólogo, aqui no Rio, uns 10 anos atrás (de novo, etc.). Texto baseado em os Demônios, de Dostoiévski, só com o personagem a destrinchar suas teorias pré-nietzscheanas, e uma atriz silenciosa, servindo chá para a platéia, em um pequeno teatro (Aliança Francesa de Botafogo), com mais ou menos 50 lugares.

    Espetáculos de bolso são íntimos, divertidos, melancólicos; a proximidade com os atores (de regra, com o único ator em cena) dá um tom diferente à experiência, como uma encenação feita na casa da gente.

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