Lisbon Revisited (1923), de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)

Pois nosso amigo Arthur de Faria musicou este poema. Foi um dos grandes momentos de seu show solo do último sábado. Ele — pessoa extraordinariamente otimista, pra cima… — disse que a frase de sua vida estava no poema.

~o~

Lisbon Revisited (1923), de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)

NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo…
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

Fernando Pessoa

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  1. Pessoa revisitado

    É melhor ficar quieto; ninguém
    é sábio, mas diz o ditado “pensando
    morreu um burro”

    Vivo pensando, mas não digo;
    melhor não dizer, todos falam, todos
    fingem que ouvem, até mesmo eu

    Eu, que entre tantos sou mais um
    que só se revela quando nada diz
    sequer para si mesmo, nesse silêncio
    que não é silêncio, pois ainda não
    de morte, e só por ela é que, na verdade
    todos se calam, embora muito digam
    sobre a morte, como se a conhecessem
    além do mau exemplo daqueles que partiram
    sucumbidos pelas doenças, pelo suicídio, e
    desde então, nada disseram

    Já falei demais, fui como que forçado a isso, é dito
    a cada homem seu testemunho, como se eu pudesse
    entre tantos, dar prova daquilo que vi e ouvi
    enquanto vagava por este mundo como que cego e surdo
    a tudo, menos a eu, esse eu, pequeno eu, acima de tudo
    eu, expressão minha de uma existência medíocre

    Mas por que falo? Por que
    dou elemento impresso ao som
    forjo palavras como se elas pudessem
    em si mesmas, ser expressão de vida e consciência?

    Não, fiquem sós, fiquem em paz, se isso existe
    se tanto pudéssemos, nós e sobretudo eu
    cujo reflexo no sonho que tenho a despertar
    cotidianamente, é de um louco que abraça
    em festa, o dia que começa, por oposto fim
    de sua razão alegre

    Fiquem sós, fico eu, é melhor ficar quieto, ou
    isso, ou zurrar diante do mundo, nu e
    posto cadáver, com seu amedrontador, ativo
    silêncio.

      1. Há anos fiz um fado com o canto XVIII do guardador…

        O Guardador de Rebanhos
        by Fernando Pessoa

        XVIII

        Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
        E que os pés dos pobres me estivessem pisando…
        Quem me dera que eu fosse os rios que correm
        E que as lavadeiras estivessem à minha beira…
        Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
        E tivesse só o céu por cima e a água por baixo…
        Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
        E que ele me batesse e me estimasse…
        Antes isso que ser o que atravessa a vida
        Olhando para trás de si e tendo pena…

  2. A frase da minha vida é:
    “Não me peguem no braço. Não gosto que me peguem no braço”.
    Mas podia ser:
    “Não sou candidato a nada, meu negócio é batucada, mas meu coração não se conforma: o meu peito é do contra, e por isso mete bronca nesse samba-plataforma”.

    Ai, fiquei na dúvida agora, rererere.

    Curtiu o xô? Vai ver o próximo do Arena! E leva vinho!

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