Movido a culpa ou #prontofalei

Compartilhe este texto:

Cada vez mais me convenço de que sou movido a culpa. Ela manda em mim diariamente, inclusos os feriados, manda em mim todas as horas todos os dias e, assim como me ordena coisas, me impede de fazer outras, normalmente o que desejo realmente fazer.

Estou em culpa financeira, familiar, profissional, afetiva, íntima e não acharia nada estranho se um estranho me acusasse de algum delito que ainda não conhecesse, mas que poderia facilmente agregar-se à Grande Culpa Existencial que me cerca. A impressão que tenho é de não faria muita diferença.

Por exemplo, sou culpado por gastar mensalmente até o último centavo que ganho sem vislumbrar saída. É claro que isto é, em parte, causado por outras culpas: afinal, minha filha está num dos melhores colégios da cidade. Já imaginaram a culpa que sentiria se não fosse assim? Mas é óbvio que há vários gastos menos essenciais causados pela culpa. Até o pequeno óbolo pago mensalmente ao SC Internacional carrega alguma culpa em função dos dependentes. E há a culpa de dez anos atrás, quando deixei, aos 44 anos, minha ex ficar com absolutamente tudo para me livrar da culpa de estar “abandonando” as crianças. Ou seja, é uma culpa especial. É do gênero que, associada às sacanagens de outrem, gera mais culpa.

A culpa familiar é notável, pesadíssima. Minha mãe passou a maior parte de 2011 no hospital e não tenho tempo para apoiá-la e para visitá-la adequadamente. Não tenho muita culpa diretamente em relação a ela — faz alguns anos que está no nevoeiro do Alzheimer (ou, mais exatamente, no dos Corpos de Levy) — , mas tenho uma dívida abissal e culpada em relação a minha irmã, que vai ao hospital todos os dias e que deixa tudo acertado entre cuidadoras,  médicos, etc. Quando visito minha mãe durante a semana — o que faço dois ou três dias — e fico um pouco mais de tempo por lá, há um outro abismo, a culpa profissional. Mas, ainda na família, há meu filho que mora com a mãe e que mal acompanho. Antes, tal postura era quase uma opção, pois não desejava massacrá-lo com perguntas quando me visitasse, porém hoje noto que o outro lado não está muito preocupado com o que ele faz ou deixa de fazer. Então, quando quero saber coisas e tento cobrar, é como se estivesse invadindo sua vida o que gera mais… Vocês já adivinharam. Ontem, discuti com miha filha. Ela diz que eu mal lhe ouço e tentei provar que o mesmo vale para ela. O que digo e aquilo com o qual ela (diz) concorda(r) não é cumprido, mas sinto-me um carrasco ao insistir. Não tenho o perfil do algoz, não adianta.

Devo trabalhar entre 9 e 12 horas por dia, somado o horário na empresa e o que faço em casa. É insuficiente. Sim, não eu sou que digo, são os resultados. Somos uma equipe pequena e unida. Temos o estresse controlado. Mas a falta ou omissão de qualquer um de nós é sentida imediatamente. Então, se passo a dar muito tempo aos problemas pessoais, estoura no trabalho. Não é divertido.

Com todo o tempo que me sobra, nem sei como resolvo ou não minha vida afetiva e íntima. É administrada em ponto morto, por inércia. Acho que um breve período de férias faria um imenso bem para nós porque o estresse está pegando.

Ontem foi feriado. Meus filhos estavam com a mãe, eu já tinha ido ao hospital, chovia e o cinema estava fraco. Eu não estava com vontade de ler, o que é raro. O resultado é que não sabia o que fazer e fui trabalhar. Pareço esvaziado. Será que é só cansaço o que me impediu de fazer alguma coisa de interessante que resultasse em prazer pessoal? Ou a ausência de culpa me surpreendeu e paralisou?

#prontofalei

No blog “É isso aí (ou não)”, há um post chamado Receitas de Mãe: o prato apetitoso que vemos servido acima é um Sentimento de Culpa Gratinado. Vai um aí?

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

25 comments / Add your comment below

  1. Você, movido à culpa? Então qual a graça de ser ateu? 😛

    Eu acho que tem fases que são assim mesmo. Me refiro, mais específicamente, à adolescencia dos teus filhos. São muitos gastos, muito tempo e incompreensões muito grandes, dos dois lados. É difícil mas passa.

  2. Tenho certeza de que será passageiro. Já passei por momentos assim, alguns um tanto demorados outros meio relâmpagos (esses aparecem de vez em quando e alguma novidade ou perspectiva ou pensamento os fazem passar rapidinho).

    Sinto saudades suas e, quando achares uns 30 minutos no meio dessa balbúrdia toda, gostaria de tomar um café contigo novamente.

    E jamais ouse dizer que pagar a mensalidade do SC Internacional lhe deixa culpado! Isso é uma heresia!!!! Hehehehe!

  3. A culpa, até pouco tempo, era meu problema principal. Recordo de um dia terrível, quando morava num apartamento, em que estava de folga do trabalho e me sentei no sofá sem ter o que fazer e fui massacrado pela culpa.

    A culpa fez com que eu atrasasse tudo em minha vida. Demorei me casar, ter filhos, ter uma casa, me firmar num emprego. Fugia dessas responsabilidades porque era pressionado a fazer o oposto pelo qual passei.

    A cura (?): hoje estou bem mais leviano, e por isso, numa situação mais saudável. Tinha muito medo de ser um péssimo pai, da separação, etc. Era o meu maior receio. Ontem mesmo nos sentamos todos, à noite, no banco da praça deserta, e não havia NADA para fazer, a não ser curtir a bela e irresistível passagereidade de tudo. Houve muitos abraços e foi um daqueles raros momentos em que me reconheci feliz.

    (Deves mesmo sentir culpa pelo dízimo que pagas ao time. Até isso, eu, um inveterado indiferente ao futebol, tive que pagar. Quando do jogo da seleção em Goiânia, fui um dos abençoados em estar no carro, de frente ao semáforo, esperando o sinal verde, quando o ônibus dos heróis do 0x0 surgiu por trás. Os 50 policiais que faziam a escolta dos representantes da pátria fizeram que os carros avançassem, furando os sinais vermelhos que tinham pela frente. Naquela brutalidade e truculência tão caracteristica de nossa cultura social. Resultado: tenho que pagar 190 reais de multa, e mais sete pontos na carteira. Pelo menos me restou a diversão em imaginar a cara do pessoal do DETRAN diante a justificativa que apresentei para que eles me perdoassem da multa, contanto a mais pura verdade.)

    P.S.: sobre Culpa, estão transcorrendo ótimas palestras pela net, num ciclo intitulado “Mutações_ Elogio À Preguiça”, do dia 11 de agosto a 27 de outubro. Uma turma de gente boa, Safatle, Wisnik, Nestrovski, etc. Aqui:

    http://www.elogioapreguica.com

  4. A culpa e a sensação indefinível de que está devendo algo ao mundo, a alguém, a algo. Sei o que é isso.

    Mas o que eu posso falar agora é que mais cedo ou mais tarde as coisas vão melhorar.

  5. Até parece banzo! Poderia ser pior: Já pensou se tu fosse um gaúcho apaixonado pelo 20 de setembro (a grande derrota!)? Não te preocupes, tudo é passageiro, menos o motorista e o cobrador.

  6. “29 SET Oswaldo Giacoia Junior
    Dizer sim ao ócio ou “Viva a preguiça!”
    É preciso refletir sobre a conexão atual entre os temas nietzschianos da escravidão mental, da barbárie civilizada e da ética como estilo de existência e forma de vida, em contraposição ao imperativo categórico do trabalho e rendimento, mediante o confisco do tempo vivido, assim como à autodemissão da responsabilidade e da crítica e à transformação mercantil do ócio em consumo pela indústria do lazer e entretenimento.”

    se estiver por Brasília, ou próximo a, por esses dias, Charlles, recomendo essa do Giacoia. Quando ele vem a Porto Alegre eu não perco, o cara é uma fera com humildade.

  7. Quanto ao Milton, parece o Ceconello quando o Inter vai mal, com a diferença de que no teu caso, Milton, eu torço para que a situação melhore. E pela lógica (não por fé, ou torcida) vai melhorar.
    Arranje uma culpa maior e benéfica.

    [charlles, não pude deixar de rir do teu caso, tragicômico]

  8. Culpas são como todas as coisas com as quais nos importamos; fundam-se nos equívocos gerais em que baseamos nossas vidas. Somos culpados, sobretudo, de nos distanciar da verdade em razão de nosso apego às vantagens imediatas.

  9. Que mulher a tua, hein? Se você fosse católico, era de levantar as mãos pro céu.

    Acho que agora entendi melhor o que te acontece. Você sabe que não pode contar com a tua ex, então tenta fazer a tua parte e a dela. Por isso que você se esforça tanto e sente que não vai a lugar nenhum. E se sente mal, como se fosse um cobertor que cobre a cabeça e descobre os pés. Acho que o jeito é assumir que você não pode. As coisas vão ser sempre assim – meio tortinhas, meio erradas. Se você não fizer porque não pode e ela porque não quer, eles vão ter que ficar sem. Teus filhos têm uma mãe assim e você não pode fazer nada. Eles crescerão com essa realidade que a separação te impôs – tanto no sentido material como no relacionamento. Eu sei que não é o que você gostaria, mas garanto que o estrago não será tão grande. Cresci numa situação muito pior (quem sabe, pessoalmente…) e estou aqui, bem. Melhor ainda quando os enfermeiros me deixam jogar bola com o pessoal da outra ala…

  10. lendo o que a Claudia escreveu ficou pensando que essa culpa confessada do Milton é um sintoma de sua humildade. Dessas coisas que admiro de antevista.

    [nada a ver, mas tenho prestado atenção – uma hora andando pela rua, noutra pelo acaso no dial do rádio – no crescimento (suponho) de uma “igreja” toda baseada no OLHO GORDO, na inveja. Vou repetir o termo aqui – e a Claudia escreveu com hífen, pero no sé -, isso é tragicômico. Dou risada e ao mesmo tempo sinto pena dessa gente q é enganada por essa gentalha, q só está interessada no dinheiro pouco que aqueles têm, ou nem têm, e que para tomá-lo administram um pérfido sistema de colagens, que nem precisa ser bem feito, pegando daqui e dali as armas mais eficientes da religião, do marketing, da oratória, para dizer e repetir incessantemente que o inferno não somente são os outros, mas você, quando calha de estar DESPROTEGIDO. E, é claro, eles têm o antídoto, embora você não vá notar que eles é que criaram a doença. O ser humano está sujeito desde ao mais bizarro e raso jogo de palavras, a alguns mais complexos, que vão dar em certas culpas sofisticadas, ou por uma ingenuidade que é parente da ignorância (no primeiro caso), ou por uma que me parece mais “ativa”, ou premeditada, escolhida. Faz sentido eu ser ingênuo por opção, se há uma possibilidade de acerto. Com certeza não me expresso apropriadamente aqui, a palavra ingenuidade talvez não caiba, ou precisasse de uma definição, mas paro por aqui e só não apago por sentir que algo do que disse faz sentido – quando é que vou me livrar da simples intuição das coisas???]

  11. Querido Milton, eu também sou movida a culpa, como você. Não sei se é culpa do temperamento ou da educação que ambos recebemos (pelo menos dois dos meus três irmãos afirmam que também se sentem assim), mas pra nós é difícil reconhecer que é impossível ser pai/mãe, cônjuge, filho/a, profissional, amigo e ser humano perfeito. Podemos apenas ser bons o bastante… e tentar perceber quais são as áreas da nossa vida que exigem nossa atenção prioritária.

    Pra mim, no ano passado foi a escrita, a auto-realização. Este ano é minha filha, que passa por uma idade e um período complicados.

    Espero que você consiga encontrar o equilíbrio e se sentir (ao menos um pouco) mais sereno. Pelo menos conta com a ajuda da Claudia, que eu não conheço, mas já vi que é uma grande companheira. Tá, esposa, esposa… 🙂

    Grande abraço e muita calma nessa hora. As coisas vão melhorar.

    Sua amiga sumida

    Ana

  12. Uns dias atrás eu pensava sobre a culpa. Cheguei à conclusão de que já nascemos culpados – especialmente as gerações mais novas. Eu tenho parte em toda essa coisa nojenta aí fora – todo lixo, toda poluição, toda violência, superpopulação, aquecimento global, erotização infantil, relativismo de valores, hedonismo, desemprego, diluição dos vínculos familiares, individualismo, abismos sociais, o escambau, tudo é em parte culpa minha! Só porque eu nasci! E quando não é culpa minha por ação, é por omissão! Vão se catar todos vocês! Como bem disse o charlles campos, opto por ser mais leviano e portanto mais saudável. E viva Vivaldi e Stones (sei lá, parece que tem alguma coisa a ver).

  13. Sentir culpa é inerente à condição humana (desde que neurótico; o perverso não a tem e o psicótico é quase sempre temeroso do Outro invasor).
    Mas há que tomar cuidado com as consequências da culpa: a raiva e a auto-agressão (que deveriam ir contra o outro) e que se voltam contra si mesmo. Daí as exigências desmedidas que alguém se impõe, em busca do ideal inatingível.
    Há estratégias, porém: o humor (não a auto-ironia cáustica), o riso de si mesmo e umas boas férias nas montanhas de Minas.
    Pode vir.
    Sem culpa.

  14. Olha Milton, existe motivação sem culpa? Quando fazemos as coisas com idealismo, somos movidos pelo prazer e pelo entusiasmo, quando fazemos com culpa, fazemos para ressarcir uma cobrança, e neste caso até o direito ao prazer, e o restabelecimento da auto-estima ficam diminuídos.
    Ou seja, mesmo conseguindo pagar uma dívida, continuamos frustrados.
    Quando realizamos uma tarefa com culpa, significa que estamos apenas cumprindo uma pena, estamos tentando nos reabilitar de uma condenação, portanto o mérito reside apenas numa tentativa de recuperarmos ou tentar manter a auto-estima ou o afeto de outros, de demonstrar a nós mesmos ou aos outros que temos valores e que somos bons.
    Ao prenúncio do erro ficamos tensos. Seremos cobrados ou também vamos partir para a cobrança, e neste sentido de assolarmos os outros com nosso policiamento. Nisto se constitui a hipocrisia existencial? ou a necessidade de mantermos a nossa integridade frente aos ataques e defesas do relacionamento cotidiano?…
    Se não somos criminosos condenados pelo estado, então, dos relacionamentos com os outros, ou das expectativas que temos em relação a nós próprios, nasce um perigoso jogo entre os ditos culpados e as ditas vítimas.
    Muitas vezes se estabelece um jogo de chantagem emocional, entre nós e os outros, ou uma chantagem emocional interior que fazemos conosco estabelecendo níveis e expectativas que não somos capazes de cumprir.
    Neste sentido teríamos que avaliar nossas atividades e relacionamentos, e só assumir aquilo que podemos cumprir confortavelmente, pois do contrário, vamos sempre correr o risco de atolarmos emocionalmente, e ficarmos com aquela sensação de “entrei nessa, não sei como sair, ou não sei lidar com a situação, embora queira permanecer nela, e vai lá… “
    Por isto, muitas vezes, vejo a discussão sobre Deus, como a falsa discussão, pois as angustias, os problemas emocionais e existenciais assolam a todos nós, e, para isto, não existem antídotos, ou culpados imaginários.
    Boas férias!

      1. Olá arbo!
        Gostei da sua referência aos temas nietzschianos da escravidão mental, e acredito isto engloba também os aspectos emocionais.
        Daí as referências, e até um certo medo do filósofo frente às questões que envolvem uso do poder, inclusive nos relacionamentos pessoais.
        Depois que publiquei meu comentário, entendi que tinha me referido pouco em afetos. Será que o sentimento de culpa está relacionado a um certo medo de perder o carinho dos outros, ou de não poder expressá-lo mais? De não ser amado e não poder amar?
        Neste caso os afetos e o amor se tornariam, quando se estabelece uma competição, um jogo de poder, em elementos de barganha nos relacionamentos.
        Nasce uma espécie de mercantilismo afetivo, com preço e condições estabelecidas, criando situações ou sensações de onipotência e de dependência entre as partes.

        1. Acho que não entendi o artigo do Milton, não entendi as ironias, e ainda procurei dar um enfoque diferente do ele descreveu ao tema da culpa.

Deixe um comentário