Como os que aqui me antecederam, também vou negar o título da coluna. Não se trata do melhor livro que li até hoje, mas certamente o colocaria numa lista de dez melhores. Pois Uma Confraria de Tolos é uma obra-prima absoluta, uma obra-prima total e injustificadamente pouco lida em nosso país. Duvida? Procure no Google críticas a respeito de A Confederacy of Dunces para conferir que não estou nada sozinho em minha avaliação.
Tenho uma velha edição dos anos 80 da Record, que relançou o livro recentemente na coleção BestBolso. Certa vez, ao citar o livro em meu blog, recebi um comentário de uma leitora que morava no interior da Paraíba. Ela me contou que antes morava em São Paulo, onde lera a Confraria nos anos 80. O livro ficara por lá, mas agora tinha um filho que era um grande leitor e ela PRECISAVA apresentar o livro a ele.
Não sou uma pessoa que mereça a canonização, mas sei reconhecer alguém que precisa de auxílio. Fiquei comovido com o pedido, pois sei a falta que a leitura da Confraria faz a alguém que conheça o livro. Como a Estante Virtual ainda não existia, empreendi uma busca entre os sebos de Porto Alegre. Encontrei o livro e o mandei para a leitora aflita. Ela me agradeceu dizendo que me amava, adorava e que intercederia por mim nem que fosse no juízo final, coisa na qual ela não acreditava, mas que enfim, daria um jeito de interceder.
O tamanho do erro de negligenciar Uma Confraria de Tolos é difícil de caracterizar, mas vamos lá. Começarei pelo título. John Kennedy Toole devia estar consciente da qualidade de seu romance, senão não basearia o título de seu romance de estreia numa citação clássica de um dos maiores escritores de todos os tempos, Jonathan Swift: “Quando um verdadeiro gênio aparece no mundo, você vai reconhecê-lo por um sinal: todos os tolos se juntam contra ele”. Outro motivo de buscar inspiração em Swift é que Toole escreve um romance como eram as histórias do inglês: hilariante de cabo a rabo.
Mas também é muito triste, muito sério, louco, amargo e especialmente inteligente. Uma genial tragicomédia.
Seu protagonista, o hoje célebre — fora do Brasil — Ignatius J. Reilly, é um ser excêntrico, às vezes repugnante. Ele está por seus 30 anos, é um glutão obeso e mal-humorado que mora com a mãe e vive amaldiçoando o mundo moderno. Ignatius leva a frase de Swift a sério: ele é um anti-herói nascido na época errada, que se considera sempre perseguido por idiotas.
Uma Confraria de Tolos se passa em New Orleans nos anos 60. Como o romance Dom Quixote, é picaresco. E, se o personagem de Cervantes ia atrás de aventuras, Reilly é um preguiçoso, excêntrico e idealista atrás de emprego. Durante suas caminhadas, às quais foi atirado pela mãe, que não o suporta mais em casa — e que o acusa de encher a atmosfera de gases intestinais — , ele vocifera contra tudo e contra todo o tipo de modernidade. Walker Percy, em seu prefácio para o livro, descreve Ignatius como um “pateta genial”. Trata-se de um passadista jovem. Desdenha a cultura da modernidade, especialmente o pop. Tal desprezo torna-se sua obsessão: por exemplo, ele vai ao cinema a fim de zombar dos filmes e expressar sua indignação com a falta de “teologia e geometria” (?) do mundo contemporâneo.
Ele prefere a filosofia escolástica da Idade Média, em geral, e a filosofia de Boécio, em particular. No entanto, aprecia muitos dos confortos e conveniências modernas, enquanto observa o funcionamento de sua válvula pilórica, que reage fortemente a todos os incidentes.
Os outros personagens principais do livro, Myrna Minkoff e Irene Reilly, são esplendidamente construídos e, se é difícil dizer mais, explico o motivo: Uma Confraria de Tolos é o mais engraçado dos livros e não devo contar suas piadas neste espaço. Por exemplo, seus encontros com a polícia… Não, melhor não ir adiante.
Reilly tem muito de Toole. O autor também sofreu com uma mãe dominadora e tinha uma visão pessimista de um mundo que não entendia.
Sem encontrar uma editora para publicar o livro e sofrendo de graves crises de depressão, Toole cometeu suicídio em 1969, aos 31 anos. Sua mãe encontrou uma cópia do manuscrito entre os papéis do filho e lutou por muitos anos para conseguir uma editora. Uma Confraria de Tolos foi finalmente publicado nos Estados Unidos em 1980. No ano seguinte, Toole ganhou um Pulitzer póstumo. Nada mais merecido.
Durante o verão passado, minha filha de 17 anos pegou casualmente o livro em nossa biblioteca. Dias depois, ela voltou com uma pequena e significativa frase: “Pai, foi o melhor livro que li até hoje”.
Eu não disse?
Li esse livro há três meses, por recomendação sua e do Paulo (que teve um blog com o título desse romance). Não pretendia comprá-lo em sebos, embora quisesse lê-lo desde que há uns dois anos descobri a existência dele por aqui. Os livros desejados chegam sempre na hora certa, mesmo tardiamente, de modos que eu nem pensava mais em Toole quando encontrei esse relançamento em uma das lojas da Saraiva. Fiquei em êxtase e no mesmo dia comecei a leitura. É realmente tudo o que vocês disseram. A petulância do herói, sua corpulência, sua genialidade autista em ser sempre um pária soberbo, seu sobretudo espantoso sujo e sultanesco, e os outros personagens impagáveis (gostei muito da secretária do escritório em que Ignatius trabalha, que de tão velha já não podem demitir, apesar de dividir a completa e maravilhosamente subversiva inutilidade geral em relação às frentes produtoras capitalistas que domina a todos). Chega a ter essa espécie de desaforo com a realidade dos grandes fabulistas, como Kafka.
(aplausos)
Ok, vocês me convenceram. Vou comprar agora mesmo.
:¬))
Esse post teve efeito contrário aos do Ulysses e do Tristam Shandy: fiquei morrendo de vontade de ler.
Que bom!
Putz… Vou ter que ler então.
Sim, Charlles. Até escrevi um texto relacionando Toole e Dostoiévski.
Milton, percebo que há uma confraria dos leitores deste livro, como se ele fosse uma senha secreta que se cochichasse de ouvido a ouvido. Ouvir falar dele por um amigo de faculdade que o comprou na Inglaterra e dizia que se embolava (sempre usava este termo) de rir com ele, mas que só tinha lido três vezes, pois alguém afanara sua edição. De lá pra cá, já comprei uns quatro ou cinco, importei um para ele, e o meu está emprestado.
Seria mais apropriado dizer que ele sofria de esquizofrenia. Devia ser uma coisa bem subnotificada na época. Hoje, se alguém desenvolve esses sintomas (alucinações, delírios de perseguição, sintomas depressivos), logo lembram de levar ao psiquiatra. Na época, deviam pensar algo tipo: “ah, fulano, deixa de ser maluco, porra!” Sem saber que a pessoa não tinha culpa nenhuma. Os medicamentos da época também não ajudavam – muitos efeitos colaterais. Enfim, não digo isso lamentando seu suicídio, apenas pra dizer que poderia ter tido um final diferente.
Depois da correria do vestibular, este livro está propiciando uma agradável leitura. Não lia algo tão divertido, desde… ok, nunca li algo tão divertido assim!
Só um agradecimento por me apresentar tal obra. Esta sua antologia está me providenciando uma enorme lista de espera. (Aonde arranjo o Tristram Shandy ? Só em sebo ?)
Só pode existir uma classificação para esse livro: obra-prima!!
No último terço do livro eu imaginava, o autor não irá conseguir unir todos esses personagens maravilhosos num final digno. E ele consegue !!!!
Meu personagem preferido? Jones !!!!