Uma lista preciosa: a dos livros para rir

Uma lista preciosa: a dos livros para rir

Nestes anos de 2020 e 2021, apareceram muitas pessoas na Livraria Bamboletras pedindo livros para rir. Sim, a coisa foi complicada e vários leitores foram bem explícitos ao me pedirem livros para segurar quem está sucumbindo.

Aqui na livraria, muitas vezes a gente é também divã. Por exemplo, no dia em que Bolsonaro foi eleito, tivemos clientes que choraram em nosso balcão. Como consolar alguém que está triste porque elegemos um idiota, sabendo que o eleito é uma besta pior do que o tio do churrasco após 3 cervejas?

Mas volto ao tema inicial. Preparei uma lista de livros cômicos. Mas não basta ser cômico, tem que ser MUITO BOM. Nada tenho contra as palhaçadas, mas acho que rir de nervoso também é rir.

Fiz uma lista de improviso:

— Oblómov, de Ivan Gontcharóv
— Enclausurado, de Ian McEwan
— As Intermitências da Morte, de José Saramago
— O Mestre e Margarida, de Mikhail Bulgákov
— Complexo de Portnoy, de Philip Roth
— Os livros de Claudia Tajes
— Uma Confraria de Tolos, de John Kennedy Toole
— A Guerra das Salamandras, de Karel Čapek
— Matadouro Nº 5, de Kurt Vonnegut
— Lucky Jim, de Kingsley Amis
— A Gargalhada de Sócrates, de Nelson Moraes
— Ingresia, de Franciel Cruz
— Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift

Perguntei, no meu perfil do Facebook, que livros deveria acrescentar à lista e a resposta foi uma chuva de excelentes sugestões. Confiram abaixo:

— Incidente em Antares, Érico Veríssimo;
— O Nariz, Gogol;
— Casos do Romualdo, Simões Lopes Neto;
— Escola de Mulheres, Molière;
— O Burguês Fidalgo, Molière;
— A Megera Domada, Shakespeare;
— A Comédia sos Erros, Shakespeare;
— As Alegres Comadres de Windsor, Shakespeare;
— Lisístrata, Aristófanes;
— As Rãs, Aristófanes;
— As Nuvens, Aristófanes;
— Dez Quase Amores, Cláudia Tajes;
— A Casa dos Budas Ditosos, João Ubaldo Ribeiro;
— Um, nenhum, cem mil, de Pirandello
— Contos do Tchekov. “Um sobrenome cavalar” alegra o dia do mais amargo dos turrões.
— A ironia do Machado não seria um tipo de humor? Se sim, Memórias Póstumas!
— Histórias da Vida Privada, do Verissimo
— LFV é minha leitura para tempos difíceis
— As cosmicômicas – Italo Calvino
— Auto da compadecida ☺️
— Anotações de um jovem médico.
— A morte de um estranho
— Instruções para os criados
— Bartleby
— Contos da Cantuária. Chaucer. Penguin Companhia.
— O Complexo de Portnoy, do Roth; Meus Prêmios, do Bernhard; Minha Mocidade, do Churchill; Memórias do Subsolo
— O Homem Nu do Fernando Sabino
— Tia Julia e o Escrevinhador, do Vargas Llosa
— O autor mais engraçado que existe é o P. G. Wodehouse. Qualquer livro seu é prazer garantido e muita risada. Só não sei como andam seus livros em catálogo no Brasil.
— A mulher que escreveu a Bíblia, Moacyr Scliar
— A peregrina de araque
— Faltou o Paul Beatty, especialmente em “O Vendido” e todos os livros do Pynchon
— A Consciência de Zeno e Tristram Shandy.
— O Compromisso e O Ofício, ambos de Serguei Dovlátov, são muitíssimo engraçados. E o recém lançado no Brasil, Tchevengur, do Andrei Platônov, tem a mesma hilaridade ácida e absurda do Dom Quixote.
— A esposa de Gogol do italiano Landolfi.
— “As nuvens” , Aristófanes.
— “Esperando Godot ” do Becket e “Muito Barulho por Nada” do Shakespeare.
— “Uma Proposta Modesta e Outros Ensaios” do Jonathan Swift.
— E o Henfil ? Nenhum livro com os Fradins, o bode Orellana e a Grauna?
— Qualquer coisa do Verissimo, mas acho que A velhinha de Taubaté seria meio agridoce demais…
— O remorso de Baltazar Serapião – Walter Hugo Mãe
— Comédias da vida privada. A autobiografia do Billy Wilder. Qualquer treco do Reinaldo Moraes. — A trilogia de Bridget Jones.
— As rãs – Mo Yan
— Eu amava os contos da coleção “Para gostar de ler” – eram excelentes, muita leveza.
— O Analista de Bagé
— Suas histórias da Bamboletras renderiam um ótimo livro, meu caro.
— As melhores tiradas de PQP Bach” tb…
— O Senhor da Foice, de Terry Pratchett
— Tomar um café com papo com Milton Ribeiro é o melhor!
— Todos do Olavo de Carvalho.
— Veríssimo (LF) e Antonio Prata.
— Recomendo também o pai, Mário Prata.
— Woody Allen
— “Cuca Fundida” e “Sem Plumas” são ótimos, bem lembrado!!!
— Barão de Itararé
— Dom Quixote.
— Biografia do Deltan Dallagnol. Parei nas primeiras 20 páginas, porque não conseguia parar de rir.
— É interessante como Dostoievksi é engraçadíssimo. O jogador, por exemplo, tem partes maravilhosas para o riso. Assim como Os demônios e O idiota. Mas as páginas a que me referi de Memórias entraria em qualquer antologia das mais hilárias da literatura
— Já leu “O Eterno Marido”? Muito engraçado.
— Olha o livro que me fez gargalhar esse ano foi A vida pela frente do Roman Gary, mesmo não estando na minha forma olímpica
— “O Homem ao Quadrado”, de Leon Eliachar. Piadas ótimas e outras não tanto, mas o conceito dos capítulos do livro é genial (capítulos pra ler no banheiro q tem papel hig… Ver mais
— O apocalipse dos trabalhadores, do Valter Hugo Mãe, tem cenas engraçadíssimas, apesar de toda a tragédia.
— Também qualquer Woody Allen
— Quase Memória do Cony
— Ainda não está em livro, mas está no Facebook, “As Corônicas”, do Fernando Corona
— Ouvi dizer que A Gargalhada de Sócrates arranca algumas risadas. 🙂
— Os livros de crônicas do Aldir Blanc.
— Millôr Fernandes
— A dica que me ocorre primeiro já está na lista, As intermitências do morte. Talvez Incidente em Antares caiba aí. Nu de botas, do Antonio Prata, mesmo sem ser ficção, é uma ótima pedida pra quem cresceu nos anos 80. Eu me divirto com Emma, da Jane Austen
— Millor Fernandes e o Luiz Fernando Veríssimo!
— Reacionarismo católico inglês: qualquer um do Evelyn Waugh e O Homem que era Terça Feira, do CK Chesteron.
— Os contos do Mark Twain, são autêntica literatura de emergência para tempos sombrios.
— Asno de Ouro; D.Quixote; Gargantua e Pantagruel; Gil Blas; O Sofá
— As aventuras de Huckleberry Finn
— Lembro de ter rido bastante com o Digam a satã que o recado foi entendido. Do Daniel Pellizzari. — — Encontro muito humor tb nos livros da Veronica Stigger. ❤❤ A Veronica Stigger tem uma preciosidades de humor cruel
— Milton, se você não leu ainda o Estacao Atocha, do Ben Lerner, leia. É hilário e excelente.
— Asco, de Castellanos Moya, e O Inspetor Geral, de Gogol.
— O Tirza é um romance que te choca ao mesmo tempo que te faz rir bastante. Recomendo.
— Jô Soares, romances e autobiografias; Beckett, Stanislaw e Ricardo Araújo Pereira
— Livros dos chargistas… Santiago Neltair Abreu,
— A Gargalhada de Sócrates, do Nelson Moraes;
— Qualquer um do Alasdair Gray;
— Tristram Shandy.
— Sempre uns 80 por cento dos autores que você cita eu só nunca ouvi falar, como acho que na verdade nem existem. 😃
— Lembra de “Porcos com Asas”? Eu rio até hoje só de lembrar uma parte. E “Patty Diphusa” também é de matar de rir.
— Ri muito com Resposta certa, do David Nichols. Não sei se está à altura da bamboletras, mas foi o terceiro livro que mais me fez rir nos últimos tempos. O segundo foi A gargalhada de Sócrates. O primeiro foi o programa do evento do Brasil paralelo.
— Eu ia sugerir “Cágada”, do Gladstone O. Mársico, mas deve estar esgotado… infelizmente.
— Ia indicar A Gargalhada de Sócrates, mas seu radar não o deixou escapar…
— Os do L.F. Verissimo em primeiro lugar.
— O conto “Comportamento nos velórios”, do Cortázar. Está no livro Histórias de cronópios e de famas e na antologia Autoestrada do sul, da L&PM.
— Bah, os da Cláudia Tajes são hilários, dá para rir muito!
— Acrescente ‘Bilac vê estrelas’, de Ruy Castro. Classicamente falando, O Asno de Ouro de Apuleio e Satiricon.
— Candido Urbano Urubu.
— O livro de crônicas do Nelson Rodrigues, A Cabra Vadia, é para rir demais.
— A Auto da Compadecida de Ariano Suassuna
— Novela de Eduardo Mendoza Garriga
— Caviar é uma ova do Gregório Duvivier
— Luis Fernando Verissimo
— Mais um, maravilhosamente engraçado: Uma casa para o sr Biswas.
— “Quem matou Roland Barthes?”
— Os velhos marinheiros, de Jorge Amado
— Cuca Fundida, do Woody Allen
— Qualquer um do Gabo
— A Importância de Ser Prudente, Oscar Wilde.
— Nao digo rir, mas sorri muito lendo o barão das arvores, do ítalo calvino.
— “Macaco preso pra interrogatório” e “O riso dos torturados”…
— “A uruguaia” e “As desventuras de Arthur Less” – engraçados e boa literatura
— Fábulas fabulosas, do Millor. Cabaret Demenzial, da Veronica Stigger. Esse último é humor cruel, mas ri muito com algumas das histórias, como a do casal que vai se mudando pra lugares cada vez mais minusculos por falta de grana.
— Lembrei dum conto dos cervantes, acho que se chamava os faladores. Era dos de gargalhar. E as comédias de Shakespeare ou Moliére. 🤣
— “A morte e a morte de Quincas Berro D´água”
— Podes colocar um sub-título: Livraria Bamboletras, uma Farmácia Literária. Que tal?
— “manual prático de bons modos em livrarias”. pequenino e engraçadíssimo.
— Cândido de Voltaire; O Inspetor Geral de Gógol; O Santo e a Porca, Auto da Compadecida, de Suassuna.
Diego Michel GÓGOL!!!!!
— eu citaria o Pornopopeia de Reinaldo Moraes.
— “Os amores difíceis”, livro de contos do Ítalo Calvino apresenta alguns contos muito hilários
— Autobiografia da Rita Lee. Os subterrâneos do Vaticano de André Gide.
— FEBEAPÁ -Festival de besteiras que assolam o país. Sérgio Porto -Stanislaw Ponte Preta.
— O Livro dos Seres Imaginários, de Jorge Luis Borges.
— Comédias da Vida Privada, do Veríssimo.
— Efraim (ou Ephraim) Kishon, vários titulos…lembro agora de Como Aborrecer um Guarda e outras…, Trad. Luis Fernando Verissimo. Muito bom.
— Ephrain Kishon húngaro israelense’ tb dramaturgo. Millôr Fernandes traduziu uma peça dele, “Pô, Romeu!”, muito engraçada.
— O Mundo é Pequeno, do David Lodge. É o mais engraçado dos romances dele, mas Invertendo os Papéis (mesmos personagens, alguns anos antes), e Terapia também são divertidos.
— E tem os João Ubaldos, além de tudo, engraçados.
— Bah, os do Verissimo sempre são hilários. Incluiria na lista o 10:04 do Ben Lerner e o Ninguém precisa acreditar em mim, do Juan Pablo Villalobos.
— Os livros do mochileiro das galaxias
— “Anedotário da Rua da Praia”. Um clássico! Indico também “O Imortal”, do Maurício Lyrio.
— Procurem Tom Cardoso ele manda muito bem cronista jornalista se é pra rir, ele manda pelo correio ! De chorar!
— Eu ri muito lendo “o grande mentecapto”, do fernando sabino
— Dementia 21 de shintaro kago, adoro o nu de botas do Antônio Prata.
— Tristram Shandy!
— KD o LVF?? São tão bons! E o Gregório Duvivier também! (Put some farofa) e também o “Nu de botas” do Antônio Prata. Livros muito engraçados e bons
— Alain de Botton. Esqueci o título, mas tem um ensaio sobre o amor que é hilário
— A Aldeia de Stiepantikov e seus habitantes, um adoravel livro pequeno e cômico do velho Fiodor Dostoiévski
— Se quiserem livro pra rir, cujos personagens são cachorros, recomendo Sítio Caipora, de uma certa Núbia Bento Rodrigues, né, bispo Franciel
— Cem anos de Solidão, de Gabriel García Márquez. A parte do tapete voador é impagável!
— Pantaleao e as Visitadoras
— O furo, Evelyn Vaughn. Antigo. Será que tem?
— Eu ia indicar o Dom Quixote, mas já foi citado. É o meu livro favorito e tem trechos MUITO engraçados. Em uma de minhas internações hospitalares mais recentes, levei o Dom Quixote para (re)ler, mas tive que interromper a leitura porque ria muito…
— Luís Fernando Veríssimo na veia!
— O Auto da Compadecida!! Me diverti muito lendo
— A biografia da Rita Lee tinha cenas hilárias q eu não conseguia parar de rir
— “Porque almocei meu pai” de roy lewis, um clássico…..kkkk
— Matadouro 5 é de rir? Eita eu li errado então 🤦🏻‍♀️ Vou ter que reler 😅
— Melhor ler tudo sobre os irmãos Marx agora, nunca se sabe né?
— Woody Allen. Eu tinha que parar de traduzir pra rir.
— Mario Prata, hilário
— Claudia Tajes é de passar mal de rir
— Todos do Douglas Adams, mas principalmente O Guia do Mochileiro das Galáxias!
— Luís Fernando Verissimo TODOS
— Eu colocaria também Cama de gato do Vonnegut
— Confraria de tolos eu devo te agradecer, eu chorei de rir com esse livro
— Ri bem com o último do Kundera, A festa da insignificância
— Malícia negra, de Evelyn Waugh. Impagável…
— Livros do L F Verissimo, tens?
— “A gargalhada de Sócrates” – Nelson Moraes
— Todos de P.G. Wodehouse, principalmente, “Obrigado, Jeeves”.… Ver mais
— Rua dos Artistas e Arredores do Aldir Blanc
— Dois do KV Jr.: “Destinos Piores que a Morte” e “Um Homem sem Pátria”. Adequados, realistas, modernos.
— Ter meu humilde Ingresia nesta lista é motivo pra choro, digo, pra riso. Bom, não sei mais…Só sei que minhas 18 pontes de safenas quase estouraram agora.
— Pra rir … Luís Fernando
— O Proscrito, Ruy Tapioca
— Cântico pra Leibowitz
— Exército de um homem só

Illustration: A comedy mask reads a book.

Uma Confraria de Tolos, de John Kennedy Toole

Uma Confraria de Tolos, de John Kennedy Toole

Uma Confraria de Tolos é uma obra-prima absoluta, uma obra-prima total e injustificadamente pouco lida em nosso país. Duvida? Procure no Google críticas a respeito de A Confederacy of Dunces para conferir que não estou nada sozinho em minha avaliação.

Tenho uma velha edição dos anos 80 da Record, que relançou o livro na coleção BestBolso. Certa vez, ao citar o livro em meu blog, recebi um comentário de uma leitora que morava no interior da Paraíba. Ela me contou que antes morava em São Paulo, onde lera a Confraria nos anos 80. O livro ficara por lá, mas agora tinha um filho que era um grande leitor e ela PRECISAVA apresentar o livro a ele.

Não sou uma pessoa que mereça a canonização, mas sei reconhecer alguém que precisa de auxílio. Fiquei comovido com o pedido, pois sei a falta que a leitura da Confraria faz a alguém que conheça o livro. Como a Estante Virtual ainda não existia, empreendi uma busca entre os sebos de Porto Alegre. Encontrei o livro e o mandei para a leitora aflita. Ela me agradeceu dizendo que me amava, adorava e que intercederia por mim nem que fosse no juízo final, coisa na qual ela não acreditava, mas que enfim, daria um jeito de interceder.

O tamanho do erro de negligenciar Uma Confraria de Tolos é difícil de caracterizar, mas vamos lá. Começarei pelo título. John Kennedy Toole devia estar consciente da qualidade de seu romance, senão não basearia o título de seu romance de estreia numa citação clássica de um dos maiores escritores de todos os tempos, Jonathan Swift: “Quando um verdadeiro gênio aparece no mundo, você vai reconhecê-lo por um sinal: todos os tolos se juntam contra ele”. Outro motivo de buscar inspiração em Swift é que Toole escreve um romance como eram as histórias do inglês: hilariante de cabo a rabo.

Mas também é muito triste, muito sério, louco, amargo e especialmente inteligente. Uma genial tragicomédia.

Seu protagonista, o hoje célebre — fora do Brasil — Ignatius J. Reilly, é um ser excêntrico, às vezes repugnante. Ele está por seus 30 anos, é um glutão obeso e mal-humorado que mora com a mãe e vive amaldiçoando o mundo moderno. Ignatius leva a frase de Swift a sério: ele é um anti-herói nascido na época errada, que se considera sempre perseguido por idiotas.

Uma Confraria de Tolos se passa em New Orleans nos anos 60. Como o romance Dom Quixote, é picaresco. E, se o personagem de Cervantes ia atrás de aventuras, Reilly é um preguiçoso, excêntrico e idealista atrás de emprego. Durante suas caminhadas, às quais foi atirado pela mãe, que não o suporta mais em casa — e que o acusa de encher a atmosfera de gases intestinais — , ele vocifera contra tudo e contra todo o tipo de modernidade. Walker Percy, em seu prefácio para o livro, descreve Ignatius como um “pateta genial”. Trata-se de um passadista jovem. Desdenha a cultura da modernidade, especialmente o pop. Tal desprezo torna-se sua obsessão: por exemplo, ele vai ao cinema a fim de zombar dos filmes e expressar sua indignação com a falta de “teologia e geometria” (?) do mundo contemporâneo.

Ele prefere a filosofia escolástica da Idade Média, em geral, e a filosofia de Boécio, em particular. No entanto, aprecia muitos dos confortos e conveniências modernas, enquanto observa o funcionamento de sua válvula pilórica, que reage fortemente a todos os incidentes.

Os outros personagens principais do livro, Myrna Minkoff e Irene Reilly, são esplendidamente construídos e, se é difícil dizer mais, explico o motivo: Uma Confraria de Tolos é o mais engraçado dos livros e não devo contar suas piadas neste espaço. Por exemplo, seus encontros com a polícia… Não, melhor não ir adiante.

Reilly tem muito de Toole. O autor também sofreu com uma mãe dominadora e tinha uma visão pessimista de um mundo que não entendia.

Sem encontrar uma editora para publicar o livro e sofrendo de graves crises de depressão, Toole cometeu suicídio em 1969, aos 31 anos. Sua mãe encontrou uma cópia do manuscrito entre os papéis do filho e lutou por muitos anos para conseguir uma editora. Uma Confraria de Tolos foi finalmente publicado nos Estados Unidos em 1980. No ano seguinte, Toole ganhou um Pulitzer póstumo. Nada mais merecido.

Durante o verão passado, minha filha de 17 anos pegou casualmente o livro em nossa biblioteca. Dias depois, ela voltou com uma pequena e significativa frase: “Pai, foi o melhor livro que li até hoje”.

Eu não disse?

Os 50 maiores livros (uma antologia pessoal): VIII – Uma Confraria de Tolos, de John Kennedy Toole

Como os que aqui me antecederam, também vou negar o título da coluna. Não se trata do melhor livro que li até hoje, mas certamente o colocaria numa lista de dez melhores. Pois Uma Confraria de Tolos é uma obra-prima absoluta, uma obra-prima total e injustificadamente pouco lida em nosso país.  Duvida? Procure no Google críticas a respeito de A Confederacy of Dunces para conferir que não estou nada sozinho em minha avaliação.

Tenho uma velha edição dos anos 80 da Record, que relançou o livro recentemente na coleção BestBolso. Certa vez, ao citar o livro em meu blog, recebi um comentário de uma leitora que morava no interior da Paraíba. Ela me contou que antes morava em São Paulo, onde lera a Confraria nos anos 80. O livro ficara por lá, mas agora tinha um filho que era um grande leitor e ela PRECISAVA apresentar o livro a ele.

Não sou uma pessoa que mereça a canonização, mas sei reconhecer alguém que precisa de auxílio. Fiquei comovido com o pedido, pois sei a falta que a leitura da Confraria faz a alguém que conheça o livro. Como a Estante Virtual ainda não existia, empreendi uma busca entre os sebos de Porto Alegre. Encontrei o livro e o mandei para a leitora aflita. Ela me agradeceu dizendo que me amava, adorava e que intercederia por mim nem que fosse no juízo final, coisa na qual ela não acreditava, mas que enfim, daria um jeito de interceder.

O tamanho do erro de negligenciar Uma Confraria de Tolos é difícil de caracterizar, mas vamos lá. Começarei pelo título. John Kennedy Toole devia estar consciente da qualidade de seu romance, senão não basearia o título de seu romance de estreia numa citação clássica de um dos maiores escritores de todos os tempos, Jonathan Swift: “Quando um verdadeiro gênio aparece no mundo, você vai reconhecê-lo por um sinal: todos os tolos se juntam contra ele”. Outro motivo de buscar inspiração em Swift é que Toole escreve um romance como eram as histórias do inglês: hilariante de cabo a rabo.

Mas também é muito triste, muito sério, louco, amargo e especialmente inteligente. Uma genial tragicomédia.

Seu protagonista, o hoje célebre — fora do Brasil — Ignatius J. Reilly, é um ser excêntrico, às vezes repugnante. Ele está por seus 30 anos, é um glutão obeso e mal-humorado que mora com a mãe e vive amaldiçoando o mundo moderno. Ignatius leva a frase de Swift a sério: ele é um anti-herói nascido na época errada, que se considera sempre perseguido por idiotas.

Uma Confraria de Tolos se passa em New Orleans nos anos 60. Como o romance Dom Quixote, é picaresco. E, se o personagem de Cervantes ia atrás de aventuras, Reilly é um preguiçoso, excêntrico e idealista atrás de emprego. Durante suas caminhadas, às quais foi atirado pela mãe, que não o suporta mais em casa — e que o acusa de encher a atmosfera de gases intestinais — , ele vocifera contra tudo e contra todo o tipo de modernidade. Walker Percy, em seu prefácio para o livro, descreve Ignatius como um “pateta genial”. Trata-se de um passadista jovem. Desdenha a cultura da modernidade, especialmente o pop. Tal desprezo torna-se sua obsessão: por exemplo, ele vai ao cinema a fim de zombar dos filmes e expressar sua indignação com a falta de “teologia e geometria” (?) do mundo contemporâneo.

Ele prefere a filosofia escolástica da Idade Média, em geral, e a filosofia de Boécio, em particular. No entanto, aprecia muitos dos confortos e conveniências modernas, enquanto observa o funcionamento de sua válvula pilórica, que reage fortemente a todos os incidentes.

Os outros personagens principais do livro, Myrna Minkoff e Irene Reilly, são esplendidamente construídos e, se é difícil dizer mais, explico o motivo: Uma Confraria de Tolos é o mais engraçado dos livros e não devo contar suas piadas neste espaço. Por exemplo, seus encontros com a polícia… Não, melhor não ir adiante.

Reilly tem muito de Toole. O autor também sofreu com uma mãe dominadora e tinha uma visão pessimista de um mundo que não entendia.

Sem encontrar uma editora para publicar o livro e sofrendo de graves crises de depressão, Toole cometeu suicídio em 1969, aos 31 anos. Sua mãe encontrou uma cópia do manuscrito entre os papéis do filho e lutou por muitos anos para conseguir uma editora. Uma Confraria de Tolos foi finalmente publicado nos Estados Unidos em 1980. No ano seguinte, Toole ganhou um Pulitzer póstumo. Nada mais merecido.

Durante o verão passado, minha filha de 17 anos pegou casualmente o livro em nossa biblioteca. Dias depois, ela voltou com uma pequena e significativa frase: “Pai, foi o melhor livro que li até hoje”.

Eu não disse?

Dickens, rest (and laugh) in peace

A obra de Charles Dickens está agonizando. Não a vejo mais por aí e não posso afirmar que esteja estar preocupado com o fato. Mas acho que dois de seus livros são muito bons: o livro de estreia Pickwick Papers e um dos últimos de sua enorme obra, Grandes Esperanças. Mas ele é mais conhecido pelo xaroposo Oliver Twist e pelo bom David Copperfield.

Seus livros demonstram a longa decadência de uma verve cômica para dar lugar à pieguice. Se os Pickwick Papers podiam rivalizar com Swift e Fielding, Dickens foi pouco a pouco aderindo às lágrimas até ficar um tio chato que chora por cada tristeza social e pessoal vitorianas. A exceção é o esplêndido e simbólico Great Expectations.

Hoje me acordei com um nome na cabeça: Samuel Weller. Li os Pickwick na casa da praia de meus pais, lá em 1972-3, tinha 15 ou 16 anos. A lembrança que tenho desta personagem é a melhor possível. Ignoro se era mesmo tão engraçado. Dando uma pesquisada rápida na Wikipedia, dou de cara com esta frase: A recepção do público a Pickwick não foi calorosa desde o início. Só quando aparece a personagem de Sam Weller, o criado de Pickwick e que acompanha as aventuras do seu amo ao jeito de um Sancho Pança ao lado de Dom Quixote, é que as vendas sobem de 400 exemplares para 40 000!

Lembro que há uma cena de caçada no livro na qual, durante a leitura, eu dava gragalhadas que me impediam de ler o livro. Tenho a impressão de que isto nunca voltou a acontecer, mesmo que eu tenha a maior admiração pelo escritos cômicos de muita gente, desde Sterne, Swift e Fielding até John Kennedy Toole, LF Verissimo e Cláudia Tajes.

Menos mal que tenho (ou tive) outros companheiros de leitura que também admiram o incrível mordomo do chefe do Clube Pickwick. Quando colocamos Sam Weller no Google Images, damos de cara com um monte de canecos de cerveja, bibelôs e pratos representando o personagem. Não sei que valor terá em antiquários.

Meus dez livros preferidos

Novamente me pedem para fazer uma lista de meus dez melhores livros. Já fiz várias dessas e acho até que outra(s) por aí no blog. Mas vamos lá, vou escrever a listinha de um jato, em um minuto, e vocês prometem não lê-la, certo?

  • Dom Quixote, Cervantes.
  • Moby Dick, Melville.
  • Doutor Fausto, Thomas Mann.
  • Uma Confraria de Tolos, John Kennedy Toole.
  • Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa.
  • Entre Heróis e Tumbas, Ernesto Sabato.
  • Berlim Alexanderplatz, Alfred Döblin.
  • Ulysses, James Joyce.
  • Middlemarch, George Eliot.
  • Os Irmãos Karamázov, Dostoiévski.
  • Ana Karênina, Tolstói.
  • A Vida e as Opiniões de Tristram Shandy, Laurence Sterne.
  • A História Maravilhosa de Peter Schlemihl, Adelbert Von Chamisso.

Cheguei aos 10? Tem 13? Kafka e Machado de Assis fora? E Virginia Woolf? E meu amado Jonathan Swift? Putz. Não, é sem revisão. Deixa assim. Quem quiser que retire três deles.

Merda

Quando a gente está lendo um livro e vemos que a página seguinte à 32 não é a 33 e sim a 49. O livro? A Denúncia, de Leonardo Sciascia, comprado num sebo da última Feira do Livro por R$ 2,00. Tinha iniciado bem pra caralho.

A propósito, ninguém mais lê, cita ou fala sobre Uma Confraria de Tolos, de John Kennedy Toole?