Neste momento, há três exemplares de O Anão à venda na Estante Virtual. A única edição nacional é da Civilização Brasileira, dos anos 70. Não é um livro grande, é um volume de 150 páginas. O valor mais barato praticado é de R$ 189,90; o mais caro, R$ 250,00. Não me surpreende. Tornou-se raro e é uma obra-prima daquelas que tem de ser levadas para a ilha deserta.
(Tenho certeza que meu exemplar está lá em casa. Mas agora, sabedor do que ele vale, vou dar uma conferida).
O Anão é a história de Picolino, o bobo da corte de um príncipe italiano da Renascença. Sua função é a de divertir e ele a cumpre; só que ele odeia minuciosamente a todos os seus amos e quase todos são seus amos, claro. A repugnância que sente, a repulsa que Picolino dedica a todos é descrita de forma estupenda — com um foco narrativo que tentaremos explicar à frente — pelo Nobel de 1951, assim como também a forma como passa a influenciar os assuntos políticos da corte, sempre com a única e exclusiva intenção de prejudicar a todos. É um romance originalíssimo sobre o mal, a inveja e o desprezo.
A cidade-estado renascentista onde ocorre a ação não é clara, mas há um personagem chamado Bernardo, que é sem dúvida inspirado em Leonardo da Vinci, o que nos faz pensar no final do século XV. Também há referências a igrejas que se encontram na região de Florença. Ao mesmo tempo, o anão, narrador do romance, fala em criações como A Última Ceia e a Mona Lisa, a primeira delas pintada em Milão e segunda provavelmente em Florença. Além disso, o príncipe parece ser César Bórgia, que empregou Leonardo da Vinci como arquiteto militar… Desta forma, há muitas referências históricas dançando incontrolavelmente no contexto do romance.
Como disse, o anão é o narrador e tudo é contado retrospectivamente alguns minutos, horas ou semanas após a ocorrência dos fatos e antes dos seguintes. Tal artifício faz com que todos os acontecimentos sejam quentes, contados com emoção, e que O Anão planeje no papel seus próximos passos. Ou seja, a colocação do foco narrativo é muito inteligente, fazendo com que o leitor sinta a respiração do anão-monstro arquitetando suas vinganças, incorporando o mal e curtindo seu ódio de misantropo.
Ele ama a guerra, claro, e quando lhe pedem para cometer um crime, ele o expande sob o pretexto de beneficiar o príncipe… Todos mudam durante o romance, todos mudam na cabeça do narrador, menos ele, que se mantém coerente da primeira à última página. Curiosamente, é profundamente religioso, mas sua crença inclui um Deus que nunca perdoa. Mesmo impressionado com a ciência de Bernardo, sente repulsa pela busca que este empreende para chegar à verdade e ao âmago das coisas.
Por tudo isso e muito mais, este clássico de 1944 é de leitura obrigatória, o que justifica (ou não) seu preço (abusivo).
Se tudo der certo, minha próxima leitura.
Ora, ora. Li quando tinha dezoito anos e perdi o volume, que comprei num sebo na Duque de Caxias a troco de banana. Naquele tempo eu nunca perdia nada sobre anões. Mas, gozado, não lembro da história, fora uma cena de batalha. Falando em anões, quem viu Os anões também começaram pequenos? Se não me engano é o primeiro filme de ficção do Herzog.
Eu vi e, neste caso, sou eu quem não lembra do filme…
Também os Anões Começaram Pequenos (Auch Zwerge Haben Klein Angefangen do W. Herzog de 1970.
Milton, eu sou doido pra ler esse livro desde que comecei a ler seu blog. Talvez os sebistas também o leiam, e este seja um caso de especulação bibliográfica. Fico receoso de ler em língua estrangeira, mas me parece a única solução. Foi o que fiz com O Leilão do Lote 49, que não se acha por menos de 100 lá na estante.
Sempre tenho a esperança de encontrar quase de graça num sebo, ou de que relancem, como aconteceu com Uma Confraria. de Tolos (os volumes da década de 80 que estavam de R$150 agora estão de 40).