Chope e livros e riscos descontrolados

Após a entrevista que fiz com Ernani Ssó sobre sua tradução do Quixote, realizada sob os chopes do aprazibilíssimo Tuim, pegamos a mania de nos encontrarmos no mesmo local para falar de literatura e qualquer coisa. Não precisamos mais de pretextos, porém desta vez ele me pediu que, amanhã, eu levasse comigo meu exemplar de O mestre e Margarida, para lhe emprestar. Não há problema, costumo emprestar livros. Ou melhor, há um problema sim. É que, cada vez mais, faço anotações a caneta nos livros e não gosto que os outros as leiam, por serem feitas ao ritmo de meus imbecis pensamentos pessoais durante a leitura.

Escrevo pouco nas páginas, mas há símbolos. Por exemplo, um “U” significa uma boquinha rindo — achei engraçada aquela parte. Um “∩” tristinho significa decepção com o que está ao lado e assim por diante. Então, meus livros têm uma série de sinais incompreensíveis para a maioria das pessoas. Outro fato lamentável é que eu leio — e sublinho — os livros nos ônibus, sendo regido pelos buracos da cidade. Então, não raro meus sublinhados são riscos às próprias palavras do texto. Tenho vergonha, pudor e a certeza de que o Ernani vai me achar um idiota durante e após a leitura. Mas ele vai ter o livro. Sou um traste assumido. Foda-se ele.

Por Ramiro Furquim/Sul21

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  1. Como não consigo ler nem minha própria letra, não acharei coisa nenhuma. Também tive essa mania de sublinhar, anotar. Não sei quando acabou, nem por que, pois na verdade sou favorável a ela.

  2. Faço a mesma coisa, mas sem símbolos ou sinais (exceto por raras caretinhas, mas as faço com olhos e bocas mesmo, hehehe). Peguei essa mania na época em que estudava para o vestibular, quando anotava somente em meu material de estudos. Não sei quando nem como ela passou para a literatura e outras áreas, só sei que faço até em jornal!

    Aliás, pensei que meu nível de sublinhados e anotações tivesse chegado ao insano quando deixei, por mais de uma vez, de ler um livro por não ter uma caneta ou lápis à mão, mas atualmente, pensando aqui, vejo que estou pior. É que ainda faço isso, porém agora exigindo que tenha por perto pelo menos duas canetas de cores diferentes (cada uma delas tem sua finalidade própria dentro do meu esquema de anotações – esquema que muda a cada leitura/obra, mas, né, é aquela velha história de “minha bagunça é organizada”).

    Uma amiga viu e achou meio feio e esquisito, mas, sinceramente, nem ligo. Ao contrário, acho realmente ótimo. Por um lado, sinto que dialogo com o livro e que o mantenho vivo; por outro, tenho achado muito interessante reler obras com rabiscos de anos atrás e ver como mudou a minha percepção do texto e, mais ainda, minha percepção de mundo. E, ó, é interessante de ler até mesmo quando dá aquela vergonha de ler alguns comentários meus de quando tinha 19 anos.

    À parte o risco de chegar ao nível Balzac de anotações (que não é algo que me preocupa, pra falar a verdade), o único grande inconveniente, para mim, se dá com as palavras e grifos que revelam pensamentos ou sentimentos por demais pessoais e íntimos. Não me importa que leiam bobagens do tipo “passagem mal escrita, muito prolixa” ou “péssima ideia – conceito muito subjetivo – arbitrariedades” nem que vejam eventuais caretinhas aqui e acolá… mas, dias desses, quase morri quando aquela mesma amiga ali de cima puxou “Vermelho Amargo” da minha estante. Ela ia ver algumas partes sublinhadas e ia saber como me sinto em relação a uma experiência pela qual ela sabe que passei e a qual, definitivamente, não é algo que eu queira compartilhar com alguém. Depois de literalmente ter arrancado o livro das mãos dela (!), tratei de guardá-lo bem no fundo de uma gaveta, dentro de uma pasta, bem escondidinho. Se ela quiser ler “Vermelho…”, ela que o compre, porque o meu exemplar está (temporariamente) interditado.
    🙂

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