Ingmar Bergman escreve em A Lanterna Mágica:
Johann Sebastian havia feito uma longa viagem de trabalho e ficara dois meses fora. Ao retornar, soube que sua mulher Maria Barbara e dois de seus filhos haviam falecido. Dias depois, profundamente triste, Bach limitou-se a escrever no alto de uma partitura a frase: “Deus meu, faz com que eu não perca a alegria que há em mim”.
Eu também tenho vivido toda a minha vida com isto a que Bach chama “a sua alegria”. Ela tem-me ajudado em muitas crises e depressões, tem-me sido tão fiel quanto meu coração. Às vezes é até excessiva, difícil de dominar, mas nunca se mostrou inimiga ou destrutiva. Bach chamou de alegria ao seu estado de alma, uma alegria-dádiva de Deus. Deus meu, faz com que eu não perca a alegria que há em mim, repito no meu íntimo.
Porque está complicado de não me sentir in Todesbanden. Então às vezes eu, o limitadíssimo e ateu — tal como Bergman — Milton Ribeiro, repito esta frase. Ela me emociona, me acalma e me faz pensar que minha alegria ainda está comigo, tem de estar. É um grito infantil que reconheço facilmente, mas que não tenho ouvido.
Liliya Gaysina (soprano), Yulia Mikkonen (alto), Andrey Krasavin (tenor), Anton Tutnov (bass)
Vlad Pesin, Marina Katarzhnova – violinos; Lev Serov, Rust Posumsky – violas, Alexander Gulin (cello), Anastasia Braudo (orgão)
Concerto realizado em 12 de agosto de 2011 na Igreja Anglicana de Moscou
“Que se cumpra o idealizado. Que acreditem. Que riam das suas paixões. Porque o que consideram paixão, na realidade, não é energia espiritual, mas apenas fricção entre a alma e o mundo externo. O mais importante é que acreditem neles próprios e se tornem indefesos como crianças; porque a fraqueza é grande, enquanto a força é nada. Quando o homem nasce, é fraco e flexível; quando morre, é impassível e duro. Quando uma árvore cresce, é tenra e flexível; quando se torna seca e dura, ela morre. A dureza e a força são atributos da morte; flexibilidade e fraqueza são a frescura do ser. Por isso, quem endurece, nunca vencerá.”
(Stalker, Andrei Tarkovski)
Sim, sempre, sim,
qual no monólogo Molly…
Que não se perca alegria
que há em nós.
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HUMANA PROFECIA
by Ramiro Conceição
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Em tempos terríveis,
quando a herança é o medo,
é bom acender uma fogueira
para que todos se aqueçam;
assim, talvez,
poucos bêbados alumiem-se
com palavras de entusiasmo – e êxtase!
Porque a vida
pra alguma coisa celestina se destina.
Viemos de estrelas, para lá retornaremos.
Eis a humana profecia: do pó – à poesia!
MOQUECA
by Ramiro Conceição
Não sou vermelho, branco, preto ou amarelo.
Muito menos mulçumano, judeu ou cristão.
Não cuspo no chão. Santo? Não sou não!
Sim, tenho o estranho hábito de enterrar
e desenterrar os ossos do nosso desatino
e, com carinho, planto girassóis no quintal.
Sim, sou um cachorrinho,
um quase canibal, um misto de coveiro,
jardineiro e cozinheiro que faz uma moqueca
de estrelas aos convidados – à mesa triunfal.
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PÁSCOA DAS CIGARRAS
by Ramiro Conceição
Acordei em meio a uma melopeia nativa
de uma tribo do Xingu a dançar ao redor
da cama onde eu, sem medo, dormia nu.
Enquanto ocorria, levantei-me à alegria
e com fé fiz um café e – às gargalhadas! –
sambei no seio da casa do velho “eu” que se auto-olhava
não acreditando em mim, ali, a cantarolar qual as cigarras.
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CATASSOL
by Ramiro Conceição
O poeta fora prometido ao deus da vida;
porém, sem saber, engravidou de poesias
por ação do espírito humano.
E o deus da vida, seu marido prometido,
que era justo, não o denunciou
porque sabia que o artista trazia frutos
ao seu passado-presente-futuro.
O poeta concebeu em sua língua
para ensinar, em muitas línguas,
sua linguagem estética, política
e ética.
E a lira não se quebrou.
E um catassol cantou:
“Sou um ruminante cérebro mutante,
um lento catassol sobre a leitura
que sabe: ler é conceber com ternura.
“Sou uma repetição, uma aliteração,
uma especiaria para condimentar iguarias,
uma hortaliça que plantei em nossa horta.
Sou homenagem póstuma à estrelas mortas.
“Perdi a hora de tudo.
Meu relógio marcou todos os fusos.
Sou a maçaroca no fuso do mundo.
“Cada vez mais, torna-se claro
que sou feito de outra história.
Não desta, mentirosa e sem memória.
“Cada vez mais, tenho a certeza
de que pertenço ao mar bravio,
pois sou um peixe que não pertence
a este aquário vil.”
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EXISTIR
by Ramiro conceição
A minha prisão é estranha
porque expande e encolhe
conforme o jeito que eu olhe.
A minha prisão é de antanho,
um jardim de seres castanhos
numa caverna de Platão onde, certa vez,
um animal olhou a Lua pela primeira vez
e murmurou: “Por que estou aqui?”
Diante do desamparo e despreparo,
com esmero, inventei algo raro:
um mimo ao sonho do mundo,
um conjunto de cantos inconjuntos
à questão fundamental: por que estar aqui?
Fui aquilo que sou e aquele que não sei.
Agora estou com o melhor de mim.
A essência do meu canto não é a dor que vi,
apesar de vir daí.
A minha essência é o processo de existir.
Venho de distâncias distantes.
Vou para distâncias distantes.
“Sou do tamanho do que vejo”
qual dizia o Poeta do Ribatejo.
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A ESCADA
by Ramiro Conceição
A arte?… Ora, é a escada alada
sobre o mar de fadas e de fatos.
O artista?… Ora, é o decifrador,
o cantor-carregador dos fados.
Há uma escada no telhado.
Quem subiu e a esqueceu?
Mas, se subiu, foi pra onde
(acima há somente o céu)?
Será que foi Sábato que quase aos 100,
por ironia, morreu num triste sábado?
Será que alguém pulou, fugiu e deixou
aquela escada esquecida no telhado?
Talvez tenha caído d’algum helicóptero
americano que invadiu o espaço aéreo
ao seu bel-prazer como é de costume.
Ou será que caiu de dentro dum ovni?
Convoquemos a corja da grande imprensa.
Organizemos uma miríade de intelectuais,
de bandidos, digo, de políticos; de padres;
de pastores; e não esqueçamos do dito
papa bento com o seu defunto papa santo.
Coloquemos de prontidão a armada!
Afinal, quem esqueceu aquela escada?
Assistindo um programinha de televisão aqui, em que Alexandre Frota declara ter namorado durante três anos o pastor “cura gay” Marco Feliciano. Hahahaha. Isto tira a depressão de qualquer um, não é mesmo?
Charlles, há um piadinha na internet que diz mais ou menos o seguinte…
Personagens: mãe e filha…
Filha: Maê, o Azevedinho quer comer meu cu – dez vezes ´ao dia. Mamaê, meu buraquinho, que antes parecia uma moedinha de 5 centavos, agora se tornou uma de 25…
Mãe: sim, minha filhilha, é assim mesmo, pois quem casou com um Azevidinho, agora, tem o direito de reclamar os seus 20 centavinhos porque, sei, é muito difícil tomar no cu todos os dias…
Estamos vivendo tempos bugakovianos no Brasil, Milton! Se essa informação procede, o Feliciano é um caso patológico de filistinismo clássico. Passe adiante, jornalista (vi em uma entrevista do Frota ao apresentador Leão não sei do quê).
Milton, decidi que quando não for publicado PHES vou imediatamente ao blog E Deus Criou a Mulher indicado por ti mesmo tempos atrás.Fora isto estou pensando seriamente em participar destas manifestações que tem placa pra tudo levando uma placa “Quero o PHES de volta”.
Somos dois.
Sublime cantata, valeu!