O Cavalo de Turim, de Béla Tarr

cavalodeturim (1)Ontem, assisti a O Cavalo de Turim na Sala P.F. Gastal. Estava quase lotada a sessão para a obra-prima de Béla Tarr. Eu disse para quem estava comigo: “acho que veremos algo ao estilo de Tarkóvski”. Até tinha razão, mas Tarkóvski chegar a ser otimista quando comparada ao filme do húngaro.

O que Tarr propõe é uma experiência sensorial e semântica inteiramente distinta do que é possível em qualquer outro gênero artístico. O jogo que Tarr estabelece com o tempo apenas é possível no cinema, talvez no teatro. O Cavalo de Turim mostra seis dias de dois personagens — pai e filha — que vivem numa casa de pedra na zona rural da Hungria entre a aridez, o vento e o frio constantes. Falta tudo, tudo é monotonia e tudo é vida, dor e trabalho. (Coincidência, não?) Eles só têm batatas para comer, têm também um poço minguante, um destilado que deve ser parecido com a vodka, creio, e um cavalo velho e doente. Seus dias são iguais, com poucas variações, sempre no aguardo de condições melhores. Talvez a melhor descrição de O Cavalo de Turim seja a de um filme de cenas quase iguais — mas sempre filmadas de forma diferente — sobre a pesada rotina de vidas sacrificadas. Tarr vai curiosamente acumulando tempo sobre tempo e sua insistência acaba por mostrar a força e o cansaço, equilibrando-se entre a tão somente sobrevivência e a provável aniquilação, numa compassiva melancolia da resistência.

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Nem o cavalo da família pode trabalhar. O título do filme foi retirado de um episódio ocorrido, ou não, com Nietzsche. Em 1889, ele teria visto, numa rua de Turim, um cavalo  ser açoitado violentamente em razão de negar-se a seguir puxando a carroça. Perturbado, o filósofo teria corrido para o animal, abraçando-o, para depois cair desesperado. Tal fato costuma ser citado como o início dos problemas mentais de Nietzsche.

Com seus longos planos e repetições, O Cavalo de Turim é um filme de potência espetacular, de riquíssimo de conteúdo humano, com Tarr obtendo milagres de sua belíssima composição visual em preto e branco — planos exteriores que acabam por ser profundamente interiores — e do silêncio de personagens que quase não falam. A resistência de pai e filha são imensas, mas vão sendo batidas. É o cavalo que não anda, a água que vai acabando, as eternas batatas, o lampião que já não acende. “Pai, que escuridão é esta?”, pergunta a filha no início do sexto dia.

A obra-prima de Tarr não dá nenhuma resposta.

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5 comments / Add your comment below

  1. Não conheço o filme; deve ser interessante.
    Penso que a rotina, na verdade, não existe. Infinitas repetições são finitas e não são repetições. Um dia após o outro não é apenas um dia após o outro: só as limitações humanas constroem essa narrativa.
    Talvez seja por isso que gostamos de literatura: ela nos oferece a ilusão de captar tempo, história, sensações, sentimentos, tudo, quando toda literatura (e, por fim, toda arte) padece de não curar suas pretensões totalizantes.
    E o cinema segue sendo cachoeira.

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