Eliane Brum sobre Ninfomaníaca: tô fora, briguem com ela, por favor

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(Claro que concordo com cada palavra do artigo de Eliane Brum abaixo. Porém, se há uma coisa da qual enchi o saco é de apreciar cada filme de Lars von Trier — com exceção de Manderlay e restrições aqui e ali — e ser atacado por isso. Então, gente, tudo o que von Trier faz é uma completa bobagem. É um autor sem voz ou criatividade que surfa na própria crise autoral. Trata-se apenas de um bom marqueteiro (o que ele também é). Ele quer ser Tarkovski, Bergman, Dreyer, só que é um engodo. A chateação é tanta que estou fazendo de conta que não vi Ninfomaníaca — Volume 1. Mas, saibam, vi e estou louco pela continuação.

É óbvio que A Grande Beleza é o melhor filme deste início de ano, mas Ninfo não é nada, mas nada insatisfatório.

Ah, reclamações para o e-mail de Eliane Brum, ao final do post. Tô fora, já disse).

Só a cena com Uma Thurman vale o ingresso
Só a cena com Uma Thurman vale o ingresso

“Preencha todos os meus buracos”

Em Ninfomaníaca – parte 1, o polêmico diretor dinamarquês Lars Von Trier faz um filme delicado e de extrema beleza sobre o mistério da sexualidade feminina. E entedia parte da plateia. Por quê?

Por Eliane Brum

(Se você não assistiu à Ninfomaníaca e prefere não conhecer detalhes do filme antes de vê-lo, pare por aqui.)

“Preencha todos os meus buracos” é a penúltima frase do final de Ninfomaníaca, o mais recente filme de Lars Von Trier. Do final da primeira parte, já que a segunda está prevista para estrear nos cinemas brasileiros somente em março. A versão completa, sem cortes, com cinco horas de duração, será exibida neste mês no Festival de Berlim. Joe, a protagonista, pela primeira vez faz sexo com amor. Quando ela iniciava sua busca (pelo quê?), começando uma ininterrupta série de relações sexuais com homens variados e aparentemente aleatórios – no trem, no escritório dela, no deles, no hospital onde seu pai morre, em qualquer lugar, até na cama –, sua melhor amiga havia lhe sussurrado: “O amor é o ingrediente secreto do sexo”. Joe não acredita na frase, ela despreza o amor. Joe e suas amigas fazem uma guerrilha contra o amor, é proibido transar com o mesmo homem mais de uma vez. Mas, em algum ponto de sua busca incansável, ela ama. E, ao fazer sexo com o homem que ama, Joe pede: “Preencha todos os meus buracos”.

Lembrem-se. Esta é a penúltima frase. Ela é seguida de outra, mas essa só alcançaremos mais adiante.

Ninfomaníaca é um filme delicado, de extrema beleza, sobre a sexualidade feminina. O que Joe busca, ao se deixar penetrar por tantos pênis diferentes? Mais do que se deixar dominar, ela acredita dominá-los. Os pênis de todas as cores, formatos e tamanhos são objetos que fazem o que ela quer quando se enfiam dentro dela. Fazem o que ela quer inclusive quando ela permite que façam o que querem. Indiferente, ela os manipula, os engole e os cospe. Por quase duas horas de filme a vemos se mover com o membro de tantos dentro de si, mover-se mecanicamente.

Joe se deixa penetrar para provar que não pode ser penetrada

No marketing esperto que antecipou Ninfomaníaca, os atores apareciam em cartazes com os rostos contorcidos pelo orgasmo. Era uma esperteza, mas também uma ironia. Quem vai ao cinema para se estimular com cenas excitantes, em geral decepciona-se e entedia-se. Ninfomaníaca não é nem pornográfico nem erótico, o sexo feminino está como aquilo que não pode ser apreendido nem decifrado. Ao identificar-se como “ninfomaníaca”, Joe não diz nada sobre si. Dizer que ela é obcecada por sexo é continuar não dizendo nada.

Vivida na juventude pela bela atriz Stacy Martin, com seu corpo esguio, seios pequenos e perfeitos, Joe seduz como uma Lolita. Mas, para provocar tesão naqueles que a espreitam da poltrona do cinema, ela precisaria fingir que está se divertindo. Mais do que isso. Joe precisaria fingir que está completa, que aquele pênis a satisfaz inteiramente e que nada lhe falta. Mas no filme, onde a vida se dá para além do marketing, ela é aquela que tem um pinto enfiado na vagina, nove, dez vezes por dia, mas não está lá. Isso talvez seja bem desestabilizador para quem está na plateia, ao ser obrigado a lembrar que, com mais frequência do que admite, seu parceiro/parceira não está lá. E às vezes somos nós que não estamos lá.

Joe, linda e jovem, parece reeditar a cada relação sexual a impossibilidade do encontro. Ela se deixa penetrar para provar que não pode ser penetrada. Cada pênis a encontra vazia. A seu comando preenche a sua vagina. Mas, se a toca concretamente, no mais fundo de seu corpo, ao mesmo tempo não a toca. O pênis escorrega para fora de cada um de seus buracos sem deixar marca de sua passagem. E Joe segue, em abissal solidão, uma mulher não marcada.

Razão e cultura aparecem como tentativas de enquadrar a sexualidade, dar-lhe limites, controlar o incontrolável.

Dia após dia, por anos. Dezenas, centenas de vezes, ela repete esse ritual iniciado quando era uma menina de colégio. Ao alcançar a puberdade, a virgindade perturba Joe. Ela precisa se livrar dessa porta fechada que dá acesso ao seu lado de dentro. Um hímen é também um aviso de uma barreira que pode ser transposta. E, ao ser transposta, lançá-la no incontrolável do encontro com o outro. Ao mesmo tempo que Joe não acredita nesta possibilidade, ela também a teme. Teme tanto que precisa se livrar logo dessa ameaça. E então provar que sua inviolabilidade não depende de um hímen.

Aparece diante do garoto mais velho e popular, um que tem uma moto, com suas meias soquetes e roupa de colegial. Jerome, precisamos lembrar esse nome. Pede-lhe que tire sua virgindade. O garoto é o primeiro a provar a veracidade da crença de Joe: para além da barreira do hímen, há apenas buracos, buracos que jamais poderão ser preenchidos. Não apenas a vagina, mas também a boca e o ânus. Ele a trata como uma portadora de buracos nos quais ele pode meter seu pênis. Oito estocadas – ela registra o número. Três na vagina, cinco no ânus. E está tudo terminado. Só que nem começou.

Em seguida, Jerome (Shia LaBeouf) volta para a moto, e Joe sai cambaleando, tão sozinha como sempre e agora também machucada. Ela pediu, ele fez o que ela pediu.Ofereceu-se a ele como um buraco que ainda tinha uma incômoda barreira, ele a tratou como a portadora de um buraco e eliminou a incômoda barreira. Uma negociação honesta, nem por isso menos terrível, já que nenhum encontro é possível nesses termos. Mas Joe o odeia por isso, odeia o garoto da moto porque ele foi o primeiro a obedecê-la. Ainda assim, deve restar uma dúvida dentro de Joe, porque ela precisa renovar a certeza de não ser tocada dia após dia, com todos os homens que puder. Uma dúvida ou, quem sabe, uma esperança.

Lars Von Trier é mais uma vez brilhante ao construir a narrativa de Joe enxertando razão e cultura nas cenas de sexo. Joe fazendo sexo oral, Joe sentada sobre um pênis após outro, Joe fingindo o maior de todos os orgasmos. Uma obra de Bach, uma história de Edgar Alan Poe, a fórmula de Fibonacci nas oito estocadas que supostamente lhe tiram a virgindade. Números para contabilizar o desempenho de Joe. Razão e cultura como o que também são: tentativas de normatizar o inormatizável da sexualidade feminina, o incontrolável que escapa. Ao longo de toda a primeira parte do filme, razão e cultura aparecem como contrapontos às pulsões, a sexual e a de morte. Como uma tentativa de enquadrar a sexualidade, explicá-la e dar-lhe limites. Mente e corpo, a falsa dicotomia que a modernidade ocidental acolheu com tanto prejuízo para todos nós.

Esse embate alcança seu ápice quando Joe testemunha o morrer do pai, em uma das cenas mais belas do filme. Ela amava o pai, um médico, um homem da razão. Na primeira conversa entre os dois, na cama do hospital, o pai está sereno. Ele já testemunhou muitos morrerem, ele sabe o que acontece com a fisiologia do corpo, ele sabe quais são as etapas até a sua morte, ele sabe de que drogas seus colegas dispõem e quais usarão. Ele sabe. Está preparado, está no controle. O pai de Joe (Christian Slater) recita Epicuro: “A morte não é nada para nós, pois, quando existimos, não existe a morte. E, quando existe a morte, não existimos mais”.

Joe encarna um fenômeno cultural do nosso tempo: a ilusão de saber tudo sobre o corpo, tudo sobre o sexo. De fato, somos todos virgens

É bonito, talvez seja até sábio. Mas o corpo se impõe. Joe assiste ao pai desesperar-se com a morte, debater-se em agonia e medo e, por fim, encher de fezes o lençol. É a realidade inescapável do corpo. É o que Joe teme mais do que tudo. Ela desce correndo as escadas do hospital e procura até achar. Faz sexo nos porões com mais um estranho (para não ter de estranhá-lo). Ali ela está de novo no controle dos sentidos, uma ilusão da qual ela não pode prescindir.

Joe e o pai compartilham da mesma crença. Ele pensa saber tudo sobre a morte, ela pensa saber tudo sobre o sexo. Nenhum dos dois sabe nada. Joe compartilha sua crença com todos nós, encarna um fenômeno cultural do nosso tempo. A ilusão de saber tudo sobre o corpo e sobre o sexo. De falar tudo sobre o corpo e sobre o sexo. De experimentar tudo, poder tudo. De fato, não sabemos nada. De fato continuamos virgens.

Quando volta ao quarto do pai, a mãe, com quem ela não se dá, está lá. Diante do pai morto, ao lado da mãe fria, Joe excita-se. No líquido branco e denso que escorre pelas suas pernas o controle se esvai, mais uma vez. Agora órfã da razão, Joe precisa continuar renovando, com ainda mais afinco, sua crença na impossibilidade de ser tocada.

Não é um acaso que, ao arrumar um emprego e reencontrar Jerome, seu primeiro homem obediente, o que lhe tirou a virgindade ao seu pedido, ela acabe o amando. Pela primeira vez, ela ama. Talvez exista em Joe uma esperança de que ele a desobedeça e a toque, acabando com o vazio que a faz cambalear sobre os pênis do mundo. Neste momento, são três os seus amantes principais. Um homem que a trata como uma princesa, banhando-a e acariciando-a, preocupado apenas com o seu orgasmo. Outro homem que se move como um leopardo, perigoso e silencioso, que só faz o que ele mesmo quer. Joe gosta de ambos esses amantes, já que ainda está no controle. E há o homem que ama, Jerome.

Ao transformar sua vida em narrativa, Joe quer o controle também do seu corpo de palavras

O que muda o amor? Será o amor “o ingrediente secreto do sexo”, como sua amiga garantiu?

Chegamos aos minutos finais da primeira parte do filme. Joe pede: “Preencha todos os meus buracos”. E Jerome tenta. Ele realmente tenta. Enfia o pênis na sua vagina, a língua na sua boca, os dedos no ânus de Joe. Por um momento, bem fugaz, Joe está completa, preenchida, íntegra. E, então, no segundo seguinte, a tragédia. A segunda frase, a última: “Não sinto nada”.

E com ela vem os créditos do filme, letras na escuridão.

Quando o filme começa, Joe, que ainda não conhecemos, resta no chão. Está mais velha, sabemos pela divulgação do filme que ela tem 50 anos. A atriz agora é a sempre perturbadora Charlotte Gainsbourg. Resta no chão desacordada, o corpo arrebentado, o rosto sangrando. É resgatada dali por Seligman (Stellan Skarsgard), um velho homem que gosta de pescar. Ele a pesca, a instala na cama de seu apartamento, cuida de seus ferimentos e a alimenta. Ele a pesca, mas, ainda que sangrando e fraca demais, Joe pode ser uma daquelas iscas artificiais que simulam a agonia do orgânico, debatem-se nas águas enganando o peixe, que rapidamente se transforma de algoz em vítima. Quem é o pescador? Quem é o peixe na relação que se estabelece entre os dois? Ainda não sabemos.

A tragédia de Joe não é ser ‘ninfomaníaca’, mas o medo paralisante de perder o controle, que a impede de viver a experiência do amor

A Joe madura sente-se pecadora, anuncia-se em uma das primeiras frases como “uma pessoa ruim”. Seligman estranha que ela deixe o pecado, “o pior da religião”, sobreviver na sua vida em espaços para além da religião. Ela começa a contar sua história, e ele a escuta. Quase como um psicanalista. Pontua a fala da mulher com a razão, é ele que vai pinçando os exemplos da música, da literatura, da matemática. Razão X Pulsão, esse é o diálogo aparente.

É importante perceber que, quando Joe se apresenta como uma pessoa ruim, ela ainda quer estar no controle. Joe quer ainda ter a última palavra sobre si mesma. O que parece ser uma expiação de pecados talvez seja apenas soberba. Joe continua no jogo. Ao transformar sua vida em narrativa, ela quer também o controle do seu corpo de palavras. Essa é a tensão entre os dois, ainda em aberto nessa primeira parte. Seligman, o decifrador de sentidos, talvez seja apenas mais um homem que a obedece. E Joe, aquela que se autodeprecia como estratégia para não perder o controle da identidade, continua com muito menos domínio do que acredita ter.

O trailer da segunda parte nos faz prever como Joe seguirá seu caminho até sobrar sangrando nas pedras da rua. Ao amar, Joe é finalmente marcada. O pênis, os dedos, a língua de Jerome finalmente tocam a intocada para além do corpo. Há finalmente um encontro. Só agora, anos depois do rompimento do hímen, Jerome desvirgina Joe. Ao colocar o “amor como ingrediente”, Joe descobre a possibilidade transformadora de se sentir completa por um instante, aquele momento em que os corpos que se amam se marcam mutuamente. Essa realidade, se é do corpo, está também para além do corpo.

Em seguida, aquele que encontra o outro perde a si mesmo. O que Joe faz? Anestesia- se. “Não sinto nada, não sinto nada”, ela repete em desespero. Pela primeira vez ela está lá, mas quando está não sente. A experiência – sim, porque agora ela teve uma experiência – muda o curso da sua busca.

Pelo trailer podemos arriscar que Joe tornará ainda mais intensa a sua desesperada peregrinação. Agora ela precisa sentir mais e mais no corpo – e a cada vez será dramaticamente insuficiente. A cada vez mais um limite precisará ser superado e ainda assim continuará sendo insuficiente. Mais do que sentir o corpo, Joe possivelmente tentará construir um corpo próprio com porções cada vez maiores de violência. Joe talvez tentará marcar e marcar e marcar o corpo, porque não sabe como ser marcada de outra maneira. Joe não sabe como ser corpo e também além do corpo, ao mesmo tempo.

Nessa busca, uma noite ela cai nas pedras da rua onde Seligman a encontrará.

Talvez em algum momento Joe descubra que o vazio nos constitui. E nos mantém desejantes

A Joe resgatada pelo pescador – que talvez seja o peixe – continua impenetrável. Chega até ele impenetrável. Talvez em algum momento Joe perceba que nenhuma violência será suficiente para lhe dar um corpo sem buracos. Nenhum pênis será tão poderoso, nem mesmo o pênis daquele que ama. Ela estará mais e mais arrebentada – e vazia. Para Joe a vagina, o ânus, a boca são buracos de carne. Ela é um buraco de carne. Depois de desejar ser preenchida por Jerome, em seguida descobriu seu corpo frígido. Para continuar impenetrável. A questão que a move não é mais a do início, deixar-se penetrar para ter a certeza de não ser penetrada. Agora, depois do encontro, Joe talvez se pergunte: “Qual é o pênis que finalmente vai me preencher?”. Sua tragédia é partir-se, como é também a tragédia das mulheres deste tempo, e buscar onde o que busca não pode ser encontrado.

Joe parece ainda não ter entendido a armadilha de sua identificação como ninfomaníaca. Ao apresentar-se como “ninfomaníaca”, ela se coloca como alguém que não consegue resistir a uma compulsão. Joe é viciada em sexo e, portanto, não tem controle. É a versão médico-patológica para a palavra “pecadora”, que é como ela também se apresenta a Seligman – e como Lars Von Trier a apresenta a nós. Mas o suposto descontrole de Joe é a forma que ela encontrou de exercer o controle, evitando a possibilidade do encontro, sempre desestabilizador e imprevisível. A tragédia de Joe não é ser “ninfomaníaca”, mas ter um medo tão paralisante de perder o controle, que a impede de viver a experiência do amor.Tudo o que Joe não quer é se perder no outro – tanto no corpo do outro quanto para além do corpo do outro. Para ela é mais fácil deixar-se arrebentar do que se entregar ao outro e, por um instante, perder a si mesma, o que só é possível no amor.

Joe parece buscar pelo sexo um corpo sem buracos, sem entender que é impossível. Joe ainda não compreendeu que o vazio nos constitui, precisamos dele. Pedimos ao nosso amante, ao homem que amamos: “Preencha todos os meus buracos”. Mas sabemos que pedimos o impossível. Ou o possível apenas por um momento em que nossos corpos respiram um no outro, para então nos descobrirmos de novo incompletas. E seguirmos por aí carregando nosso vazio não como ausência, mas como presença. Como movimento que nos mantém vivas e desejantes.

Joe não é a ninfomaníaca. Joe é cada uma de nós. Lars Von Trier nos deu uma bela chance para pensarmos sobre o mistério da sexualidade feminina. Desde que tenhamos a coragem de nos entregarmos à experiência do cinema. Ao encontro. E aguentarmos o vazio, sem confundi-lo com o tédio.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua e A Menina Quebrada e do romance Uma Duas. Email: [email protected]

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14 comments / Add your comment below

  1. Ah, não vou brigar com ninguém, não!… Tô curtindo…: (1) o primeiro beijo gay da Tv; (2) o acordo entre as lideranças políticas dos rolezinhos com aquelas outras proprietárias dos shoppings; (3) o tempo passa… e Outubro vem chegando, mas qual será o pseudo escândalo que livrará o PSDB de seu destino inexorável, isto é, o lixo da história? (4) qual será o nicho ao leitinho das crianças, após a eleição de Dilma, para seres do calibre de Augusto Nunes, Reinaldo Azevedo, Arnaldo Jabor, Rodrigo Constantino e outros, e outras, que tais? (5) depois da canonização de João Paulo II, o ranzinza lobo ratzinger derramará alguma lágrima à comoção ocidental?
    *
    Ah, não vou brigar com ninguém, não… Vai saber…: (a) de repente o Brasil ganhe a Copa…; (b) a Portuguesa volte à primeira divisão; e (c) os Ets parem, definitivamente, de fazer lamparinas, à noite, e apareçam, finalmente, no escroto bbb-bial de 2015…, incorporados em Baby do Brasil, a cantar “Baby”, vendendo bíblias autografadas por Rauzito e sob o marketing financiado por Mr. Rabbit…

    1. Ah, não vou brigar com ninguém, não…, pois tenho apenas uma única certeza: nessa vida, o que efetivamente importa é a inocência diante do amor…
      *
      *
      DOR QUE MÓI
      by Ramiro Conceição
      *
      *
      Se escondeu
      o que não se devia
      Se feriu… dia a dia.
      Foi aos poucos
      que tampouco
      a delicadeza restou:
      só a indiferença  que fere
      pois não interfere  ficou.

      Agora o que fazer com o amor, bordado à chama,
      que do lado desocupado da cama à noite clama?

      O fim… é desvencilhar-se
      da dor que mói não se sabe onde,
      que zumbe… parecendo pouco,
      mas que ensurdece e deixa louco.
      É um batuque a bater… no centro,
      um triste-alegre ao mesmo tempo.

      Nunca mais
      a menina,
      o menino.

      Nunca mais
      aquelas cores,
      aquelas palavras.

      Nunca mais
      aquelas flores,
      aquela estrada.

      Nunca mais.

      *
      *
      O SUBLIME DO SER
      by Ramiro Conceição

      Nascer, madurar e morrer
      eis o sublime do ser:
      cada qual com a sua altura
      digna da sua envergadura.

      Não são assim os montes
      e também os horizontes?

      1. Assim
        reescrevo
        o rascunho
        já escrito…
        *
        *
        BOCA D’ALMA
        by Ramiro Conceição
        *
        *
        Entre as loucuras prefiro aquela dum beijo,
        pois com a inocência um pacto tenho feito:
        à luz da canalha a boca é arma;
        à luz da poesia a boca – é alma.

  2. ninguém escreve melhor hoje no Brasil que a Eliane – não q eu saiba, é claro. ela, Safatle e o meu amigo Charlles Campos (para não deixá-la desacompanhada).

    depois do O Anticristo tinha ficado com um pezinho atrás com o Trier, mas Melancolia me trouxe de volta, ainda um pouco ressabiado. Depois dessa crítica, impossível não ver. Lembrou-me do arrebatamento q tive ao ver Dogville, suas narrativas em diversas camadas.

    essa ideia do vazio como presença é Hegel? é Lacan? (pergunta aos entendidos)

  3. Acho que tem um pouco de Lacan aí sim. Principalmente na idéia do desejo em Lacan como “objet a,” como o inominável do desejo que está sempre lá (e simultaneamente ausente, inalcançável) em cada uma de nossas tentativas de articular através do simbólico, da linguagem, o desejo.
    Há também um pouco daquela discussão complicada do Seminário XI de Lacan sobre o olhar, em que ele afirma que o olhar é da mesma ordem que o “objet a.” Daí a insatisfação do telespectador que olha da cadeira do cinema o “objet a” de Joey replicado no seu próprio olhar, no seu próprio desejo incompleto.

      1. Essa é a leitura que eu faço do texto da Eliane Brum, que aliás não conhecia e que tem nome de cantora gospel. O filme mesmo do Trier não vi, mas duvido que tenha sido inspirado por Lacan. Mas se foi, isso explicaria esse interminável estado de analizável do diretor, seus filmes que mais parecem confissões de analizando e tal.

        1. cantora gospel hehe, acho q as tuas referências se resumem ao “Fala que te escuto” nessa semana. é baita repórter e cronista, tendo por principal característica exatamente esse olhar sobre o q está, aparentemente, oculto. narra de uma forma esplendorosa.

  4. [em tempos melhores o Marcos Nunes apareceria aqui com um comentário despsicicologizante de três frases. ou com um mini-conto carregado na ironia]

    1. [por melhor que tenha sido o passado, ele é sempre mau, principalmente depois que Freud levou a culpa judia ancestral para a psique e tornou a todos vítimas e algozes do próprio martírio de viver; digo isso porque Epicuro me acordou hoje de manhã e eu, surpreso, soube dele que Ninfomaníaca é só um catálogo próprio de uma sociedade doente, obcecada por seus registros, perdida a ideia da felicidade como princípio e fim do ato simples de viver e gozar a vida com saúde e sem maiores delongas encucadas; mas Eipicuro, como todo grego antigo, me censurou a passagem de curso de nossa conversa para o comentário em blog da Internet, de forma que sou obrigado a fazê-lo assim, na surdina]

      1. Você tá lendo as cartas de Epícuro mesmo, Marcos? (Aquelas que aparecem em Diógenes Laércio).
        Cara, entendo o que você diz aqui. E acho que você e Epícuro tem toda a razão em acusar a culpa Judaico-Cristã em Freud.
        Mas veja bem. Há muito de semelhante entre Freud e Epícuro. Foucault já dizia que os dois participavam da velha tradição de exercícios espirituais. Os dois miravam a confissão como prática de conhecimento de si mesmo, por exemplo. A única diferença é que um pedia essa prática no consultório, o outro no Jardim da Epicureia.
        Epícuro nem era tão hedonista assim. O hedonismo dele é outro, certo?

        1. Epicuro é referência antiga, algo que não leio agora, mas vem de uma cadeira da faculdade, coisa de décadas. E tens razão: Epicuro não tem nada a ver com o hedonismo tal como é cultivado hoje, a fim mais ao consumismo e até ostentação. Perto dos hedonistas de hoje, Epicuro era um asceta (de fato podemos dizer que era; seu culto do prazer é o o simples prazer de viver com saúde e sem maiores necessidades, não sendo cativo do desejo).

          O meu Epicuro aí, no caso, é um personagem adaptado às minhas próprias necessidades, ligadas à demanda imposta pelo Arbo, através de seu comentário. Quero pensar que um morto há milhares de anos pode falar ao meu ouvido tendo passado por alguma evolução decorrente do exame das novas práticas “terapêuticas” e religiões que ele não avaliou por desconhecer por completo.

          Mas acho que as “verdade simples” de Epicuro não tem a ver com a expiação do gênero exorcístico da psicanálise, tão intimamente relacionada ao complexo judaico-cristão.

  5. Mas bah, parei na parte que dizia que “se você não viu o filme etc. não leia o restante”. Pior que não vi ainda… Todavia, é claro que vou assistir! Adoro Lars von Trier, não importa o patrulhamento contrário.

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