No tempo em que o popular era muito, mas muito bom

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Festival da Record de 1967: Edu Lobo e Marília Medaglia dão-se os parabéns pela vitória. de Ponteio.
Festival da Record de 1967: Edu Lobo e Marília Medaglia dão-se os parabéns pela vitória. de Ponteio.

Não sou pessimista. Apesar de tantos problemas e desassossegos, não penso que o mundo esteja andando para trás. Mas houve coisas que certamente pioraram muito — refiro-me especificamente às artes populares, principalmente o cinema e a música do dia-a-dia. Por exemplo, durante o Festival da Record, cujos resultados mostro abaixo, eu tinha dez anos. Lembro que nós, lá em casa, fazíamos apostas. Minha irmã, em seus adolescentes 15 anos, era uma adoradora — é até hoje — de Edu Lobo, enquanto suas colegas só tinham olhos para Chico Buarque. (Aliás, ela devia ser do contra, tanto que amava George Harrison, não Paul McCartney ou John Lennon). Mas não tergiversemos: o Festival ocorria numa sexta ou sábado à noite e nós víamos o VT dias depois, mas antes da próxima “rodada”, a qual ocorria no fim-de-semana seguinte. Então, lembro de um sábado ou domingo pela manhã que entrei correndo no quarto da Iracema para berrar-lhe que ouvira a novidade no rádio. Na noite anterior, Edu Lobo vencera novamente o Festival da Record. Foi uma das raras vezes que a vi acordar bem-humorada.

O Festival da Record e o FIC mobilizavam o país e o que me deprime é que se tratavam de músicas populares de primeiríssima linha — coisa que não acontece mais hoje, pois popular é a Valesca “Beijinho no Ombro” Popozuda, não Yamandú Costa ou Hamilton de Hollanda ou Mônica Salmaso ou Guinga, por exemplo.

E aí está a apresentação de Edu Lobo defendendo sua composição. Mesmo com o som ruim, mesmo com a gritaria geral, fica clara a irrepetível mistura de ritmos nordestinos com Stravinsky, ídolo maior de Edu. É para se ouvir de joelhos.

Tremenda injustiça sofreu nosso ex-ministro. Gilberto Gil era um rapaz todo redondo e veio com a esplêndida e igualmente original Domingo no Parque, devidamente polida por Rogério Duprat e com a presença irreverente de um trio desconhecido de maluquetes — Os Mutantes. Não fosse Edu, era para ganhar. Era a minha preferida.

Mesmo bonito e com o apoio do público, Chico não poderia fazer nada contra as duas campeãs. As canções adversárias eram obras de exceção. Sobrou um mui digno terceiro lugar para Roda Viva, a absolutamente preferida de meu pai.

http://youtu.be/HRFw5u5wR4c

Caetano Veloso ocupou o quarto lugar com Alegria, Alegria, uma canção que marcou época e deu nome a um time de futebol amador onde eu brinquei algumas vezes: a AAAA (Associação Atlética Alegria Alegria…).

Sérgio Ricardo quebra e lança o violão à platéia, sob vaias.
Sérgio Ricardo quebra e lança o violão à platéia, sob vaias.

Naquele mesmo festival aconteceu um escândalo. Sérgio Ricardo veio com uma música bem ruinzinha e, quando foi reapresentá-la, o público vaiou tanto que ele simplesmente não conseguiu cantá-la novamente. Então, ele gritou, sapateou de raiva e acabou quebrando seu violão no palco. Depois, completou a obra lançando-o à plateia. Concordo que o público foi intolerante para com o artista, mas confesso a vocês que foi lindo de ver!

Por que caímos tanto? Acompanhando de longe a cena do rock e do pop, não vejo uma decadência tão grande fora do país. A música dos franceses sempre foi fraca, mas, quando estava em Londres, ouvia as canções que tocavam nos pubs. Não havia nenhum Led Zeppelin ou Beatles, mas o que ouvíamos eram coisas bem feitas, originais e vivas. Lá há criatividade e potência, por assim dizer. O que aconteceu conosco? Faltam universidades de música popular? O pessoal bom não chega a ser conhecido porque a indústria só se interessa pelo lucro rápido? Os caminhos estão mesmo cortados? A qualidade genética do país simplesmente caiu? Ou trata-se de mais um reflexo da falência de nosso sistema educacional? Sei lá.

Texto de 2010 que cortei, cortei, cortei e corrigi.

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24 comments / Add your comment below

  1. Eu sempre fui gil, mas desses quatro ai não dá para escolher…é ficar com todos!
    atualmente, não dá nem para ligar a tv…é triste.

    Só para acrescentar mais tristeza: e o axé que acabou com a música baiana????

  2. Meu Deus! (como se eu acreditasse…) nem lembrava que estas 4 músicas tinham concorrido “juntas”… Como é que pode tanta qualidade naquele período e agora esta pobreza (ou sou eu que estou ficando velha e não percebo mais nada). Gracias pela lembrança, Milton!
    Bj
    Iracema

    1. Ira,

      tu não lembravas disso? Xiii… Qual é mesmo tua idade?

      Bem, mas falando sério: eu não sei perfeitamente o que ocorreu nem as causas, mas parece que atravessamos um período de trevas.

      Bj.

  3. Curto as posições incompreendidas, sabe-se lá sem por alguma excepcional e mirabolante auto-complacência. Fato é que nosso samba foi muito alterado e não há mais argumento. A música popular brasileira eu não conheço, mais. Desconheço por ignorância, ignoro porque comecei a temer pelo meu estado mental. Como tanta musicalidade virou tanta pornografia, tamanha barbárie e genocídio? Estão exterminando o samba, estão currando o funk…e procriando. Caetano Veloso é uó, mesmo. Gil segue lindo e odara. Os Mutantes foram, são e serão o maior acontecimento pop do país éver. Chico segue lindo e lindão. E Edu Lobo habita o andar de cima do rigor, junto com Paulinho, o lamento doce sem resignação. Sabe, faltou um décimo de Malcom McLaren para esculhambar essa grande canalhice em que transformou a mpb.

  4. Milton
    A minha preferidas, dessas é realmente Ponteio (será por que gosto de Starvinski? Eu não sabia desta relação e graças a este post tenho mais coisas a observar na composição).

    Eu jamais ouvi esta rebolation e mal sabia que existia (assim como nunca vi este BBnn). Perguntaram-me em que mundo vivia, um dia desses, por isso. Hehe.meu reino não é deste mundo, respondi.

    Tenho a sorte de ser tão “alienado”?

    Branco

  5. Milton:

    Como te falei, penso que assim como existem os filmes de sexo explícito, as músicas populares são hoje, de certa forma, “música explícita”. Os neurônios (os dois) que são ativados são os mesmos.

    Em 1966 “A Banda” empatou com “Disparada”. O apresentador anunciou o resultado assim:

    – E a música vencedora é, “Disparada”, “A Banda” !

    O empate revelou-se posteriormente uma fraude: http://alessandraalves.blogspot.com/2006/03/banda-x-disparada-o-desemp_114355503755801521.html

    Até !

    Fernando

  6. ‘Podem me chamar e me pedir e me rogar
    e podem mesmo falar mal, Ficar de mal, que não faz
    mal,
    Podem preparar milhões de festas ao luar
    Eu não vou ir, melhor nem pedir, eu não vou ir, não
    quero ir,
    E também podem me entregar e até sorrir e até chorar
    E podem mesmo imaginar o que melhor lhes parecer
    Podem espalhar que estou cansado de viver
    E que é uma pena para quem me conhecer,
    Eu sou mais você e eu.
    … Eu sou mais você e eu.’ – João Gilberto.

    Um tempo imbatível!

  7. Pingback: Vintage… «
  8. A essa afirmação (de que a música popular piorou), Chico costuma responder que a turma dele e do Caetano nunca foram populares. Que mesmo naquela época, popular era Roberto Carlos. Mas, bem, ainda assim dá para traçar uma linha descendente entre a Jovem Guarda e CPM22, entre Nelson Ned e Luan Santana, eu acho…

  9. SEITA DE GATUNOS
    by ramiro conceição
    *
    *
    *
    Ultimamente… Ando a fazer músicas à surdina.
    Aparecem, não sei de onde. Desaparecem, não sei
    para onde. De fato há muito não estava tão repleto.
    Deve ser porque ando comovido demais da conta.
    Ou quem sabe seja o faz de conta que canta preces
    só aos péssimos alunos – dessa seita de gatunos.

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