Sim, vou torcer para o Chile, e daí?

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Sim, eu sou brasileiro e me preocupo com o Brasil mais do que a maioria de nós, acho. Não que tenha passado noites em claro após as vaias pouco gentis dirigidas à Dilma, não que tenha me indignado muito durante a AP 470 — o mensalão –, mas fico feliz com o fato de sermos a sétima maior economia do mundo, com nossa recém adquirida e pouco testada estabilidade, com o reconhecimento do mundo, etc. e infeliz com nosso Complexo de Vira-Latas, com o Fator Previdenciário e com a baixíssima qualidade de nossa educação. Ou seja, sou um brasileiro normal, daqueles que se ufanam de forma contida. Por exemplo, vou ao exterior e gosto de dizer que sou brasileiro; fico no Brasil e não me sinto inferior por ter nascido nessa terra.

O patriotismo é o último refúgio do canalha.
Original: Patriotism is the last refuge of a scoundrel.

Samuel Johnson. Fonte: The Life of Samuel Johnson, de James Boswell (1791)

Mas tem uma coisa: não me peçam para torcer para a Seleção Brasileira. Isso eu não faço. O Ricardo Teixeira, o Marín e a CBF não me representam e há anos sinto-me liberado para torcer para qualquer outro time. (Notem: escrevi “time”, não país). Vejam bem, não sou ingênuo a ponto de achar que uma derrota vai mexer na eleição, na estrutura do futebol do país ou na política de uma forma geral, nada disso. Apenas, repito, sinto-me liberado.

O mundo jamais será tranquilo enquanto não se extinguir o patriotismo da raça humana.
Original: You’ll never have a quiet world till you knock the patriotism out of the human race.

Bernard Shaw. Fonte: “Heartbreak house: Great Catherine, and playlets of the war”, Volume 7 (1919)

Torci contra o Brasil em 1974, preferia a Holanda. Torci a favor em 1978, pois não queria ver a Argentina campeã. Novamente torci a favor em 1982, tudo pela beleza do futebol. Torci contra em 1986, era Argentina e Maradona, como no? Não lembro o que fiz em 1990, mas, em 1994, só torci para o Brasil na final. Não vou citar todas as Copas, mas na de 2002, vejam só, fui brasileiro.

Eu também já fui brasileiro
Moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.
(…)

Carlos Drummond de Andrade. Também já fui brasileiro. Fonte: Alguma Poesia (1930)

Agora eu ligo a TV e vejo Ronaldo Nazário ao lado de Galvão Bueno. Ouço o narrador torcer loucamente e ver coisas sobrenaturais que justificam qualquer erro de arbitragem. Como posso me agregar àquilo? Por outro lado, vejo um time de um pequeno país, com um jogador brilhante que joga no meu Internacional de Porto Alegre (Aránguiz), com um esquema de jogo que varia de jogo para jogo e que nunca deixa o centroavante isolado (3-5-2, 3-4-3 e 4-3-3), bem, aí eu me apaixono, entende?

Patriotismo é a convicção de que o país da gente é superior a todos os demais, simplesmente porque ali nascemos.
Original: Patriotism is your conviction that this country is superior to all other countries because you were born in it.

Bernard Shaw. Fonte: “The Public: A journal of democracy”, Volume 13 (1910)

Sim, sábado, vou torcer para o Chile, e daí? Depois, talvez torça para a Holanda ou outro. Comigo não funciona esse troço rodrigueano da “Pátria de Chuteiras”. E eu desafio meus sete leitores a dizerem que trocariam um campeonato de seus times pelo hexacampeonato do Brasil. Eu não trocaria nem o Gauchão deste ano com suas duas vitórias sobre o Grêmio.

Charles Aránguiz
Charles Aránguiz

A única coisa que me dá orgulho nacionalista nesta Copa é que somos excelentes anfitriões e vai dar tudo certo em termos de organização. Sim, sei que construção, no Brasil, é sinônimo de corrupção, mas sou assim mesmo, confusamente volúvel.

Sou Internacional e Benfica. De resto, no futebol, sou coisa nenhuma. (Aliás, sou é a líder estudantil e deputada chilena Camila Vallejo).

Camila Vallejo
Camila Vallejo

E nada tenho contra quem torcerá a favor. Por que teria?

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14 comments / Add your comment below

  1. nenhum colorado trocaria uma copa do mundo pelas duas vitórias sobre o Grêmio. valeu, Milton, sei que poucos teriam a coragem de escancarar, em texto, tal insanidade.
    obcecados desde o início dos tempos e profundamente marcados pelos 10 a 0 originais, os colorados não tem outro objetivo que não bater seu totem, seu guia, seu Grêmio. agradecemos.

  2. Ontem eu estava em uma praça junto a dois amigos, conversando (nós que pertencemos a essa aberração genética de não nos interessarmos nem um pouco por futebol) quando despontou a vitória da seleção. De súbito, as ruas ficaram tomadas por filas de carros com as portas abertas para que o funk de seus sistemas de som ultra-reverberantes tomassem todo o espaço, com gente sentada nas janelas dos carros, ou nas carrocerias, gritando “Brasil”. Entre esses carros, passou um vectra com todas as 10 pessoas nele de corpos quase que por inteiro para fora, inclusive um moça com uma menina de 3 anos perigosamente equilibrada em suas pernas. Passou um sem número de motos empinando e fazendo firulas imprudentes entre a comitiva de carros. Foi uma baderna e uma falta de educação e gentileza na desculpa da catarse ufanista por umas três horas, com lixo sendo atirado no chão e todo tipo de bestialidade. Esperei que tudo se acalmasse para poder voltar para casa, antes ligando para minha esposa recomendando a ela que não saíssem por razão alguma de casa. Falamos entre nós, os três amigos, sobre o exemplo de caráter dado pelos torcedores japoneses, que após o jogo de seu time nessa copa, limparam, todos eles juntos, o lixo do estádio, ensacaram e ficaram por horas do lado de fora atentos para verem para onde os sacos seriam enviados pelo serviço de coletas. Essa seleção e esse povo não me representam, assim como qualquer dos políticos de qualquer filiação partidária que estão no poder agora. Fiquei embasbacado tentando seguir a linha explicativa que me mostrasse por que esse povo todo se esguelhava e se comportava como bichos da pior espécie por causa de um time de futebol_ sem contar que até para desinteressados pela bola como eu sabiam que o jogo em questão era como chutar cachorro morto, não merecia tanta comemoração. O que faz com que sejam tão apaixonados assim. Eu tentei usar de toda minha sinceridade para ver seu eu seria possível de conter tanta paixão; vejamos: patriotismo? Seria uma belíssima ideia; em junho do ano passado, com 130 mil manifestantes na Rio Branco, na hora da novela, eu senti um amor inenarrável pelo Brasil; senti uma vertigem gigantesca e gigantesca felicidade por ser brasileiro. Por aquele Brasil de junho de 2013, eu seria bastante ufanista. Na verdade eu tenho em mim uma compulsiva necessidade de ser bairrista, de ter motivos para hastear a bandeira no quintal de casa. Mas claro que o Brasil de junho/13 talvez não exista, nunca tenha existido, seja lá qual distorção lisérgica explique aquilo. E eu, assim como todos que passavam dependurados nos carros_ assim como aquela loira de shortinhos minúsculo que dançava lubricamente na pick-up de um dos veículos da comitiva_ jamais teríamos a cara de pau de hastear uma bandeira do país em nossos quintais. Passado o frenesi da Copa, eu sei que ninguém dos 20 mil habitantes da minha cidade tem uma bandeira do Brasil. Sei que, passado a Copa e recolhido o lixo de seus souvenires, ninguém que frequenta esse blog tem uma bandeira do Brasil. Sei também que alguém hastear a bandeira em seu quintal seria visto com suspeição; possivelmente seria repudiado por loucura pelos vizinhos. E, contudo, estavam todos gritando ontem como se fossem patriotas puros, guerreiros defensores de uma nação com motivos de sobra para lhes insuflar um orgulho inexorável. Meu grau de cinismo, ou meu grau de bestialidade, não comporta esse tipo de torcida. E daí que a seleção ganhe contra um cachorro morto? Ou leve a Copa, como está previsto pela maçonaria das instituições dos poderosos da bola? Qual fundamento para sentir orgulho DISTO? Não tenho mesmo esse nível de auto-enganação.

    1. Comentário maravilhoso que inspirou a Elena a me contar sua primeira experiência com futebol no Brasil. Ela também é indiferente a esse esporte. Talvez conte aqui no blog amanhã ou depois.

  3. Eu gostaria que o Uruguai ganhasse novamente. Ia dar uma forcinha pro Pepe Mujica Mujahidin.

    Já disseram que a frase na verdade não existiu, mas só por brincadeira a frase do poema de repente me fez lembrar do “eu já fui negro e sei o que é isso”.

    Se der Brasil ficou feliz, mas não como fiquei em 70 (tinha 11 anos)

  4. Esta é a primeira Copa em que eu já estou crescidinha o suficiente para dizer que tenho alguma consciência política ou algum eu político um pouco mais desperto ou desenvolvido (na de 2010, quando estava na faculdade, já poderia e deveria o ter, mas, por estar alheia a tantas e tantas coisas, só posso dizer que naquela época estava engatinhando, que demorei a sair do casulo). Assim, diante de algumas coisas que vi acontecendo, não consigo me alegrar ou me empolgar tanto como me alegrava ou empolgava antes com a Copa ou com a seleção – não é que eu tenha complexo de vira-lata, mas simplesmente não deu pra engolir certas coisas que foram feitas em função deste evento (p.ex., as desapropriações). Entretanto, mesmo não me alegrando ou empolgando como antes, não consigo deixar de vibrar com os jogos desta Copa (o nível está ótimo, convenhamos) nem deixar de torcer completamente pela seleção. Ou seja, neste sábado, estarei eu novamente me irritando com o Dani Alves, o Hulk e o Paulinho (aliás, espero que o Felipão coloque o Fernandinho como titular). Agora, se o Brasil perder para o Chile, não me irritarei nem ficarei triste e, por mais contraditório que possa parecer, terminarei com um sorriso estampado no rosto. Enfim, o que sei é que, embora, no fim das contas, boa parte de mim queira que o Brasil seja hexa, racionalmente falando, espero que, fora o Brasil e a Argentina, algum time da América Latina ganhe a taça, em especial o Chile (pelo belo time) ou a Costa Rica (também me encantou o time e, além de tudo, é o azarão, né?). Pra terminar, só queria dizer que, seja por esta ou por aquela razão, bom, Milton, te entendo completamente. Aguante, la Roja! Vamos, los Ticos!
    #vivachile #chichichi #lelele
    #dalecostarica #sisepuede #puravida

  5. Comentários me faz lembrar que, a associação de esquerda MPL (Movimento do Passe Livre) que fez a manifestação em 13 de junho de 2013, foi atacada pela grande imprensa que pedia reação imediata da Polícia. E um Promotor que parece ter problemas psíquicos e que queria passar com seu carro no momento dos protestos, escreveu na internet para os Policiais Militares: “podem arrebentar que eu seguro”. Depois vieram os mascarados que fodeu tudo. Se no poder estivesse soba de outro partido, outra ideologia, a imprensa jamais iria se lembrar de problemas da Copa.

  6. A quem possa interessar.
    Estou a vender: bandeirolas; reco-reco; pandeiro; bumbo; tamancos; camisetas verde-amarelas; rojões paraguaios; biribinhas; fogos caramuru que não dão chabu; “ei, Barbosa, vai toma no cu”; uma entrevista com o sósia do Conti que entrevistou o sósia do Felipão; fogueiras de são João; balões ecológicos que se apagam durante a ascensão; quentão; pinga; churrasco; carvão et caterva; mas, principalmente excelente erva.

  7. Assino embaixo. Texto perfeito, comentários idem. Aqui no meu edifício me dá engulhos só de ouvir nos jogos as periguetes ou pretendentes a tal se manifestarem aos gritos em qualquer ataque furreca deste time que nada tem a ver comigo. Tampouco me emocionam as grosserias de nosso condutor Scollari quando entrevistado. Fico pensando que ter tanto dinheiro não ajuda muito, no fim das contas. Ter dinheiro em excesso e ter que mentir sempre, numa postura de vida, como no episódio do penalty do tapetense Fred… O grosso disse que foi e ponto final, mesmo que dois bilhões discordem. Espero que os tchicos joguem melhor e que não role uma roubalheira descarada contra eles.

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