A prosa escrita por poetas é sempre um perigo. Eu acho. Mas a grandeza de Sophia passa por cima das limitações e de certa indireção presente na prosa dos poetas. Este livro é composto por sete contos finalizados em 1962. São histórias que misturam duas temáticas: a repressão política empreendida por Salazar e a profunda decepção da católica Sophia com o clero adesista de seu país. Mas não pensem em contos de ressentimento e denúncia, de modo algum. São contos sutis, de bom gosto e onde estão presentes aspectos místicos que não aparecem com tanta clareza na poetiza Sophia, a mulher do mar e da erudição clássica. O Jantar do Bispo e Homero são excelentes contos. Retrato de Mônica é um tantinho raivoso, mas excelente. Mas os melhores são os que citei primeiro.
O Jantar do Bispo é uma tragédia bem conhecida nossa. O Dono da Casa — assim chamado em todo o conto — é um grande proprietário rural está incomodado por um padre que ensina justiça social a sua congregação. O Bispo — chefe do tal padre e que poderia afastá-lo da cidade com um peteleco — precisa reformar o teto da igreja. Farão a troca de favores? Já Homero é pura poesia que se perde no vento.
Todos as histórias vêm recheadas são de metáforas que escondem nas personagens muitas vezes Deus e do Diabo, o Bem e o Mal. Indico para os admiradores de Sophia.
Caro Milton:
Que coincidência a tua postagem. Trouxe esse livro na bagagem após a minha primeira viagem a Lisboa e recém comecei a leitura. O grande personagem do primeiro conto você corretamente não revelou para não fazer “spoiler”…
Recomendaria o livro para os admiradores de moralistas (no bom sentido) modernos, talvez alguns dos leitores mais reflexivos de Saramago.
A reverência por Sophia em Portugal é enorme. Deram o seu nome a um dos mirantes mais bonitos de Lisboa, atrás da igreja da Graça. No Oceanário há poemas dela – que amava o mar – nos pontos de descanso.
Também vale notar a qualidade das edições portuguesas, geralmente precedidas por bons prefácios.
Parabéns pelo blog.
Abraço.
PS. Comprei lá uma coleção de contos policiais que Fernando Pessoa (!) escreveu e tinha planos de publicar, mas que restaram inacabados e ficaram em seus papéis inéditos. “Fernando Quaresma – Decifrador” é o nome da obra. Conhecia?
Correção no PS: “Quaresma. Decifrador” é o nome do livro de contos detetivescos de Fernando Pessoa.
POEMA ALFA
by ramiro conceição
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Quiçá escrevamos romances, contos
e poemas p’ra que um dia finalmente,
sozinhos, diante de uma planície,
cheguemos à conclusão de nosso
ontológico… a n a l f a b e t i s m o.