Trabalho como jornalista em um portal da internet e vou puxar a brasa para o meu assado. No dia-a-dia, sou obrigado a tratar de quaisquer temas, mas prefiro os da cultura. E, em qualquer campo, convivo diariamente com as dificuldades de sobrevivência de um jornal que procura falar maduramente sobre política e cultura — e que se mantém fora do discurso único das famílias Marinho, Civita, Frias, Saad, Sirotsky e de mais algumas poucas.
Estamos no terceiro mandato presidencial consecutivo do PT. Dentre as mídias alternativas, era pensamento geral que um governo de esquerda lançaria mão de uma modesta arma que tinha na mão: a de reduzir as verbas de publicidade para os grandes grupos de comunicação, destinando parte destas para os pequenos veículos.
Ou que, talvez, pudesse investir na melhoria da rede pública nacional de rádio e tevê, dando-lhe melhores condições na disputa de audiência com as grandes redes privadas.
Diferentemente do governo argentino, que enfrenta o grupo “Clarín”, nada disso ocorreu por aqui. A situação não mudou muito. As verbas publicitárias seguem indo para os grandes grupos. Os oligopólios seguem concentrando audiência e verbas publicitárias.
Os outros caminhos são complicados. É difícil falar em alterar a legislação quando se sabe que sequer a existente é cumprida. Por exemplo: uma lei federal fixa que, em cada estado da Federação, uma empresa possa ter até três emissoras de tevê. A RBS tem doze emissoras no Rio Grande do Sul e nove em Santa Catarina, descumprindo a lei há muitos anos. Um edital de licitação para um novo sistema de concessões? Nem pensar.
Num ano de eleições federais e estaduais, é praticamente impossível assistir noticiário das grandes redes de tevê, especialmente os da Globo. A informação vem junto com as posições da emissora, o comentário vem maldoso e a parcialidade ultrapassa os limites do tolerável, na minha opinião.
Porém, o alto nível de desconhecimento público sobre a concentração midiática e sobre como funcionam as concessões públicas deixa as grandes redes tranquilas.
Já é um lugar-comum dizer isso, mas a verdade é que os verdadeiros partidos da direita são os órgãos da velha mídia. As siglas partidárias daquele campo ainda não conseguiram superar o programa neoliberal, privatista, nem seu amor aos EUA. Porém, apesar de sua insistência, não têm conseguido mais fazer maioria no país.
Desta forma, sem obter pavimentar sua volta ao poder, resta-lhes o esporte de tentar desgastar a esquerda.
O Brasil não cabe mais num quintal. A sociedade deve ouvir diferentes vozes. A questão não é restringir ou censurar — não se trata de interferir nos conteúdos –, mas de garantir a existência de mais veículos.
A Argentina tem uma bela história para contar. Antes da sua chamada Ley de Medios, 90% da produção audiovisual argentina vinha da região metropolitana de Buenos Aires, o que tolhia o direito à informação de outras regiões. Hoje, 53 rádios funcionam a partir de universidades, três canais são ligados a comunidades indígenas, e a televisão tem 4.200 novas horas de conteúdo. E, claro, foram gerados mais empregos.
No Brasil, as forças contrárias – em grande parte vinda das redes evangélicas – resistiram e conseguiram prevalecer dentro do ambiente de coligações formadas por um governo que tem receio de descontentá-las.
Acredito que devam ser permitidas e incentivadas a existência de novos meios — públicos, privados e comunitários –, com autonomia para definir suas próprias linhas editoriais, pois são os grupos sociais e de leitores, a partir das análises e de seus contrastes, que devem tiram suas próprias conclusões a partir das informações disponibilizadas pelos meios de comunicação.
Informar e estar informado é um direito como qualquer outro.
Uma das falhas mais graves do nosso governo “popular”, é o descaso (para não dizer perseguição) em relação às rádios comunitárias. ACM como ministro das comunicações não faria melhor.
Para que não se reproduza novamente, a partir de 2015, o RIDÍCULO ESPETÁCULO ocorrido no Brasil – em meados de 2013, onde milhões e milhões de vira-latas (a servir de massa de manobra a uma oligarquia mediática que tentava, tenta e tentará a qualquer custo manter a hegemonia de seus negócios, nesse Eldorado da impunidade) saíram às ruas a latir, uivando, por exemplo, ao arquivamento da PEC 37, que se tratava, para 99% dos focinhos, de um novo produto concorrente à Coca-Cola – deixo como sugestão de leitura essas reflexões INTRODUTÓRIAS à democratização dos meios de comunicação:
http://www.brasil247.com/pt/247/artigos/128781/A-internet-e-a-democratiza%C3%A7%C3%A3o-da-m%C3%ADdia.htm
À JUNINA REVOLUÇÃO BRASILEIRA
by ramiro conceição
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1.
Ah,
quantos intelecas e suas cascatas;
quantos édipos, lacaios e jocastas;
quantos jumentos transatlânticos;
quanta atriz-modelo-vila-madalênica;
quantos mascarados de passeatas,
mas filhinhos de papai e de mamãe;
quanto jornaleco embrulho de peixe;
quanto jornalista metido a besta;
quanto publicitário com cabresto;
quanto big-brother-globetrotter de cabiçulinha;
quanta celebridade com a altura de um bueiro;
quanta fashion week;
quanta frescura no chiqueiro.
Por quê? Pra quê? Pra nada!
2.
TODAMODAÉBOSTA
BOSTATODAMODAÉ
ÉMODATODABOSTA
MODATODABOSTAÉ
TODABOSTAÉMODA
TODAMODABOSTAÉ
ÉMODABOSTATODA
TODABOSTAMODAÉ
ÉTODABOSTAMODA
BOSTAMODATODAÉ
ÉBOSTATODAMODA
MODABOSTATODAÉ
Para que não reste qualquer dúvida de que não sou um reles comentarista de futebol, por favor, vai até aqui,
https://miltonribeiro.ars.blog.br/2013/06/18/o-que-querem-os-protestos/,
e elabora a tua conclusão!
Errata: no prólogo, está escrito “PEC 37, que SE tratava,…” Por favor, elimine o “se”; senão, o conhecido covil, chefiado pelo rola-bosta, vai se concentrar nesse “se”, e daí seguir-se-á, como é de seu costume, a tentativa de desqualificar todo o conteúdo que elaborei.
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Sim, é assim que agem tais bucéfalos, pois em seus cérebros políticos, com DNA de papagaios submissos, que só piam de joelhos ou de quatro!, sim, tais bicudos são também degenerações biológicas de jumentos: sempre prontos a relinchar e, com as linguinhas de fora, a lamber qualquer pau de qualquer senhor de qualquer plantão.
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Em fim, vão demonizar meu “se”, mas na realidade da política: VÃO SE FODER!
Milton, encontrei no Observatório da Imprensa um texto ESPETACULAR. Sem qualquer dúvida, merece reflexão, pois trata fundamentalmente de Política: não aquela com “p” minúsculo, tão corriqueira em nossos dias. Boa leitura a todos!
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JORNALISMO SOLIPSISTA
O pseudodemocrata Reinaldo Azevedo e sua patrulha autoritária
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Por Daniel Henrique Diniz Barbosa em 23/10/2007 na edição 456
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Pensar a política a partir de sua definição republicana é cogitar a capacidade de suportar, na cena pública, todos os argumentos possíveis, por mais divergentes que eles se apresentem, em busca de uma convergência ideal. Conquanto essa convergência possa, realmente, jamais existir, é justamente na sua busca, a partir do diálogo, que se baseia a república – espaço fundado pela política, uma arte eminentemente dialógica. Essa visão “conservadora” da política como alicerce do diálogo exige, portanto, a garantia de que os contendores tenham seus espaços de argumentação respeitados. O outro, em um debate, é como eu, não obstante pense e argumente a partir da mais profunda divergência do que penso e argumento. Nessa leitura, o mais nefasto possível é, justamente, esvaziar o lugar de fala do outro, transformando-o num “sem fala”.
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Transformar o “outro” em um “sem fala” significa esvaziá-lo do direito ao debate, rompendo, portanto, o código que sustenta o próprio embate dialógico – base da política. Mas, como se esvazia esse lugar de fala do outro? Ora, apelando-se para subterfúgios externos ao debate em questão. Assim, “você não pode falar porque você não tem autoridade”, “a você não cabe argumentar porque você não faz parte de meu grupo”, ou “você não pode argumentar porque está defendendo esse ou aquele lado que, sendo errado, não deve ter espaço no debate”. E, assim, o outro, destituído de lugar, está enfraquecido em seu argumento, pois, se fala a partir de um espaço “contaminado”, naturalmente seu argumento também o estará. Sobram, apenas, aqueles cujo discurso está autorizado, na maioria das vezes convergente. Onde só existe convergência não existe diálogo; e, por conseguinte, se a política se define pelo embate dialógico, onde não há diálogo não há política.
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Espaços para a discordância
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Essas questões são absurdamente relevantes no Brasil de hoje. Há em curso, atualmente, e muito em razão de algumas empresas de comunicação e de seus jornalistas, uma campanha efetiva de esvaziamento do debate, pautando-se não pela discordância de idéias e projetos, e sim, o que é grave, pela destituição do lugar de fala do outro. Muitos poderiam ser os exemplos a serem listados aqui, mas, para poupar o leitor, optou-se por apresentar apenas um, muito emblemático por sinal: o caso Reinaldo Azevedo.
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No dia 1/10/07, o apresentador de TV Luciano Huck publicou na Folha de S.Paulo um artigo em que, informando o roubo de seu relógio Rolex, cobrava do poder público providências acerca da violência nossa de cada dia. Uma semana depois, foi a vez do escritor Ferréz rebater a argumentação de Huck, de certo modo justificando o assalto ao apresentador. Passada mais uma semana, veio o jornalista Reinaldo Azevedo, em um artigo em que criticava a Folha por dar espaço a Ferréz, sob o argumento de que este atentava contra o Estado Democrático de Direito em seu artigo.
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Na esfera da política, portanto, o espaço foi franqueado para que as posições fossem tomadas, os argumentos fossem defendidos e, em especial, para que a sociedade pudesse, a partir do fato político que se tornou o assalto a Huck, ampliar sua discussão tanto sobre temas relacionados à violência, como (e esse foi o caso específico do artigo de Azevedo) debater a pertinência ou não, na democracia, de se instituírem espaços para aqueles que, discordantes da Lei, possam expressar essa discordância. Naturalmente, os três textos tiveram ampla acolhida por parte dos leitores da Folha, muitos concordando, muitos discordando, por meio do “Painel do Leitor”.
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“Picaretagem intelectual”
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Qual não foi minha surpresa, no dia 18/10/2007, ao deparar com um artigo de Reinaldo Azevedo em seu blog, mantido pela revista Veja, em que ele ataca, visceralmente, todos os leitores que, por meio do “Painel do Leitor” da Folha, criticaram o texto por ele escrito e publicado pelo jornal. E não ataca – atente-se – contra-argumentando nada do que foi escrito pelos leitores. Ao contrário, ataca as próprias pessoas.
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Em um exercício autoritário e sinistro, Azevedo mapeou um a um os leitores discordantes de seu ponto de vista; e, alegando um “aparelhamento” do “Painel do Leitor” por “petralhas” (substantivo criado por Azevedo para definir todo aquele que se mostra a favor do atual governo, em que mescla – graficamente de modo equivocado – as palavras “petista” e “canalha”), publicou notas biográficas dessas pessoas, acrescidas de seus comentários irônicos e maledicentes. Assim, na seqüência da reprodução de trechos selecionados da correspondência do leitor publicada pela Folha, Azevedo publica o fruto de sua pesquisa. Por exemplo:
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“É triste perceber que nada muda nas consciências deste país. Prefiro Ferréz, Mano Brown e o mano que levou o Rolex. Isso não quer dizer apologia de crime, mas indica claramente a escolha por um dos lados.” ROGERIO BASALI, professor de filosofia (São Paulo, SP)
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Apesar do “São Paulo” do endereço, é professor da Universidade de Brasília e já deu aula também na Unicamp. No dia 21 de julho do ano passado, informava o site esquerdista Centro de Mídia Independente: “O professor Basali, militante da causa palestina, sempre propõe em seus cursos pensar os eventos contemporâneos de violência nos territórios palestinos ocupados por Israel, visando a compreender complexas questões da política mundial a partir das reflexões filosóficas.” O homem gosta de “opinar” na imprensa. Em 2002, a seção de cartas da Veja trazia o indignado: “Os discos dos Racionais MC’s, desde ‘Raio X do Brasil’, estão cada vez mais maduros. Sou professor e utilizo suas músicas para ilustrar aspectos que julgo relevantes na formação crítica para o pensar”. Sacou, meu? Ele usa o Racionais para “o pensar” Procurem um texto meu em que trato a substantivação de verbos como um dos índices da picaretagem intelectual.
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“Proponho ao sr. Reinaldo Azevedo que leia O Ideal do Crítico, de Machado de Assis. Talvez ajude-o a superar sua ‘aporia vejaniana’.” ANGELITA MATOS SOUZA
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“Aporia” é uma das palavras-fetiche dos acadêmicos, pensei cá comigo. E fui tentar saber quem era a moça com nome de modelo, socialite e atriz. Bingo! É doutora pela Unicamp, professora da PUC de Campinas, além de “cientista social e cinéfila”. Há até uma foto da tipa aqui. O nome de sua tese não poderia ser, como diria Paulo Francis, mais “pseudo”: “Deus e o Diabo na Terra do Capitalismo Tardio”. Aí ela vai pensando o Brasil segundo nomes de filmes. Não é mimosa? No filme Ata-me, pensa o golpe de 1964: “Os militares saíram da caserna para acabar com os movimentos populares e também para resolver a pendenga em torno do modelo de desenvolvimento, em favor do grande capital monopolista, nacional e transnacional. Roberto Campos e Octávio Bulhões, ministros do primeiro governo militar, instituíram os mecanismos de articulação dependente com o mercado internacional.” Huuummm… Viram só? Ainda bem que João Goulart ajudou com a desordem, né? De resto, essa tese não é dela, mas de René Armand Dreyfuss em 1964 – A Conquista do Estado. Tá aqui. Lido e fichado. E eu proponho a Angelita que vá estudar ou tente ser bonita… [http://veja.abril.com.br/blogs/Reinaldo – Capturado em 18/10/2007]
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“Profissionais das cartas”
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Assim fez Reinaldo Azevedo com oito daqueles que discordaram de seu texto. Não há sequer um único contra-argumento aos argumentos construídos pelos leitores. Nada. Somente a pura e simples patrulha acrescida de comentários como “E eu proponho a Angelita que vá estudar ou tente ser bonita…”. O outro, na forma torpe em que Azevedo estabelece o “debate”, se torna “o indignado”, “a tipa”, “a mimosa”. Para justificar sua hipótese de que o “Painel” da Folha está aparelhado, Azevedo argumenta que os leitores que criticaram seu texto são os “profissionais das cartas”, sujeitos que vivem para o prazer de criticar esse ou aquele nas sessões de cartas de jornais e revistas. Não, essas pessoas não são consideradas aptas ao debate, pois, ao cabo, são “tipas”, “indignados”, “mimosas” e/ou tudo isso, “profissionais que são das cartas”. Os argumentos desses leitores não são válidos para o debate, uma vez que, sendo profissionais das sessões para leitores, estão usurpando o espaço do leitor ideal: aquele que concorda com Azevedo.
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A liberdade de sua opinião
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Em que, necessariamente, o fato de um professor escrever com freqüência para jornais e revistas ou uma doutora pela Unicamp fazer o mesmo impede que seus argumentos sejam válidos ao debate? Esses dois casos, dentre os oito mapeados por Azevedo, provavelmente publicam menos seus argumentos que o próprio Azevedo, que, blogueiro e colunista de Veja, tem espaço garantido na grande mídia. Azevedo, um profissional do texto (como todo e qualquer jornalista), parece querer negar aos demais aquilo que ele tanto preza e do que ele se farta: seu espaço para participar do debate. E o faz da pior forma possível: negando espaço para a divergência entre seus leitores, por meio dos comentários vetados em seu blog e, principalmente, zombando daquele que diverge, esvaziando-lhe o lugar de fala.
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O mapeamento dos leitores contrários ao seu texto, procedido por Azevedo, é um acinte. Autoritário, ele nega o debate, rompe com os códigos do diálogo, atenta contra a política. Ao apontar o dedo para o divergente, esvaziando-lhe o lugar de fala, desautorizando-lhe o direito à opinião e à divergência, Azevedo aponta o dedo para a república, baseada no diálogo. Travestido de democrata, esse “jornalista” nega solenemente a democracia na prática. Defende a liberdade de opinião: exclusivamente sua opinião e de seus convergentes.
Eis o texto que a Prof. Dr. Angelita Matos Souza jogou na cara do rola-bosta:
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O ideal do crítico
Texto-Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis,
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, vol. III, 1994.
Publicado originalmente no Diário do Rio de Janeiro, 8/10/1865.
Exercer a crítica, afigura-se a alguns que é uma fácil tarefa, como a outros parece
igualmente fácil a tarefa do legislador; mas, para a representação literária, como
para a representação política, é preciso ter alguma coisa mais que um simples
desejo de falar à multidão. Infelizmente é a opinião contrária que domina, e a
crítica, desamparada pelos esclarecidos, é exercida pelos incompetentes.
São óbvias as conseqüências de uma tal situação. As musas, privadas de um farol
seguro, correm o risco de naufragar nos mares sempre desconhecidos da
publicidade. O erro produzirá o erro; amortecidos os nobres estímulos, abatidas
as legítimas ambições, só um tribunal será acatado, e esse, se é o mais
numeroso, é também o menos decisivo. O poeta oscilará entre as sentenças mal
concebidas do crítico, e os arestos caprichosos da opinião; nenhuma luz, nenhum
conselho, nada lhe mostrará o caminho que deve seguir, — e a morte próxima
será o prêmio definitivo das suas fadigas e das suas lutas.
Chegamos já a estas tristes conseqüências? Não quero proferir juízo, que seria
temerário, mas qualquer pode notar com que largos intervalos aparecem as boas
obras, e como são raras as publicações seladas por um talento verdadeiro.
Quereis mudar esta situação aflitiva? Estabelecei a crítica, mas a crítica fecunda,
e não a estéril, que nos aborrece e nos mata, que não reflete nem discute, que
abate por capricho ou levanta por vaidade; estabelecei a crítica pensadora,
sincera, perseverante, elevada, — será esse o meio de reerguer os ânimos,
promover os estímulos, guiar os estreantes, corrigir os talentos feitos; condenai o
ódio, a camaradagem e a indiferença, — essas três chagas da crítica de hoje, —
ponde em lugar deles, a sinceridade, a solicitude e a justiça, — é só assim que
teremos uma grande literatura.
É claro que a essa crítica, destinada a produzir tamanha reforma, deve-se exigir
as condições e as virtudes que faltam à crítica dominante; — e para melhor
definir o meu pensamento, eis o que eu exigiria no crítico do futuro.
O crítico atualmente aceito não prima pela ciência literária; creio até que uma das
condições para desempenhar tão curioso papel, é despreocupar-se de todas as
questões que entendem com o domínio da imaginação. Outra, entretanto, deve
ser a marcha do crítico; longe de resumir em duas linhas, — cujas frases já o
tipógrafo as tem feitas, — o julgamento de uma obra, cumpre-lhe meditar
profundamente sobre ela, procurar-lhe o sentido íntimo, aplicar-lhe as leis
poéticas, ver enfim até que ponto a imaginação e a verdade conferenciaram para
aquela produção. Deste modo as conclusões do crítico servem tanto à obra
concluída, como à obra em embrião. Crítica é análise, — a crítica que não analisa
é a mais cômoda, mas não pode pretender a ser fecunda.
Para realizar tão multiplicadas obrigações, compreendo eu que não basta uma
leitura superficial dos autores, nem a simples reprodução das impressões de um
momento; pode-se, é verdade, fascinar o público, mediante uma fraseologia que
se emprega sempre para louvar ou deprimir; mas no ânimo daqueles para quem
uma frase nada vale, desde que não traz uma idéia, — esse meio é impotente, e
essa crítica negativa.
Não compreendo o crítico sem consciência. A ciência e a consciência, eis as duas
condições principais para exercer a crítica. A crítica útil e verdadeira será aquela
que, em vez de modelar as suas sentenças por um interesse, quer seja o
interesse do ódio, quer o da adulação ou da simpatia, procure produzir
unicamente os juízos da sua consciência. Ela deve ser sincera, sob pena de ser
nula. Não lhe é dado defender nem os seus interesses pessoais, nem os alheios,
mas somente a sua convicção, e a sua convicção, deve formar-se tão pura e tão
alta, que não sofra a ação das circunstâncias externas. Pouco lhe deve importar
as simpatias ou antipatias dos outros; um sorriso complacente, se pode ser
recebido e retribuído com outro, não deve determinar, como a espada de Breno,
o peso da balança; acima de tudo, dos sorrisos e das desatenções, está o dever
de dizer a verdade, e em caso de dúvida, antes calá-la, que negá-la.
Com tais princípios, eu compreendo que é difícil viver; mas a crítica não é uma
profissão de rosas, e se o é, é-o somente no que respeita à satisfação íntima de
dizer a verdade.
Das duas condições indicadas acima decorrem naturalmente outras, tão
necessárias como elas, ao exercício da crítica. A coerência é uma dessas
condições, e só pode praticá-la o crítico verdadeiramente consciencioso. Com
efeito, se o crítico, na manifestação dos seus juízos, deixa-se impressionar por
circunstâncias estranhas às questões literárias, há de cair freqüentemente na
contradição, e os seus juízos de hoje serão a condenação das suas apreciações de
ontem. Sem uma coerência perfeita, as suas sentenças perdem todo o vislumbre
de autoridade, e abatendo-se à condição de ventoinha, movida ao sopro de todos
os interesses e de todos os caprichos, o crítico fica sendo unicamente o oráculo
dos seus inconscientes aduladores.
O crítico deve ser independente, — independente em tudo e de tudo, —
independente da vaidade dos autores e da vaidade própria. Não deve curar de
inviolabilidades literárias, nem de cegas adorações; mas também deve ser
independente das sugestões do orgulho, e das imposições do amor próprio. A
profissão do crítico deve ser uma luta constante contra todas essas dependências
pessoais, que desautoram os seus juízos, sem deixar de perverter a opinião. Para
que a crítica seja mestra, é preciso que seja imparcial, — armada contra a
insuficiência dos seus amigos, solícita pelo mérito dos seus adversários, — e
neste ponto, a melhor lição que eu poderia apresentar aos olhos do crítico, seria
aquela expressão de Cícero, quando César mandava levantar as estátuas de
Pompeu: — “É levantando as estátuas do teu inimigo que tu consolidas as tuas
próprias estátuas”.
A tolerância é ainda uma virtude do crítico. A intolerância é cega, e a cegueira é
um elemento do erro; o conselho e a moderação podem corrigir e encaminhar as
inteligências; mas a intolerância nada produz que tenha as condições de fecundo
e duradouro.
É preciso que o crítico seja tolerante, mesmo no terreno das diferenças de escola:
se as preferências do crítico são pela escola romântica, cumpre não condenar, só
por isso, as obras-primas que a tradição clássica nos legou, nem as obras
meditadas que a musa moderna inspira; do mesmo modo devem os clássicos
fazer justiça às boas obras dos românticos e dos realistas, tão inteira justiça,
como estes devem fazer às boas obras daqueles. Pode haver um homem de bem
no corpo de um maometano, pode haver uma verdade na obra de um realista. A
minha admiração pelo Cid não me fez obscurecer as belezas de Ruy Blas. A crítica
que, para não ter o trabalho de meditar e aprofundar, se limitasse a uma
proscrição em massa, seria a crítica da destruição e do aniquilamento.
Será necessário dizer que uma das condições da crítica deve ser a urbanidade?
Uma crítica que, para a expressão das suas idéias, só encontra fórmulas ásperas,
pode perder as esperanças de influir e dirigir. Para muita gente será esse o meio
de provar independência; mas os olhos experimentados farão muito pouco caso
de uma independência que precisa sair da sala para mostrar que existe.
Moderação e urbanidade na expressão, eis o melhor meio de convencer; não há
outro que seja tão eficaz. Se a delicadeza das maneiras é um dever de todo
homem que vive entre homens, com mais razão é um dever do crítico, e o crítico
deve ser delicado por excelência. Como a sua obrigação é dizer a verdade, e dizêla
ao que há de mais suscetível neste mundo, que é a vaidade dos poetas,
cumpre-lhe, a ele sobretudo, não esquecer nunca esse dever. De outro modo, o
crítico passará o limite da discussão literária, para cair no terreno das questões
pessoais; mudará o campo das idéias, em campo de palavras, de doestos, de
recriminações, — se acaso uma boa dose de sangue frio, da parte do adversário,
não tornar impossível esse espetáculo indecente.
Tais são as condições, as virtudes e os deveres dos que se destinam à análise
literária; se a tudo isto juntarmos uma última virtude, a virtude da perseverança,
teremos completado o ideal do crítico.
Saber a matéria em que fala, procurar o espírito de um livro, descarná-lo,
aprofundá-lo, até encontrar-lhe a alma, indagar constantemente as leis do belo,
tudo isso com a mão na consciência e a convicção nos lábios, adotar uma regra
definida, a fim de não cair na contradição, ser franco sem aspereza, independente
sem injustiça, tarefa nobre é essa que mais de um talento podia desempenhar, se
se quisesse aplicar exclusivamente a ela. No meu entender é mesmo uma
obrigação de todo aquele que se sentir com força de tentar a grande obra da
análise conscienciosa, solícita e verdadeira.
Os resultados seriam imediatos e fecundos. As obras que passassem do cérebro
do poeta para a consciência do crítico, em vez de serem tratadas conforme o seu
bom ou mau humor, seriam sujeitas a uma análise severa, mas útil; o conselho
substituiria a intolerância, a fórmula urbana entraria no lugar da expressão
rústica, — a imparcialidade daria leis, no lugar do capricho, da indiferença e da
superficialidade.
Isto pelo que respeita aos poetas. Quanto à crítica dominante, como não se
poderia sustentar por si, — ou procuraria entrar na estrada dos deveres difíceis,
mas nobres, — ou ficaria reduzida a conquistar de si própria, os aplausos que lhe
negassem as inteligências esclarecidas.
Se esta reforma, que eu sonho, sem esperanças de uma realização próxima,
viesse mudar a situação atual das coisas, que talentos novos! que novos escritos!
que estímulos! que ambições! A arte tomaria novos aspectos aos olhos dos
estreantes; as leis poéticas, — tão confundidas hoje, e tão caprichosas, — seriam
as únicas pelas quais se aferisse o merecimento das produções, — e a literatura
alimentada ainda hoje por algum talento corajoso e bem encaminhado, — veria
nascer para ela um dia de florescimento e prosperidade. Tudo isso depende da
crítica. Que ela apareça, convencida e resoluta, — e a sua obra será a melhor
obra dos nossos dias.